Por Miguel Arcanjo Prado
A tensão política que sacode o Brasil nestes dias está presente no palco e na plateia das sessões da peça “Pra Dar um Fim no Juízo de Deus”, do Teat(r)o Oficina, sob direção de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, na Caixa Cultural de Brasília.
A obra estreou na capital federal, onde o grupo não se apresentava desde 2010, nesta quinta (14) e fica em cartaz até o próximo dia 24 de abril, justamente no momento em que o Congresso decide sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Zé Celso e o Oficina, fundado por ele em 1958, são contra o impeachment, que chamam de “golpe antidemocrático”.
Na estreia brasiliense da obra, o clima efervescente no palco contagiou a plateia. Boa parte dos espectadores gritou na hora dos aplausos: “Não vai ter golpe”. Um espectador não gostou da manifestação e falou que o Oficina era patrocinado pela Petrobras. Zé Celso convidou o homem a fazer seu discurso no palco, mas este preferiu ir embora.
Na montagem da peça radiofônica do francês Antonin Artaud (1896-1948) sobre o fim do mundo, Zé Celso, que já montou o texto em 1996, faz sua nova encenação conversar com o Brasil contemporâneo. Assim, brinca em cena, misturando os personagens da peça a nomes reais da crise, como o juiz Sérgio Moro, o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, transformando-os em alegorias.
Na segunda sessão, nesta sexta (15), o deputado federal Jean Wyllys esteve na plateia. Saiu impressionado. “É significativo que a peça tenha vindo para Brasília neste momento tão delicado que estamos vivendo, não só pelo que traz de imediato de nossa realidade. Ela resgata uma dimensão da humanidade que está sendo cada vez mais desprezada, que é a relação com aquilo que é humano”, declarou ao blog. O deputado ainda afirmou que “o Zé continua provocando com um teatro antropofágico, um teatro de vertigem, no melhor sentido”.
“Não vai aceitar, não vai obedecer”, diz Zé sobre povo e impeachment
Após a sessão desta sexta (15), Zé Celso conversou com o UOL. Ao blog, definiu como é encenar a peça neste momento em Brasília: “É o vinho teatral em todo o seu esplendor. É o vinho que estou bebendo agora. Hoje foi uma chanchada política maravilhosa. O público todo cagando e mijando de rir, e eu também e todos nós!”, contou.
O diretor ainda falou sobre a votação do impeachment, neste domingo (17). “Sobre essa coisa tétrica que vai haver em Brasília tem até o muro da vergonha, o muro que é foda [em referência ao muro de tapumes e aço construído na Esplanada nos Ministérios para separar manifestantes pró e contrários ao impeachment], que está anunciando a possibilidade de um período sangrento, que eu espero que não venha. Porque esta bosta mental que produziu esse impeachment, se por acaso for vencedor, o público que hoje saudou ‘Pra Dar um Fim no Juízo de Deus’, como o Artaud, não vai aceitar e não vai obedecer, porque foi uma impostura”, declarou.
Zé avalia que o momento político tenso dá vigor ao teatro. “Estar nesta cidade, neste momento em que o teatro brilha, é maravilhoso. Quando surgem as máscaras do Janot, as máscaras do cara que eu não digo o nome, do Temer, do Moro, e a gente brincando com essas máscaras, é uma raridade isso acontecer. Só acontece nos momentos políticos. E a farsa política que está acontecendo é consequência de uma repetição totalmente ignorante da história, que acha que vai repetir o golpe de 1964. Não vai”, disse.
Para Zé Celso, “Pra Dar Um Fim no Juízo de Deus” em Brasília é um de seus melhores espetáculos. “Porque está servindo de commedia dell’arte. O público todo consagrou o espetáculo. As sessões estão lotadas. E o público morre de rir com o ridículo deste impeachment que ninguém vai levar a sério. Viva Artaud. Merda!”, concluiu.
História e campo de guerra
Ator da peça, Pascoal da Conceição, conhecido em todo o Brasil por ter vivido o personagem Doutor Abobrinha na série infantil “Castelo Rá-Tim-Bum” na TV Cultura, confessa que vibra ao sentir-se parte da história. Na peça, seu personagem defeca (literalmente) em cena, pondo pra fora “o lixo do mundo”.
“O Teatro Oficina, desde que conheci a sua história, sempre esteve ligado à vida publica, à vida social, à vida política do Brasil, fazendo história. Isso sempre é referido como uma coisa muito importante e que contribuiu muito para a história do Brasil. Estar em Brasília agora, neste momento, é continuar fazendo parte dessa história”, analisou. “Daqui a 20, 30 anos, entre risos e lágrimas, vamos estar comentando essa história de hoje como hoje a gente comenta as histórias do passado”, disse.
Para a atriz Camila Mota, estar na cidade onde o futuro do Brasil será decidido nos próximos dias é “virar pelo avesso o horrendo apartheid, sintoma do binarismo da crise política”. Em sua visão, “o muro que divide ao meio a Esplanada dos Ministérios é como antolhos [peça de couro que reduz a visão lateral dos animais, utilizada em cavalos], que limitam em escala máxima as possibilidades de contracenar com diferenças. A praça, lugar onde deveriam rolar delírios dos bailes de rua, vira campo de guerra”, finaliza.
“Pra Dar um Fim no Juízo de Deus”
Quando: 14/04/2016 a 24/04/2016, quinta a sábado, 20h, domingo, 19h
Onde: Caixa Cultural Brasília – SBS – Quadra 4 – Lotes 3/4, Brasília, DF
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)
Classificação etária: 16 anos