Entrevista de Quinta: “Tem Bububu no Bobobó!”, é o recado da Casa Selvática em seus quatro anos
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Muito antes de Karina Bühr resolver nomear de Selvática seu mais recente álbum, a Selvática Ações Artísticas já agitava Curitiba e o Brasil e a Europa, em movimentadas viagens cênicas, mentais e espaciais.
Há quatro anos, esta trupe de cerca de 15 artistas (porque sempre cabe mais um) inteligentes e inquietos fundou o Espaço Cultural Casa Selvática, ou apenas Casa Selvática para os íntimos, que celebra aniversário com um concorrido almoço subtropical e antropofágico.
Lugar de teatro, shows, performances, cabaré, exposições, concertos, mostras, oficina e o que mais eclodir, a Casa Selvática tem ares de vanguarda ao mexer com as estruturas artísticas, morais, sociais e o que mais vier da tradicional sociedade paranaense e brasileira. Querem questionar hierarquias e verdades absolutas. Por isso, são uns dos mais interessantes artistas brasileiros surgidos neste século 21.
Além do almoço festivo, chamado Tem Bububu no Bobobó 2016, o grupo também lançará seu site. Tudo no domingo 6 de março, a partir das 11h30. Já a festinha começa às 16h. Quem quiser comer com o grupo precisa se apressar, porque os ingressos custam R$ 25 até 3 de março. Depois, sobem para R$ 30 (informações pelos telefones 41 3013-5188 ou 96115910 e também no email selvaticaacoesartisticas@gmail.com). É uma pechincha diante da experiência oferecida.
A Selvática ainda prepara a estreia de seu novo espetáculo no Festival de Teatro de Curitiba, dentro da Curitiba Mostra. Trata-se de Pinheiros e Precipícios, para a qual já estão escalado seus significativos artistas sob direção de Ricardo Nolasco. Alguns selváticos, como são chamados seus integrantes, também foram convidados para fazer participação especial em outra peça do festival, Hermanas Sol las Tetas, da Las Tetas Cia. de Teatro, dirigida pelo argentino Juan Manuel Tellategui.
Em forma coletiva — jeito que adoram — os integrantes da Selvática conversaram com o site nesta exclusiva Entrevista de Quinta. Falaram de tudo: sobre sua arte, seus conceitos, a ausência do grupo na Mostra Oficial do Festival de Teatro de Curitiba e, claro, mostraram o famoso Bububu no Bobobó que só eles têm.
Leia com toda a calma do mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Para quem ficou escondido em uma caverna nos últimos tempos e não faz a mínima ideia ainda sobre vocês, respondam de forma didática: o que é a Casa Selvática?
SELVÁTICA — A Selvática não é apenas uma casa: é uma selva de coisas, conceitos, coletivos. Ela não é um teatro, mas abriga ensaios e apresentações teatrais e de dança, ela não é uma galeria ou um museu, mas exibe exposições e eventualmente serve de ateliê, ela não é uma escola, ou universidade, mas abriga grupos de pesquisa, oficinas, debates e produção teórica a respeito de arte, ela não é uma casa de shows, mas realiza festas com apresentações performáticas e de música dos mais variados tipos, ela não é um restaurante, mas realiza eventos em que arte e gastronomia se unem; assim, sendo um ambiente onde diferentes poéticas se entrecruzam, ela é principalmente um reduto para as nossas utopias e uma resposta para o mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual foi o momento mais difícil nestes quatro anos de Casa Selvática?
SELVÁTICA — Manter um espaço em atividade constante independentemente não é tarefa fácil. Porém, nossa característica principal é o processo de resistência artística que a casa propõe, visto que a arte oficial enfrenta dificuldades para manter-se em um país em que a própria cultura não é prioridade. Tivemos a oportunidade de viajar muito com nosso trabalho nos últimos anos, assim como criar diferentes obras com distintos editais e prêmios e, de repente, nos vemos totalmente sem subsídio de nenhuma ordem. Vivemos agora o momento de nos repensarmos, para seguirmos um trabalho iniciado com o propósito da continuidade de uma arte que acreditamos precisa ser vista, explorada e comunicada.
MIGUEL ARCANJO PRADO — E qual foi o momento inesquecível, daqueles para colocar no porta-retrato?
SELVÁTICA — É difícil nomear um único momento, a casa completa apenas quatro anos, mas fizemos tanta coisa que parece muito mais tempo. Talvez por ser mais recente, o Cabaré Voltei – homenagem que fizemos aos 100 anos do Cabaret Voltaire e que aconteceu no último sábado. Foi um evento antológico, além de números dos artistas Selvática, o evento contou com um sarau aberto, o que nos surpreendeu muito, veio muita gente e tivemos uma noite de muitas variedades, um verdadeiro cabaré, saímos todos realizados e completos.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que é Bububu no Bobobó?
