Conheça Cristal Lopez, a diva da cultura em Belo Horizonte
Por Miguel Arcanjo Prado
Enviado especial a Belo Horizonte (MG)*
Quando Cristal Lopez surge, automaticamente todos os olhos se voltam para ela. Não à toa que se tornou, de forma natural, a diva maior da cultura em Belo Horizonte. Ela é presença obrigatória nos eventos artísticos da cidade, como na 13ª edição do FIT-BH (Festival Internacional de Teatro, Palco & Rua de Belo Horizonte), que terminou neste domingo (29).
Seja na abertura, em meio às girafas vermelhas francesas, na plateia da peça da escocesa Jo Clifford ou na “Gaymada”, o campeonato de queimada entre “bichas, drags e trans”, no qual gritou no microfone “Meu nome é Cristal!”, criticando a perseguição do direito das transexuais usarem o nome social, ela foi o centro das atenções. Fãs fazem fila para tirar fotos a seu lado.
Foi durante o festival que Cristal se encontrou com o “Blog do Arcanjo” do UOL para esta entrevista em uma das mesinhas do Quintal do FIT, ponto de encontro do festival dentro do Parque Municipal. De cara, a pergunta: ela se considera a musa da cultura belo-horizontina?.
“Nossa, que pergunta difícil…”, responde, pensativa. Até que recobra a confiança e diz: “Eu acho que sim!”. Negra e trans, Cristal conta que as coisas foram acontecendo “por obra do destino”. “As pessoas foram me chamando para fazer coisas e eu me espalhei por toda a cidade”, define.
Filha de uma bailarina afro, cresceu no meio artístico. “A princípio tentei fugir, mas estava no meu DNA”, conclui. Mineira de Belo Horizonte e com família em São João Del Rei, no interior de Minas, ela resolveu se transformar em mulher com 12 anos.
“Na verdade a Cristal Lopez estava em mim desde a infância, mas não dei muita importância, queria saber só de brincar. Com 12 anos, a vaidade da mulher jovem me pegou”, recorda. “Eu falei: gente do céu, preciso tornar viva essa mulher que já estava em mim!”, lembra.
Sem medo, enfrenta o mundo. “A vida me deu essa coragem. Você vai tomando tanta bordoada que fica corajosa, mesmo diante das adversidades. Não me acovardo diante de pedra no meu caminho. A vida me deixou corajosa e calejada”.
Cristal começou a dançar aos 16 anos em um balé de jazz. Logo, alçou voo próprio. “Em uma companhia de dança, você faz algo conjunto, não consegue mostrar uma coisa muito íntima. E eu queria mostrar o meu trabalho, não ficar presa à coreografia de um grupo. Queria fazer minhas coreografias, meus figurinos, dança de um jeito que eu achasse que fosse com a minha energia”, declara.
Daí caiu na performance. A primeira apresentação foi na praça de seu bairro em BH, Caiçara. E, desde então, não parou mais. Até que entrou no coletivo Toda Deseo, com artistas mineiros que trabalham a temática trans, tornando-se queridinha de atores, músicos, diretores, dramaturgos e cineastas.
O último Carnaval também foi um grande momento de Cristal Lopez, eleita rainha da folia de rua na capital mineira e também do Angola Janga, convidada por Nayara Gorófalo e Lucas Nascimento, presidentes do bloco afro.
“Foi um ano para as mulheres no Carnaval de BH, regendo, na bateria, produzindo, na direção de bloco. Ter sido eleita rainha do Carnaval para mim tem um poder e uma força imensa. BH ainda tem muita ausência da cultura negra. Achei muito forte o bloco discutir identidade de gênero com minha presença. Não tem como discutir racismo sem discutir identidade de gênero. Acho que são coisas que andam juntas. E depois que fui rainha, o bloco abarcou mais a diversidade”, conta.
Com o reconhecimento, o respeito também aumentou: “As pessoas passaram a me respeitar mais, me ver como mulher, trans e negra com respeito. Referência é muito bom. Na minha transição não tive referência de mulher trans, me fiz sozinha. Hoje, sou uma referência para estas gerações que estão vindo. A importância de gente como Jo Cliffor [transexual escocesa que participou do FIT-BH] e eu é abrir caminhos e mostrar que é possível você ser quem quiser ser”.
Segundo ela, a peça de Jo Clifford, na pele de um Jesus transexual, tocou em um tema importante. “Ela é maravilhosa. Fala muito da luz, do amor, que pode iluminar o mundo. Ela faz isso de uma forma tão respeitosa… Porque esse Jesus hétero e branco não é o meu Jesus. Não é a imagem de Deus que tenho na vida. Ela mostra que Deus é uma energia tão universal e plural que por que não um Jesus trans?”
De volta ao glamour: do que uma musa precisa? “Tem de ter carisma e ser persistente e resistente. Se vem uma pedrinha, você tem de seguir em frente, não pode desanimar”. Sempre produzida, ela diz que gosta de “um visual étnico que enalteça a ancestralidade e a cultura negra”. E invoca seus orixás protetores: “De Iansã, tenho a luta, quando entro numa briga, ai, eu não saio mais [risos]… E de Xangô eu sou muito justa. Se ver alguém sendo injustiçado eu compro a briga, quero defender e vou até o fim”.
A bagagem discursiva em relação ao empoderamento da mulher negra aprendeu com sua mãe, Rita de Cássia. “Ela é minha primeira heroína do feminismo e de empoderamento étnico. Ela falava: não deixe ninguém te diminuir pela cor da sua pele, por você ser mulher negra”. Por isso, no desfile do bloco, quando viu sua mãe, se emocionou. “Foi forte ela estar presente, ser rainha ali foi minha forma de agradecer a ela tudo que ela me passou”.
Mesmo com a agenda movimentada, Cristal está aberta a convites. “Estou aberta a peças, a filmes. Podem me chamar. Estou gravando um filme com o Ed Marte, e aberta ao novo”, diz. E, para encerrar o bate-papo, uma última questão: Cristal Lopez é a cara do Brasil? Ela responde sem pestanejar: “Sim. E graças a Deus”.
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do FIT-BH.
Agradecimento: Diego Moreira Fotografia e We Are the Same