“Impeachment é artimanha dos donos do poder”, diz Lauro César Muniz
Por Miguel Arcanjo Prado
Recentemente dispensado da Globo “por conta da crise”, segundo ele, o autor Lauro César Muniz está de volta ao teatro com uma peça que escreveu em 1972, “Sinal de Vida”, censurada na época pelos militares. Em cartaz no mesmo Teatro Augusta onde estreou durante a ditadura, a encenação, agora sob direção de Heitor Saraiva, se passa nos anos de chumbo. A trama gira em torno do jornalista Marcelo (Beto Bellini) namorado da guerrilheira Verônica (Dani Brescianini), torturada e assassinada nos porões do regime. Muniz conversou com o blog sobre a peça, sua saída da Globo e como vê o cenário político atual. Leia a entrevista:
Blog do Arcanjo – Do que você tem mais saudade do Lauro César Muniz que escreveu “Sinal de Vida”?
Lauro César Muniz – Da vitalidade e da garra de um artista com 34 anos de idade. Hoje tenho dez anos mais que o dobro: 78 anos. Faz diferença! [risos].
Blog do Arcanjo – Quando “Sinal de Vida” foi censurada, o que você sentiu? E quando conseguiu a liberação, qual foi sua sensação?
Lauro César Muniz – Durante a ditadura militar, fazia parte da rotina a censura de peças mais contundentes. Liberada em 1979, com vários cortes, logo me apressei a encená-la, resultando em grande sucesso, com um ano em cartaz no Teatro Augusta, o mesmo onde está sendo reapresentada [esta montagem tinha Antônio Fagundes no elenco].
Blog do Arcanjo – Você teve amigos mortos e torturados pela ditadura, quais? Qual era a sensação que tinha na época?
Lauro César Muniz – Mortos e desaparecidos. Muitos! Na época da ditadura, por questões óbvias, não podíamos falar em seus nomes. Os familiares estavam sob vigilância do regime. Este hábito de proteger os familiares dura até hoje. Muitos não desejam as menções de seus entes queridos. Os que estão vivos e em atividade evitam o assunto. Eu os vejo como heróis, eles se veem como vítimas. Peço licença para não citar nenhum nome em consideração ao desejo dos familiares.
Blog do Arcanjo – Você acha que o Brasil pode vir a ter outra ditadura militar?
Lauro César Muniz – Não. O país aprendeu a exercer a regra democrática. Os militares estão nas suas obrigações, nos quartéis e nas fronteiras. Não há clima para um golpe nem de direita nem de esquerda. O que está sendo tramado é um esquema “legalista” para derrubar um governo que não correspondeu às expectativas da empresas nacionais e multinacionais. O povo está ausente da discussão, o próprio PT não reage. Domingo [passado] houve uma votação importantíssima no Congresso. Como está agindo o chefe supremo do PT? Deveria estar, neste momento, liderando um movimento de resistência. Por que está tão apático?
Blog do Arcanjo – Como sua peça, escrita em 1972, dialoga com o Brasil de hoje?
Lauro César Muniz – Como alerta: não podemos, em hipótese nenhuma, aceitar qualquer tentativa de golpe ou intervenção militar ou americana. A peça “Sinal de Vida” mostra com clareza como foi a vida de um jornalista, impotente diante do desaparecimento de sua companheira de ação política. Ficamos todos atônitos e sem rumo, pegos de surpresa no início de abril de 1964. O personagem Marcelo Estradas, de “Sinal de Vida”, responde por mim: “Sabe o que nós estávamos fazendo às vésperas do golpe, lá na base? Estudando ética marxista! No dia 29 de março de 1964, eu estava reunido na base do partido estudando ética marxista e discutindo problemas de comportamento e moral! Que papel ridículo nós fizemos na História, enquanto o país mudava de dono?! Estava tudo em paz, às mil maravilhas! O Congresso ia votar a legalização do partido, todos nós íamos poder cantar a ‘Internacional’ em praça pública! Lembra do Manuel Garcia? Entrou como um mensageiro grego na reunião e disse: acabo de chegar de Brasília! Estivemos com o presidente e ele nos disse textualmente: ‘Se o Congresso não aprovar a legalização do partido, eu fecho aqueles dois croquetes!’ (Balança a cabeça, se condenando). Que alienação…”
Blog do Arcanjo – Como você vê o processo de impeachment da presidente Dilma? Você teme um retrocesso democrático?
Lauro César Muniz – Vejo como uma artimanha legal tramada pelos donos do poder. O povo que elegeu Dilma está alheio e passivo diante dos fatos. Depois de domingo, a cara do país é de um sorriso democrático, meio envergonhado.
Blog do Arcanjo – Você ficou magoado ao ser contratado novamente pela Globo e dispensado logo depois?
Lauro César Muniz – Não aconteceu dessa forma. Fui contratado por quatro meses para supervisionar o trabalho de um estreante: de setembro a dezembro de 2015. O jovem colega abandonou o trabalho sem que eu tivesse chance de demovê-lo da ideia. Não sei até hoje porque isso aconteceu. O Silvio de Abreu [chefe da dramaturgia na Globo] me pediu que, no período em que estava contratado, apresentasse uma novela e seis capítulos. Entreguei a tarefa e viajei para o Chile para um trabalho. Ao voltar, fui informado de que as contratações estavam suspensas por causa da crise política. Foi só isso… Nada de mágoas, mas compreensão. Notei que nenhum novo autor ou diretor foi contratado depois dessa comunicação sobre a suspensão de contratos. A empresa age como várias outras.
Blog do Arcanjo – Você prefere escrever teatro, novela ou minissérie? Por quê?
Lauro César Muniz – Não tenho preferência. O importante é fazer um bom trabalho. No teatro, naturalmente sou mais livre para escrever o que desejo. Na televisão devo ficar atento às necessidades da emissora em dado período.
Blog do Arcanjo – O que acha do teatro atual? O que você gosta e o que você não gosta?
Lauro César Muniz – O teatro brasileiro está no auge da sua maturidade. Só tenho visto grandes espetáculos, grandes atores, muito profissionalismo.
Blog do Arcanjo – Qual é a novela que você mais gostou de fazer? E a peça de teatro? E a minissérie?
Lauro César Muniz – Duas novelas me deram grande prazer: “Escalada” e “O Casarão”. Outras como “Espelho Mágico”, “O Salvador da Pátria” e “Um Sonho a Mais” foram trabalhos difíceis, mas vencedores de prêmios (“Espelho”) e de recordes de audiências (“O Salvador da Pátria”) e (“Um Sonho a Mais”).
Blog do Arcanjo – O que um bom dramaturgo precisa ter?
Lauro César Muniz – Deve ler os grandes autores e ver muito teatro e cinema. Um dramaturgo não para de trabalhar, nem dormindo: tudo é material de trabalho.
“Sinal de Vida”
Quando: Quarta e quinta, 21h. 80 min. Até 9/6/2016
Onde: Teatro Augusta – Rua Augusta, 943, Cerqueira César, São Paulo – tel. 11 3151-4141
Quanto: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos