Marília Pêra morre aos 72 anos no Rio
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Uma das mais importantes atrizes da história do Brasil, Marília Pêra morreu neste sábado (6), às 6h, informou o canal de notícias Globonews. A causa da morte não foi confirmada pela família. Ela tinha 72 anos.
Ela era casada atualmente com Bruno Faria e deixa três filhos: Ricardo Graça Mello, Esperança Motta e Nina Morena.
O velório começa às 13h no Teatro Leblon, sala Marília Pêra (Rua Conde de Bernadote, 26 – Leblon).
A jornalista Hildegard Angel, no último mês, havia noticiado que Marília enfrentava um câncer e que estava sendo tratada em sua própria casa, no Rio; procurada pelo site na época, a Globo disse que a atriz apenas fazia exames.
Marília havia dito à imprensa no último Festival de Gramado, no qual foi homenageada pela sua carreira, que estava tratando de um desgaste ósseo na região lombar por conta dos muitos anos de dança. Segundo ela dizia, este havia sido o motivo pelo qual havia ficado afastada do trabalho por um ano, deixando inclusive a série Pé na Cova, de Miguel Falabella, parceiro de sua última grande produção nos palcos, o musical Alô Dolly.
Além de atriz, Marília também era cantora, produtora, bailarina, coreógrafa e diretora de teatro, no qual esteve em mais de 50 peças. Ela também teve carreira importante no cinema, onde fez cerca de 30 filmes, entre eles Central do Brasil e Pixote, A Lei do Mais Fraco, com o qual ganhou prêmio de melhor atris dos críticos norte-americanos. Na TV, foi diva absoluta do vídeo, atuando em cerca de 40 novelas.
Trajetória de sucesso
De família de artistas, Marília Pêra entrou no palco aos 19 dias de vida. “Minha mãe diz que eu entrei no colo de uma atriz, amiga dela, numa peça em que precisavam de um bebê”, contou ela ao projeto Memória Globo. Aos quatro anos já trabalhava na Companhia de Henriette Morineau, interpretando uma das filhas de Medeia na peça homônima de Eurípedes, na qual também atuavam seus pais, Manoel Pêra e Dinorah Marzullo.
“Fui criada dentro das coxias. Eu me preparei para ser atriz olhando os grandes atores, os atores, os maus atores. Meus pais trabalharam muito com Madame Morineau e com Dulcina de Moraes também. Eu pude ter essa visão do teatro feito por uma trágica, Madame Morineau, e por uma comediante de primeiríssima, Dulcina”, contou ao Memória Globo.
Marília Soares Pêra, ou Marília Pêra da Graça Mello, depois que se casou, nasceu em 22 de janeiro de 1943, no bairro do Rio Comprido, no Rio de Janeiro.
Ao mesmo tempo em que estreava profissionalmente no teatro, começou a estudar piano. Dos 14 aos 21 anos, atuou como bailarina em musicais e revistas como Minha Querida Lady (1962), protagonizado por Bibi Ferreira, e O Teu Cabelo Não Nega (1963), biografia de Lamartine Babo, como Carmen Miranda – papel que repetiria algumas vezes em sua carreira.
Também foi Manoel Pêra quem a incentivou a estudar balé clássico e a levou para a televisão, para dançar. “Meu pai e minha mãe faziam a TV Tupi quando a emissora começou. E havia um programa de balé semanal, acho que às segundas-feiras. Nós passávamos a semana inteira ensaiando, na ponta do pé, e depois íamos fazer ao vivo esse balé”, contou ao Memória Globo.
Em 1959, quando ainda estava no primeiro ano científico, largou os estudos para se casar com o ator Paulo Graça Mello. Aos 18 anos, em 1961, excursionou por Brasil e Portugal com a peça Society em Baby-Doll, de Henrique Pongetti. Um ano depois, estrelou o musical Como Vencer na Vida sem Fazer Força, de Abe Burrows, Jack Wienstock e Willie Gilbert, ao lado de Procópio Ferreira, Moacyr Franco e Berta Loran. Já separada do marido, foi contratada pelo diretor Abdon Torres, em 1965, para fazer parte do elenco que iria inaugurar a TV Globo.
Um dos grandes sucessos desta época foi A Moreninha, adaptação do romance de Joaquim Manuel de Macedo escrita por seu ex-sogro, Graça Mello, que era diretor da emissora. “Esse comecinho da Globo era muito divertido, porque tudo era muito experimental. Como ninguém sabia nada, o brinquedo era muito novo para todo mundo, havia muita criatividade”, relembrou ao Memória Globo.