SELVÁTICA — É a festa anual de aniversário da Casa Selvática. Fazemos desde sua inauguração. O nome faz uma homenagem ao Teatro de Revista Brasileiro, que é uma das nossas linhas de pesquisa e atuação. Teve esse nome uma das revistas de Walter Pinto, depois se tornou marchinha de Carnaval e um clássico do cinema nacional ao tentar rememorar os “áureos tempos do teatro de revista nacional”. A revista original tinha a vedete Virginia Lane em seu elenco (a quem homenageamos nesse ano recriando uma imagem clássica dela). O Teatro de Revista fala muito sobre a investigação da casa, na forma bem humorada de abordar a oposição entre precariedade e espetáculo. Um gênero marginalizado pela história oficial do teatro justamente por seu caráter popular e transgressor.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Vocês também estão lançando site. O que vai ter no site de vocês? Qual vai ser a pegada?
SELVÁTICA — A ideia do site é informar sobre o trabalho da Selvática. Um site dinâmico no qual as pessoas possam saber um pouco mais sobre as nossas peças, passadas e futuras, espetáculos de repertório, nossos eventos e nossas performances na casa e pelo mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual é a cara da Casa Selvática?
SELVÁTICA — Cabaré cor-de-rosa, cheio de pedrarias, rendas, pitadas de glamour, de Dionísio em cujas festas prevalecem o espírito lúdico e o viés político. Lugar que borra fronteiras, dilui e performa hierarquias e faz a gira girar.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Vocês gostaram quando descobriram que o novo disco da Karina Buhr se chamava Selvática?
SELVÁTICA — Achamos curioso. Nós já acompanhávamos o trabalho dela e até já tínhamos utilizado uma canção gravada por ela com a banda Comadre Fulozinha na peça As Tetas de Tirésias, que é um dos maiores sucessos da Casa Selvática. E quando escutamos o álbum ficamos impressionados com muitas semelhanças de temáticas, alegorias e posições.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Vocês ficaram amigos da Karina?
SELVÁTICA — Podemos dizer que sim, o evento foi incrível, tinha muita gente, foi mágico. Foi um encontro necessário, a Karina é uma artista genial e fomos a cada minuto descobrindo coisas em comum que vão muito além da coincidência do título de seu novo álbum.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Curitiba não é mais a mesma depois da Casa Selvática. Por quê? O que só vocês tem?
SELVÁTICA — Quando a Casa Selvática surgiu, era um dos primeiros espaços em Curitiba gerido exclusivamente por artistas, achamos que esse é o grande diferencial. Somos um coletivo que surgiu a partir desse espaço, do encontro entre estes artistas para gerir um pensamento cultural e pensar uma programação de qualidade. É diferente de ser a sede de uma companhia ou coletivo, a Selvática produtora existe a partir da Casa Selvática, que nos alimenta para seguir acreditando na arte como liberdade. O que a Selvática tem? Tem bububu no bobobó!
MIGUEL ARCANJO PRADO — Vocês vão dar um almoço para comemorar os quatro anos. Qual vai ser o cardápio? Como ele foi escolhido?SELVÁTICA — O cardápio foi cuidadosamente elaborado pelas chefs de cuisine Mamá Polentera (persona de Gabriel Machado) e Nina Carabina. A ideia principal é pensar um cardápio elegante e divertido (que misture referências de vários lugares e culturas). Esse ano tem de tudo, de pétalas de rosa a jaca verde, confira:
Primeiro prato:
* Carpaccio da Carabina servido com molho de iogurte natural e geleia de pétalas de rosa (vegetariano)
* Falafel da Mamá
Segundo prato:
* Arroz das odaliscas (com lascas de castanha e raspas de limão)
* Rösti de inhame com chilli de feijão verde ou batata recheada com estrogonofe de jaca verde
Sobremesa:
* Banoffi especial com maracujá
MIGUEL ARCANJO PRADO — Vocês rodaram boa parte do Brasil no último ano. Isso afetou o grupo de alguma maneira? Conseguem ver reflexos das viagens na arte que estão fazendo atualmente?
SELVÁTICA — Evidentemente. Essas viagens foram muito importantes para o amadurecimento de nosso trabalho, mas também para percebermos que éramos estigmatizados em Curitiba. Precisávamos de novos olhares, novas provocações. A melhor coisa foi perceber que não é por fazer arte de pesquisa que não fazemos uma arte acessível a todos. Depois das viagens que realizamos por várias cidades do País, e apresentando o Cabaret Glicose (parceria com o Elenco de Ouro) em um bairro da periferia de Lisboa, o aprofundamento em vertentes artísticas como o teatro de variedades, o cabaré e a dramaturgia contemporânea tornaram-se as principais linhas de força da Selvática.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que a Selvática Ações Artísticas ainda não está na Mostra Oficial do Festival de Curitiba?
