Crítica: Debora Bloch expõe conflitos do casamento em texto da Broadway
Por Miguel Arcanjo Prado
A peça “Os Realistas”, texto do norte-americano Will Eno sob direção de Guilherme Weber, fala de gente comum, banal. Gente que, num primeiro olhar, pode ser parecida com alguém de classe média que você conhece ou já viu. Mas, que também pode ser diferente. Afinal, gente não é tudo igual. E é também. É o que o texto parece querer dizer.
Talvez, por ser demasiadamente humana, sem heróis, mocinhos e vilões, o sucesso da obra, muitas vezes lenta e capaz de gerar tédio como a vida de seus personagens, tenha causado surpresa na Broadway, mais acostumada a espetáculos velozes e chamativos.
Na montagem brasileira do texto que marcou a estreia de Eno na Broadway, Debora Bloch se destaca com atuação vigorosa. Não é à toa que foi Debora quem viu a peça nos EUA e decidiu montá-la no Brasil, agarrando com unhas e dentes a personagem mais interessante.
“Os Realistas” mostra dois casais de sobrenome igual que descobrem-se vizinhos em uma cidade do interior. Logo, passam a jogar conversa fora no pátio, com direito a taças de vinho e um crescente interesse no outro desconhecido, na descoberta.
Debora Bloch faz par com Emílio de Mello, como o casal mais espevitado e falante, enquanto que o outro casal, bem mais modorrento, é interpretado por Fernando Eiras e Mariana Lima — para se ter uma ideia, os personagens só conseguem conversar (quando conseguem) sobre pintar ou não a casa.
“Os Realistas” é uma peça que só funciona se atuada por bons atores, daqueles que agarram as palavras e sabem dizê-las com gosto, saboreando uma a uma. E o elenco escolhido demonstra segurança nisto. Mesmo assim, as mulheres mostram vigor crescente em suas atuações. E Debora Bloch é quem mais mantém o público desperto, com sua personagem tragicômica e carismática.
Prazer proibido
Enquanto vão se conhecendo, os dois casais acabam por demonstrar, pouco a pouco, o fracasso que ronda suas vidas. Aí surgem os problemas, ou eles são confessos, e algo se desperta neles, enquanto descobrem enfrentar a mesma doença degenerativa.
A infelicidade que tentam esconder, o vazio, tudo isso ganha a cena à medida que a peça avança. Logo, acabam atraídos pela chama de prazer proibido diante da resignação que tocam suas vidas. Mas é tudo muito sutil.
A peça, com sua atmosfera carregada de subjetividade, parece ser uma grande homenagem a Tchekhov e também ao realismo psicológico. Há no ar um certo enfado niilista do século 19. Talvez esta seja a obsessão de Will Eno, se aproximar dos grandes dramaturgos da história.
O que fica claro em “Os Realistas” é a habilidade de Eno com as palavras, construindo cada frase com precisão, lembrando o cuidado de dramaturgos do século 19 com quem parece sonhar parecer. Talvez venha daí a falta de qualquer recado político na obra.
Por sua sofisticação e seu tempo dilatado, distante do teatro comercial, o espetáculo chegou a ser questionado pela crítica norte-americana por estar na Broadway, onde os atores Tracy Letts, Toni Collette, Michael C. Hall e Marisa Tomei deram vida ao quarteto protagonista, conquistando elogios da crítica norte-americana pelo desempenho.
A encenação de Weber, velho conhecido do dramaturgo, aposta nas palavras, tão caras a Eno. Afinal, são as palavras que tornam cada um de nós humanos. E o que esta peça tem de melhor é sua simples humanidade.
“Os Realistas” * * *
Avaliação: Bom
Quando: Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Até 29/5/2016
Onde: Teatro Porto Seguro – Al. Barão de Piracicaba, 740, Campos Elíseos, São Paulo – tel. 11 3226-7300
Quanto: R$ 50 e R$ 100
Classificação etária: 12 anos