“Queremos que público brasileiro dialogue com teatro irlandês”, diz Domingos Nunez, da Cia Ludens
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
O teatro documentário produzido na Irlanda nos últimos cinco anos vai ser esquadrinhado a partir desta terça (20) no Brasil. É quando a Cia. Ludens começa no Teatro Eva Herz, em São Paulo, seu IV Ciclo de Leituras – Teatro Documentário Irlandês: seis peças irlandesa serão lidas e dirigidas por nomes tarimbados do teatro contemporâneo paulistano. Coordenado por Beatriz Kopschitz e Domingos Nunez, o projeto quer questionar os limites do conceito do teatro documentário a partir dos textos selecionados, além de estabelecer relações com a dramaturgia em processo da Ludens, em seu contexto braisleiro. Nunez conversou com o site sobre a iniciativa. Leia a entrevista:
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que pensaram este Ciclo de Leituras?
DOMINGOS NUNEZ — Após uma década de atividades focando na pesquisa e produção de textos irlandeses e suas relações com o contexto brasileiro, Beatriz e eu sentimos que estávamos preparados para um projeto envolvendo uma aproximação ainda mais estreita entre as duas culturas. Minha experiência em traduzir, adaptar e dirigir as produções anteriores da Companhia Ludens, encorajou-me a propor uma pesquisa que pudesse resultar em uma dramaturgia de cunho mias autoral. O ponto de partida continuaria a estar ligado à cultura irlandesa, mas a forma final da obra deveria dialogar mais de perto com nossa cultura. Minha escolha temática recaiu sobre a figura do irlandês Sir Roger Casement, cônsul britânico no Brasil no começo do século 20, e a forma que me pareceu mais apropriada para tratar de um personagem histórico foi a teatro documentário. Como produtora e pesquisadora da Cia Ludens, Beatriz então fez a sugestão original e muito pertinente de resgatar o formato de Ciclo de leituras, que em processos anteriores tinham tido a função de abrir ao debate nossos itinerários investigativos e acadêmicos na escolha, elaboração e execução de um determinado projeto para produzir.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual o diferencial deste Ciclo e seu objetivo?
DOMINGOS NUNEZ — A diferença neste Ciclo é que a pesquisa efetuada no teatro documentário irlandês contemporâneo levou em conta um recorte de tempo muito mais restrito (de 2010 para cá) e escolhas temáticas e formais que pudessem fornecer padrões modelares e comparativos para a minha dramaturgia em construção, Diários de Roger Casement – a primeira leitura deste Ciclo, com montagem prevista para o segundo semestre do ano que vem. A partir da curadoria feita por Beatriz e levando em conta o meu texto em processo, um dos objetivos principais deste Ciclo é o de discutir os limites do conceito de teatro documentário, uma vez que será possível observar que, qualquer que seja a temática ou a forma, uma compreensão abrangente e contemporânea do gênero, não está inteiramente impermeável a outros gêneros literários e formas de expressão, o que resulta em variados tipos de misturas. Estamos felizes porque os autores e compiladores dos textos que compõe o Ciclo estarão em São Paulo para discutir esta e outras questões conosco.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O ciclo já está na quarta edição. Como enxergam esta trajetória no calendário teatral de São Paulo?
DOMINGOS NUNEZ — Os Ciclos de Leituras, como sugerido acima, sempre foram idealizados para, de alguma forma, abrir ao debate nossos processos de pesquisa formal e prática e sinalizar nosso interesse em dialogar com outros grupos e profissionais. Dentro do que nos propomos fazer, acreditamos que fomos bem sucedidos. O Primeiro Ciclo de 2004, Teatro Irlandês do Século XX: de Yeats a Friel, coincide com a primeira produção da Companhia, uma peça de Brian Friel. A extensa pesquisa efetuada ao longo de mais de dois anos para compreendermos a trajetória do moderno teatro irlandês, desde a fundação do Abbey Theatre, com o círculo de Yeats, até Friel, um dos maiores expoentes da dramaturgia irlandesa contemporânea, foi ilustrada por quatro textos já disponíveis em traduções em português e contou com a participação de grupos teatrais com uma pesquisa formal consistente no cenário do teatro paulistano. No Segundo Ciclo, de 2006, Teatro Irlandês do Século XXI – A Geração Pós-Beckett, expandimos a ideia do Primeiro Ciclo e, com o apoio do Sesc, apresentamos cinco peças contemporâneas inéditas de dramaturgos irlandeses. Os textos foram lidos pelos integrantes da Companhia naquela ocasião e por atores convidados. O Terceiro Ciclo, Bernard Shaw no Século XXI, foi realizado em 2009 como forma de ilustrar a pesquisa efetuada para a produção de uma peça de Shaw. Os quatro textos que compunham o programa foram lidos por grupos de teatro convidados e publicados naquele mesmo ano. Como é possível perceber, os Ciclos aconteceram em intervalos de tempo irregulares, em função dos projetos da Companhia. Estamos em constante pesquisa, mas nem sempre elas são relevantes ou exploram novas formas e conceitos que mereçam, em nosso entender, apresentações públicas e discussões abertas com outras companhias e profissionais. Por esse motivo, nunca tivemos em mente transformar os Ciclos de Leituras em uma atividade regular do calendário teatral de São Paulo. Mas sempre que acontecerem ficaríamos muito satisfeitos em sermos incluídos.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que resolveram abordar o teatro documentário irlandês? Qual a relação da Ludens com ele?