SELVÁTICA — A curadoria do Festival de Curitiba mudou, o que nós consideramos algo bastante positivo, pois existe essa tentativa de renovação e de respirar novos e mais frescos ares, por parte da organização do Festival. Pela primeira vez nós chegamos a ser convidados, inclusive, mas por motivos que resultam alheios a nós, fomos “desconvidados”, o que é coisa bastante interessante. O Festival é bastante conhecido por tratar com desdém a produção teatral curitibana, justamente a produção da terra que sedia o maior evento de teatro do país, e isso jamais nos pareceu bom. Esperamos que essa prática também se modifique junto com os novos ares, e que os rapazes da nova curadoria possam, simultaneamente com tudo o mais que fazem, manter os olhos abertos e interessados para as coisas que nós fazemos aqui há anos. Não é que nós queiramos ser chamados, justamente porque para nós, que fazemos teatro nessa cidade, com ou sem Festival de Curitiba, o que importa realmente é a produção artística e sua qualidade, coisas aliás pelas quais nós primamos. Para quem está antenado com o que fazemos, dizemos e acontecemos, que é algo com viés que ninguém mais faz na cidade, talvez a palavra maior seja reconhecimento. Curitiba carece de reconhecimento.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Mesmo não estando na Mostra Oficial, a Selvática sempre chama a atenção durante o Festival de Teatro de Curitiba. O que estão planejando para este ano?
SELVÁTICA — Depois de alguns anos a Selvática volta à programação do Festival, dentro de uma das principais mostras especiais, a Curitiba Mostra, organizada pelo Espaço Cênico. Além de contar com um trabalho inédito da Selvática na programação: Pinheiros e Precipícios (criação inspirada na obra do escritor Wilson Bueno e dirigida por Ricardo Nolasco), conta também com artistas residentes da casa — como Leonarda Glück, Nina Ribas e Simone Magalhães — em outros trabalhos da mostra. Também neste Festival alguns selváticos participarão especialmente da peça “Hermanas Son Las Tetas”, do diretor argentino Juan Manuel Tellategui, para a qual recebemos convite.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Quais são os próximos planos da Selvática?
SELVÁTICA — Esse ano a Selvática, junto ao núcleo O Estábulo de Luxo (que é um dos grupos residentes da Casa), irá realizar diversas ações em uma homenagem bem humorada ao Cabaret Voltaire e ao Movimento Dadá, que completam seu primeiro centenário em 2016. No ano em que esses artistas que tanto contestaram a arte do passado se tornam canônicos criamos o Cabaré Voltei – versão traduzida, antropófaga, tupiniquim e latino-americana do principal espaço das vanguardas históricas. Já realizamos uma primeira edição na semana passada e logo iremos realizar mais algumas, além da oficina A Reinvenção do Cabaré que será ministrada pelo Ricardo Nolasco. Esse é um daqueles projetos que levamos porta na cara e que agora realizaremos na cara e na coragem.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Tem mais?
SELVÁTICA — Também ainda para esse ano o selvático Gabriel Machado estreia em Madrid um novo trabalho solo, chamado Mil Besos, que será realizado através do programa Iberescena, a selvática Mari Paula que está à espera do depósito de seu aporte financeiro pela Funarte para o trabalho solo de dança Retrópica, e a publicação (Trans)bordando Rebouças, em parceria com a Editora Medusa, projeto que aproxima a Casa Selvática das travestis e transexuais que trabalham e circulam pela região do bairro Rebouças, em Curitiba. Sem contar os eventos já fixos na programação da casa como o Sopão da Xereca da Léo, sopa colaborativa de artes com curadoria da selvática Leonarda Glück, que acontece todo ano no inverno, a Linguada – Mostra de Artes, que acontece no segundo semestre de 2016, e a selvática Simone Magalhães está preparando o lançamento de seu primeiro CD e também uma nova temporada do seu show Por Que Não Tem Paquita Preta?.
Tem Bububu no Bobobó – Celebração dos 4 anos da Casa Selvática
6/3/2016 – domingo, a partir das 11h – R$ 25 (até 3/3) e R$ 30 (após 3/3), com direito a almoço
Casa Selvática
Rua Nunes Machado, 950 – Rebouças (próximo à Praça Ouvidor Pardinho)
Curitiba – Paraná – Brasil
(41) 30135188 / 96115910
selvaticaacoesartisticas@
www.selvatica.art.br
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[…] Tem Bububu no Bobobó A Casa Selvática, que abriga os integrantes da Selvática Ações Artísticas, cujo símbolo é um veadinho saltitante cor-de-rosa, completa quatro anos no domingo 6 de março. Vão fazer um almoço festa de arromba. Não custa nada lembrar que os meninos da Selvática são atualmente os artistas mais interessantes de Curitiba. Pelo menos esta é a opinião da coluna. Ah, eles concederam, juntinhos, uma imperdível Entrevista de Quinta. […]