E Marília também continuou atuante nos palcos. Entre 1965 e 1968, trabalhou nas peças Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojero; Se Correr o Bicho Pega,de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar; A Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill; A Megera Domada, de William Shakespeare; O Barbeiro de Sevilha, de Beaumarchais; e Roda Viva, de Chico Buarque de Hollanda, no Teatro Oficina dirigida por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso.
A atriz também participou de Beto Rockfeller (1968), de Bráulio Pedroso, na TV Tupi, novela que é considerada um marco da teledramaturgia brasileira, por sua linguagem moderna e ambientação urbana. “Ali havia a história de um malandro, o herói não era politicamente correto, e isso era bem interessante”, recordou.
Em 1971, protagonizou a novela O Cafona, um grande sucesso no qual fazia par com Francisco Cuoco. Depois, fez Bandeira 2, de Dias gomes, como a taxista Noeli: “Eu nunca tinha dirigido carro, era uma barbeiragem só”, contou ao Memória Globo.
No ano seguinte, foi a Serafina Rosa Petrone de Uma Rosa com Amor, de Vicente Sesso, na qual contracenou com Paulo Goulart. “Eu fazia muito essas mocinhas pobres que se apaixonavam por homens ricos que não davam bola para elas. Eles namoravam sempre mulheres lindas, ricas, elegantes. Mas, no fim, ficavam comigo. Só depois você percebe a imagem que passava, a da mocinha comum que vence na vida”, relembrou. Depois, protagonizou Supermanoela, de Walther Negrão, em 1974, e se afastou da TV por um bom tempo.
A volta foi só em 1982, quando interpretou a Alice de Quem Ama não Mata, minissérie de sucesso de Euclydes Marinho com direção de Daniel Filho, na qual atuava ao lado de Cláudio Marzo. “Foi numa época em que Daniel e eu conversávamos muito sobre a violência, que estava acontecendo muito próximo de nós, casais se matando por ciúmes. Foi quando morreu a Angela Diniz”, lembrou.
Depois de 13 anos, a atriz voltou a fazer telenovelas na emissora, vivendo a sofisticada Rafaela Alvaray, em Brega & Chique, de 1987, papel escrito especialmente para ela por Cassiano Gabus Mendes. As cenas de Rafaela com o Dr. Montenegro, personagem de Marco Nanini – seu grande parceiro nos palcos também –, proporcionaram momentos memoráveis. “Eu criei a Rafaela pensando na Dulcina de Moraes, que tinha um tipo de humor que não era o do escracho, era mais sutil, mais meigo. E Cassiano Gabus Mendes me deu esse presente. Brega & Chique foi, eu acho, a novela que mais gostei de fazer”, contou ao Memória Globo.
Outro destaque foi na minissérie O Primo Basílio, de 1988, adaptação de Gilberto Braga e Leonor Brassères do romance de Eça de Queiroz, na qual interpretou a vilã Juliana. “E eu não queria fazer. Eu não queria fazer a Juliana, exatamente porque eu tinha lido o livro, e o Eça a descreve de forma implacável. Mas foi muito bom para mim. Eu soube que há escolas de teatro que usam o DVD de O Primo Basílio para estudar o que eu fiz”, disse a atriz.
A atriz trabalhou em duas novelas de Ricardo Linhares: Lua Cheia de Amor (1991), coescrita por Ana Maria Moretzsohn e Maria Carmem Barbosa, e Meu Bem Querer (1998). “Em Lua Cheia de Amor, eu tive um reencontro com o Francisco Cuoco”, definiu. Na TV Bandeirantes, atuou em O Campeão (1982), outra novela de Linhares, e na Manchete, em Mandacaru (1997), de Carlos Alberto Ratton.
Ela voltou à Globo em 2001, Marília participou da minissérie Os Maias, adaptação de Maria Adelaide Amaral do romance de Eça de Queiroz, em que interpretou Maria Monforte, personagem que não existia na obra original. “Foi uma personagem que a Maria Adelaide Amaral inventou. Ela volta para ver essa tragédia que ocorre com os filhos. No livro, a personagem não volta: ela morre, e manda uma carta. Eu acho que talvez tenha sido, junto com Juliana de O Primo Basílio, o meu melhor trabalho na televisão”, disse.
