Crítica: Público molda corpo nu de Wagner Schwartz para criar poesia
Por Miguel Arcanjo Prado
Ao espectador cabe papel de autoria no espetáculo “La Bête” (O Bicho), do performer e coreógrafo fluminense Wagner Schwartz. A obra foi apresentada neste último fim de semana no Sesc Belenzinho, em São Paulo, após passagem de sucesso pelo 25º Festival de Teatro de Curitiba, no último mês.
O espetáculo causou polêmica no último Prêmio APCA, já que parte da comissão da dança da entidade queria premiá-lo sozinho. Como não houve consenso no júri, a categoria acabou ficando sem votação em 2015, o que gerou burburinho e manifestações contrárias no mundo artístico. Para o performer, tudo não passou de “uma confusão que não teve tempo de ser resolvida”.
Inspirado nas esculturas da série “Bichos”, feita em 1960 pela artista plástica mineira Lygia Clark (1920-1988), Schwartz leva para o palco vazio uma réplica de plástico de uma das esculturas da série, capaz de assumir diferentes formas.
O público entra na sala de espetáculos e encontra o performer no chão, nu, brincando com o objeto. Como não há cadeiras, logo os espectadores sentam-se também no chão, ao redor do artista.
Peça de montar
Após explorar as possibilidades de formas do objeto que tem nas mãos, Schwartz convida o público a repetir a experiência, só que oferecendo seu corpo como peça de montar.
Muitos espectadores, mais ressabiados, preferem observar, enquanto, aos poucos, os mais interativos entram em cena, um a um, para redefinir a postura do bailarino, ali, imóvel, à espera de uma nova posição, sempre dada por seu público. Cabe ao espectador estabelecer o tempo e a dinâmica da performance a partir daí.
A entrega de Schwartz a seu espectador é grande e arriscada. Ele dispõe seu corpo ao que cada um dos voluntários quiser construir. E as formas vão se alternando, das mais simples às mais complexas, permanecendo o bailarino inanimado em todas elas, fiel às proposições.
Público se revela
Porém, bem mais interessante do que as imagens construídas é a forma como a qual esse processo de construção se dá, o que acaba por revelar bem mais sobre os espectadores do que sobre o próprio artista, ali, passivo às imposições de movimento no tempo e no espaço.
Logo, criam-se jogos de poder e discursos variados, vindos de cada espectador que entra na proposta. Alguns são interessantes, outros, nem tanto; tudo depende do ponto de vista. É inquietante perceber como os espectadores utilizam o corpo de Schwartz para se enfrentarem, ou também para se encontrarem, o que é sempre mais prazeroso. Há também os mais narcisistas, capazes de enxergar apenas o seu reflexo.
Em “La Bête”, espetáculo criado em 2005, Schwartz mostra sensibilidade rara ao transformar algo tão simples, e que poderia ser apenas um exercício corpóreo banal de contato com o outro, em uma performance profunda e repleta de múltiplos significados. O artista permite que seu corpo seja transformado no encontro direto com seu público, convertendo-se ele mesmo em um objeto de forte potência poética.
“La Bête” (O Bicho) * * * * *
Avaliação: Ótimo
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