Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Ator talentoso e sensível, Gabriel Bodstein, 31 anos, propõe uma viagem sensorial ao público no espetáculo A Vedete, no qual está sozinho em cena.
A obra, encenada todo domingo, às 19h, até o fim deste mês no Teatro Pequeno Ato, em São Paulo, foi concebida por ele, que também assina a direção.
Utilizando uma máscara e sem falas, busca criar uma atmosfera de cumplicidade com a plateia, buscando sentidos, pacientemente.
Ator formado pela Escola de Arte Dramática da USP (Universidade de São Paulo) e pelo Conservatório Carlos Gomes de Campinas, Bodstein faz teatro desde os dez anos de idade. São duas décadas de carreira nos palcos. Também graduou-se em jornalismo pela PUC de Campinas, mas preferiu o teatro.
É fundador do Grupo 59 de Teatro, de São Paulo, eleito Grupo Revelação em 2011 pela Cooperativa Paulista de Teatro. Em parceria com o Barracão Teatro, de Campinas, atuou no elogiado espetáculo Diário Baldio ao lado de Esio Magalhães e dirigido por Tiche Vianna.
Mas, desta vez, preferiu estar só não só no palco como também na sala de criação, para compor, com toda sensibilidade do mundo, um retrato de uma artista em decadência: “A Vedete é um espetáculo sobre a solidão”, diz nesta Entrevista de Quinta.
Leia com toda a calma do mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Qual a importância da máscara no teatro que você faz?
GABRIEL BODSTEIN – A máscara é fundamental no meu trabalho. Ela permite que eu entre em contato com forças internas potenciais e dê desenvolvimento e concretude a elas através do meu corpo. O ato de vestir a máscara me revela. É um encontro comigo mesmo, que eu poetizo e compartilho com o espectador em um novo encontro: o acontecimento teatral.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Quem são os seus principais referentes e por quê?
GABRIEL BODSTEIN – Meu encontro com a máscara foi há dez anos no Barracão Teatro, núcleo de pesquisa de Campinas coordenado pela Tiche Vianna e pelo Esio Magalhães. Me apaixonei pela máscara teatral, pela intensidade do que ela pode proporcionar ao ator e ao espectador e, além disso, pela ética artística que aprendi no Barracão. Acho que o fazer teatral não pode deixar de unir o “que” se faz com o “como” se faz. Então esses dez anos de parceria com o Barracão são referenciais.
MIGUEL ARCANJO PRADO — E as referências para a criação?
GABRIEL BODSTEIN – Agora, o cotidiano em si, as pessoas conhecidas e desconhecidas, a natureza e os acasos da vida são sempre os principais referentes para a criação. Eu crio cenas a partir de eventos que eu observo na rua. Tem frases, ações e situações que eu coloco em cena que vem diretamente da experiência do dia a dia. E daí quando vai para o palco ganha outro contorno, potencializa-se, eu torno a ação minha, me coloco em relação aquilo, dou o meu depoimento. Então, o radar está sempre ligado: as coisas que realmente me tocam ficam armazenadas em um cantinho da criação.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Como surgiu a ideia de A Vedete? Por que abordar esse tema?
GABRIEL BODSTEIN – Este espetáculo partiu de um desafio que eu me lancei: fazer um processo criativo solitário. Eu queria vivenciar todas as etapas do trabalho seguindo apenas a minha intuição e deixar a obra surgir daí. Não partiria de uma história e não teria direção, tudo deveria emergir da experiência. Imediatamente recorri à máscara. Me perguntei “o que eu quero revelar”? Criar é fazer escolhas, muitas vezes radicais, e de cara eu fiz algumas que poderiam me aproximar da revelação: queria estar sozinho em cena, sem utilizar palavras e trabalhar com gestos e ações lentos. Porque isso me instigava há algum tempo. Então, com isso em mente, eu confeccionei a máscara e fui para a sala de ensaio.
MIGUEL ARCANJO PRADO — E como foi estar sozinho?
GABRIEL BODSTEIN – A experiência intensa com o silêncio e a solidão aos poucos me revelou o universo temático: a solidão do artista. Poetizei essa máscara envelhecida, calada e lenta como uma velha vedete, muito distante do seu auge, solitária, abandonada às próprias memórias. A Vedete é um espetáculo sobre a solidão.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Como você criou a personagem? Onde buscou inspiração?
GABRIEL BODSTEIN – Precisei observar a natureza feminina e descobri-la no meu corpo. Me abasteci de uma boa dose de Clarice Lispector e Hilda Hilst. No acervo de vídeos e fotos das grandes vedetes brasileiras, tanto em seu auge como em sua decadência, busquei material para criar sensações, gestos e ações. A maior parte das cenas foi criada a partir desse estudo, e a cada cena você descobre um pouco mais da própria figura. A máscara é muito concreta e precisa traduzir precisamente seus estados. É um espetáculo silencioso, sem palavras e sem trilha sonora, tudo emerge do movimento. Minha intenção é que o espectador construa sua leitura a partir de cada detalhe, de cada respiração.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Como você classificaria o estilo de teatro que faz?
GABRIEL BODSTEIN – Eu estou em busca de uma expressão potente em arte. É só o começo de um caminho. Não sei se consigo classificar isso hoje, como um estilo. A Vedete é um espetáculo de máscara, mas em alguma medida poderia ser classificado como performance e também dialoga com o universo da dança. Eu ainda não sei os limites. No momento, só penso em ampliar.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Quando você era pequeno gostava de brincar de quê?
GABRIEL BODSTEIN – Eu fui uma criança tranquila. Gostava de cinema e teatro, eu era muito observador. Sempre gostei de futebol também. Brinquei muito sozinho, inventando coisas. Eu fugia um pouco da realidade, que eu achava bem entediante. Comecei a fazer teatro muito cedo, com 10 anos, e aí as coisas começaram a fazer sentido para mim. Parece que eu me entendi no mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Quando resolveu que seguiria a carreira artística? Foi difícil?
GABRIEL BODSTEIN – Ganho dinheiro fazendo teatro desde os 15 anos. Não sei se teve um momento específico em que decidi seguir a carreira, eu apenas fui seguindo o fluxo e fazendo tudo o que eu podia, apaixonadamente. Com 18 anos fui fazer faculdade de jornalismo. Não me tocou a ponto de seguir a profissão. Terminei o curso e comecei a trabalhar com o Barracão, onde o ofício adquiriu outro sentido, profissional. Depois vim para São Paulo e entrei na Escola de Arte Dramática. Lá eu fundei com amigos de turma o Grupo 59 de Teatro, que é um desafio devotado e já vai fazer cinco anos. Agora fiz A Vedete, essa aventura solitária. Estou seguindo. A cada trabalho eu decido seguir a carreira artística.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Você é pessimista ou otimista em relação ao Brasil atual?
GABRIEL BODSTEIN – Eu teimo em ser otimista.
MIGUEL ARCANJO PRADO – E que tipo de teatro você jamais faria?
GABRIEL BODSTEIN – O que não me tocasse ou não me transformasse de nenhuma forma.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Por que você faz teatro?
GABRIEL BODSTEIN – O teatro me reconecta com uma força vital, ancestral, necessária e insubstituível.
A Vedete
Quando: Domingo, 19h. 40 min. Até 29/11/2015
Onde: Teatro Pequeno Ato (r. Teodoro Baima, 78, República, São Paulo, tel. 11 99642-8350)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)
Classificação etária: 12 anos