DOMINGOS NUNEZ — A Cia Ludens foi fundada com o único propósito de pesquisar, traduzir e produzir peças de dramaturgos irlandeses, além de publicar textos teatrais, críticos e de outras áreas relacionadas à cultura irlandesa. Nossa intenção foi sempre a de tentar estabelecer pontos de contato entre a cultura irlandesa e a brasileira, conforme mencionado acima. A abordagem do teatro documentário irlandês, neste momento de nossa trajetória, como também já foi mencionado, se deve à elaboração da dramaturgia Os Diários de Roger Casement, em processo. Na medida em que estamos bastante familiarizados com a história do teatro irlandês, e nos últimos anos temos nos voltado para a dramaturgia produzida recentemente naquele país, por autores consagrados e não consagrados, que foram ou não publicados, foi natural que buscássemos no teatro documentário irlandês contemporâneo, padrões modelares e comparativos para a construção de uma dramaturgia mais autoral.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Como foi a seleção para o elenco das leituras?
DOMINGOS NUNEZ — Na verdade, os diretores é que foram convidados, seguindo o critério de que, tendo em vista o programa do Ciclo, são diversas as fontes que compõem o material para a construção de um texto documentário (e suas combinações). Nossa ideia então foi a de que, em concordância com o hibridismo e pluralidade evolvendo a criação e prática do “teatro documentário”, os diretores também não deveriam estar limitados a uma única área de atuação. Assim sendo, na seleção dos diretores temos: autor, ator, professor, administrador teatral, crítico e diretor cultural. Coube a eles escolher seus respectivos elencos.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que o público pode esperar deste ciclo?
DOMINGOS NUNEZ — Além de poder estabelecer contato com textos inéditos e contundentes, em leituras dramáticas a cargo de elencos competentes, o público poderá estabelecer um diálogo com os autores e compiladores dos textos, tradutores, jornalistas e acadêmicos estrangeiros, e contribuir com seus comentários e opiniões. E acima de tudo, ele pode esperar uma noite em que ao mesmo tempo em que almejamos agradá-lo, também queremos que reflita sobre as questões temáticas, conceituais e formais presentes nos diversos textos que compõem o programa do Ciclo.
IV Ciclo de Leituras – Cia Ludens e o Teatro Documentário Irlandês 2010 – 2015
Onde: Teatro Eva Herz, Avenida Paulista, 2073 – (Conjunto Nacional – 1º Piso) – Bela Vista. 168 lugares.
Quando: 20/10 até 24/11/2015 (Terças, 20h)
Quanto: Gratuito. Será distribuído um par de convites por pessoa a partir das 19h. Debate com elenco após a leitura.
Informações: 3070 4059
Duração: 100 minutos
Classificação etária: 12 anos
Programação:
20/10/2015 – Diários de Roger Casement (2015), de Domingos Nunez. Peça original em português com direção de Domingos Nunez e música de Alberto Heller.
Elenco: Bruno Perillo, Bruno Fagundes, Chico Cardoso, Eliseu Paranhos, George Passos e Paulo Bordhin
27/10/2015 – Mácula (2011), de Hugo Hamilton. Tradução de Beatriz Kopschitz Bastos e direção de André Garolli.
03/11/2015 – Descendo da Perna de Pau: Yeats e o Abbey Theatre (2013), editado e compilado por Aideen Howard. Tradução de Maria Rita Viana e direção de Luiz Fernando Ramos.
Elenco: Maria Amélia Farah, Paula Picarelli e Thiago Amaral
10/11/2015 – Sem Saída (2010), de Mary Raftery. Tradução de Alinne Fernandes e direção de Laerte Mello.
17/11/2015 – Garantido! (2013), de Colin Murphy. Tradução de Leonor Cione e direção de André Acioli.
24/11/2015 – Titanic: Cenas de um Inquérito (2012), de Owen McCafferty. Tradução de Fernanda Verçosa e direção de Peter Harris.
Certamente será algo muito bom!