Depois, foi Janis, a avó doidona de Começar de Novo (2004), escrita por Antonio Calmon, e a dissimulada e interesseira Milu de Cobras & Lagartos (2006), de João Emanuel Carneiro. “Como escreve o João Emanuel Carneiro! Eu tinha alguns monólogos dificílimos de serem decorados, e eu precisava decorar mesmo, como se fosse Shakespeare, porque o João Emanuel é um homem muito culto”, contou ao Memória Globo.
No ano seguinte, viveu Gioconda de Queiroz Barreto, a esposa aristocrata do advogado Barreto (Stênio Garcia) em Duas Caras, de Aguinaldo Silva. A personagem sofreu uma grande transformação no fim da novela. “Gioconda tomava remédios para se acalmar, ela vivia sempre num barato. Até o momento em que se depara com uma realidade mais feroz. É quando ela vai para a favela e vai defender os interesses da família. A Gioconda termina como senadora”, disse.
No remake de Ti-Ti-Ti (2011), escrito por Maria Adelaide Amaral a partir do original de Cassiano Gabus Mendes, a atriz voltou a viver a Rafaela Alvaray de Brega & Chique. “Não foi a alma da Rafaela que voltou, foi a lembrança do personagem. Porque eu não sei como estaria a Rafaela hoje. Mas eu adorei que a Maria Adelaide quisesse, também, lembrar”, revelou.
A parceria com Miguel Falabella, a quem dirigiu a primeira peça dele, voltou com a personagem Catarina Faissol, dona de uma revista de fofocas em A Vida Alheia (2010), seriado criado pelo amigo. “Isso também é a minha história com Miguel. A primeira vez na vida que tive a coragem de dirigir uma peça de teatro aconteceu porque ele e Marília Padilha foram à minha casa e praticamente me obrigaram a dirigir uma peça com os dois, que se chamava A Menina e o Vento, da Maria Clara Machado, em 1978. A Catarina era muito rica, elegante. Miguel sempre fantasia que eu posso fazer ricas”, lembrou.
Do autor fez também o longa-metragem Polaróides Urbanos (2008), estreia dele como diretor de cinema, e a novela Aquele Beijo (2011), na pele de outra mulher rica, a empresária Maruschka Lemos de Sá. “A diferença entre essas duas, a Catarina e a Maruschka, é que a Maruschka é mais metida a gata”, diz. A partir de 2013 passou a encarar Darlene no seriado Pé na Cova, seu último trabalho na TV.
No cinema, também estrelou filmes como Pixote, a Lei do mais Fraco (1980), de Hector Babenco; Bar Esperança (1983), de Hugo Carvana; Anjos da Noite (1986), de Wilson Barros; Dias Melhores Virão(1988) e Tieta do Agreste (1995), ambos dirigidos por Cacá Diegues; Central do Brasil (1996), de Walter Salles; e O Viajante (1998), de Paulo César Saraceni.
Marília recebeu importantes prêmios no teatro. Com a peça Fala Baixo, Senão eu Grito, de Leilah Assumpção, encenada em 1969, recebeu vários prêmios de Melhor Atriz. Ganhou duas vezes o Prêmio Moliére: a primeira delas foi em 1974, por sua atuação em Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde, sob a direção de Aderbal Freire Filho; e a segunda, dez anos depois, pelo trabalho em Brincando em Cima Daquilo, de Dario Fo, dirigida por Roberto Vignatti. Em 1977, recebeu o Prêmio Mambembe de melhor atriz por O Exercício, de John Lewis Carlino, dirigida por Klauss Vianna. Também se destacou na direção de Marco Nanini e Ney Latorraca na peça Irma Vap, de Charles Ludlan, que estreou em 1986 e ficou mais de dez anos em cartaz.
Depois de O Teu Cabelo Não Nega, a atriz voltou a interpretar Carmen Miranda no espetáculo A Pequena Notável (1966), dirigido por Ary Fontoura; em A Tribute to Carmen Miranda, no Lincoln Center, em Nova York (1975), dirigido por Nelson Motta; em A Pêra da Carmem, em 1986 e em 1995; e no musical Marília Pêra canta Carmen Miranda (2005), dirigido por Maurício Sherman.
Marília interpretou outras mulheres célebres como a cantora Dalva de Oliveira (no musical A Estrela Dalva, em 1987), a diva Maria Callas (na peça Master Class, em 1996), a estilista Coco Chanel (na peçaMademoiselle Chanel, em 2004), a ex-primeira dama do Brasil Sarah Kubitschek na minissérie JK (2006), de Maria Adelaide Amaral. Seu último grande musical foi Alô Dolly, em 2013.