Entrevista de Quinta – Doutor Abobrinha, Pascoal da Conceição se une aos estudantes e diz: “Quero ter coragem sempre”
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Pascoal da Conceição é o eterno Doutor Abobrinha, o vilão da série infantil Castelo Rá-tim-bum, da TV Cultura. Mas também é Mário de Andrade, personagem que o acompanha sempre também. E ainda artista e cidadão. Tanto que resolveu se juntar aos estudantes nas ocupações de escolas em São Paulo. “Quero ter coragem sempre”, diz, nesta Entrevista de Quinta.
Ele se prepara para fazer o projeto Noites com Mário de Andrade, que acontece nesta quinta (10) e na próxima (17), no Instituto Cultural Capobianco (r. Álvaro de Carvalho, 97, Anhangabaú, São Paulo), sempre a partir das 20h, com entrada gratuita. Ela fala do projeto e de muitas outras coisas.
Leia com toda a calma do mundo:
MIGUEL ARCANJO PRADO — O Mário de Andrade é seu principal personagem? Por quê?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Rapaz, eu gosto tanto de fazer o Mário! Quando tenho que fazer algum trabalho com ele e vou pesquisar, ler o que ele escreveu, o que ele fez, aprendo tanto! Me alegra, me dá esperança, alimenta a minha coragem. Me sacode do conformismo, da desesperança. Mas ele é “um dos” meus personagens preferidos, dentre outros, claro. Até porque como não gostar do “Doutor Abobrinha” ??? [gargalha].
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que de melhor o Mário de Andrade te deu?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Eu sinto que em mim ele lubrifica o meu pensamento lento. Agora mesmo peguei uma entrevista dele: “o não conformismo não está apenas em gritar e assinar: ‘sou anti nazista!’ ‘sou pela democracia’ sou isso, sou aquilo. Isto quando muito é ser tagarela!. O não conformismo implica não apenas na reação mas na AÇÃO. E é nesta AÇÃO que está a responsabilidade pública do intelectual.” Acredito nisso.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que o público pode esperar destas duas apresentações no Capobianco?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — São duas noites. Vou falar da primeira que é a que ensaiamos: É a “CASA DA DONA PLASTINA” “um casinhoto de porta e janela, telha vã, chão tijolado,
bem limpa”, o CATIMBÓ onde o Mário fechou o corpo, em Natal. Estará aberta pro público a partir das 20 horas e quem chega se junta ao pessoal do terreiro, aguardando a chegada do Mário de Andrade, o moço de São Paulo, às 21 horas. Vamos tocar partituras originais da MUSICAS DE FEITIÇARIA recolhidas na viagem ao nordeste feita pelo poeta, transcritas para violões, atabaques, chocalhos, tambores: “Rei Nagô”, “Iracema”, “Principe da Jurema” entre outras.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que você achou da repercussão toda que houve em torno da carta que confirmaria a homossexualidade do Mário?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Achei lindo! Foi emocionante. O meu lado fofoqueiro estava interessadíssimo pra ver o final dessa novela. Se falou mais do que o fato de ELE ser o PRIMEIRO MODERNISTA BRASILEIRO a ter sua obra virada DOMÍNIO PÚBLICO MUNDIAL, não foi? É aquilo: assunto sempre tem, cabe a gente escolher. Aliás, podia juntar e discutir também por que o BARDO MESTIÇO, como ele se chamava, não aceitou o convite para visitar os Estados Unidos? Palavras dele: “(Não vou) simplesmente por ser mulato. Tenho em mim sangue negro. Já sei, não sofreria por isso, mas outros iguais a mim sofrem, e isso eu não poderia tolerar.”
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual a importância que o Doutor Abobrinha teve na sua carreira? Ele repercute até hoje?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Muita. Tenho que confessar aos que não sabem que muito do subtexto que me inspirou na criação do doutor Abobrinha foi a luta do teatro Oficina com o Grupo Silvio Santos, onde a gente defendia a continuidade do teatro e o Grupo queria derrubarrrrr o teatro e no lugar construir um Shopping, ou o prédio de tantos andares!!!! Repercute bastante.
Agora mesmo, quando eu fui até as escolas fiz mais sucesso como doutor Abobrinha do que de Mário de Andrade. Deve ser porque o VILÃO DO CASTELO, está mesmo bem vivo, atuando por aqui e ali, sempre por detrás das falcatruas. Deve ser por isso que repercute.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Você voltou recentemente ao Oficina. Como foi este retorno?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Eu sou associado da UZYNA UZONA, e em se tratando de TEATRO estou dentro o tempo todo. Fizemos PRA DAR UM FIM NO JUÍZO DE DEUS, do ARTAUD, como sempre, uma direção certeira do Zé Celso para estes tempos de tantos fundamentalismo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que você participou das Ocupações junto aos estudantes?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Educação é coisa muito séria pra ser tratada apenas por gente de gabinete, pensei nisso. E os ‘donos da vida’ já tão cínicos de mostrar como é o modo
que eles querem ver o governo tratar de assuntos dessa importância. No início eu fui levado por uma indignação insuportável: Em se tratando de educação achei desumana a reação,
pra dizer o mínimo. Fui também porque é dever moral de ator, de artista, de gente estar presente. Precisamos estar todos juntos nessa. Não deixar só pros estudantes. E fui de MARIO DE ANDRADE, porque ele é dos grandes da educação no Brasil.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que você acha que significa este momento que estamos vivendo?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Olha, eu não creio que a gente tenha que ter todo mundo a mesma opinião. Estamos nessa. Acho, claro, que é difícil bater com discordâncias mas não tenho medo disso não. Esse é o trabalho. Não posso com a violência, a hipocrisia, o ressentimento. O momento que estamos vivendo eu acho dos mais interessantes dos últimos tempos. É bom a gente estar bem atento.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que você acha da instauração de um processo de impeachment contra a Dilma?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Eu torço pra que a DILMA continue presidente do Brasil. Discutir o impeachment é parte disso. Os artistas, os intelectuais, etc tem mais é que participar disso. E tem que discutir muitos outros assuntos como essa PEC que quer reorganizar as terras dos índios, a mineração, tudo a fazer.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Você está temeroso com o futuro do Brasil?
PASCOAL DA CONCEIÇÃO — Eu gosto do Brasil, da nossa gente, do nosso futuro. Ele não me dá medo, dá esperança. Não gosto é de gente torcendo pra que tudo dê errado e aí provar sua ‘teoria’ de que a vida é uma merda, que a gente não devia sonhar como sonhou, que é tudo igual, que o mundo tá perdido e outras besteiras preguiçosas. Morro de medo desses raciocínios fracos que ignoram a força da vida. Luto pra que eles não contaminem com a sua nódua perversa o “desejo do gostoso” que atua dentro de todos nós. Quero de ter coragem sempre, alegria, paciência, entusiasmo, paixão de viver, abertura pras manifestações de vida. Sofro por isso.