Entrevista de Quinta: “Discurso de ódio contra a cultura é raivoso e leviano”, diz Rudifran Pompeu
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Foto BOB SOUSA
Presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Rudifran Pompeu está sempre envolvido nas rodas culturais da cidade de São Paulo, sobretudo quando o assunto em pauta é o teatro. Gaúcho de Uruguaiana radicado em São Paulo desde 1988, ele faz parte do Grupo Redimunho de Teatro, com sede no centro da metrópole. Nesta Entrevista de Quinta, ele fala sobre o crescente discurso de ódio contra artistas no país. Leia com toda a calma do mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Você se assustou com o discurso de perseguição à classe artística que esteve na boca de alguns cidadãos nas últimas semanas no Brasil?
RUDIFRAN POMPEU — Não, não me assustei.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por quê?
RUDIFRAN POMPEU — Porque de onde veio essa perseguição é exatamente de onde também vem os discursos de ódio, os discursos que exaltam torturadores e que perseguem tudo aquilo que é diferente do pensamento conservador propagado por eles, portanto é natural que tentem demonizar e perseguir os artistas que tem tradição de se posicionarem contra os regimes autoritários e protofascistas.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O que isso mostra?
RUDIFRAN POMPEU — Isso mostra a disputa política e mais uma das facetas desse golpe que o país atravessa, onde um judiciário conivente e um parlamento vastamente comprometido com a ética e carregado de investigados por crimes tentam se proteger e acabam assim por evidenciar a luta de classes (que sempre esteve presente), mas agora cada vez mais evidente. De um lado as oligarquias e os velhos modos escrotos e coronelistas de fazer política e de ditar as regras de um país plural como o Brasil. Do outro, o povo pobre que ainda não entrou nessa batalha, e desse mesmo lado a imensa maioria dos artistas como esses aos quais eu represento.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você vê artistas que utilizam projetos pela Lei Rouanet serem “demonizados” em muitos discursos inflamados que buscam fazer uma associação indevida ao uso da Lei Rouanet a uma espécie de utilização de dinheiro público de forma indevida?
RUDIFRAN POMPEU — Acho que os movimentos conservadores de direita é que puxaram essa demonização acreditando que os artistas de esquerda é que faziam uso dessa lei, eu mesmo sempre fui contra a renuncia, mas sempre compreendi a realidade ao meu redor e nunca fiquei acusando ninguém de desviar finalidades e acho mesmo que a lei tem enormes problemas, pois determina e entrega o poder de decisão para o marketing da empresa decidir sobre o que é cultura e quem pode ser incentivado.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Demonizar a cultura é um discurso raso?
RUDIFRAN POMPEU — É um discurso raivoso e pequeno.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por quê?
RUDIFRAN POMPEU — Porque é desinformado, é inconsequente e é leviano.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Em sua opinião: a Lei Rouanet precisa mudar? Em quais aspectos? Por que ela virou motivo de tantas críticas em sua opinião?
RUDIFRAN POMPEU — Sim, precisa mudar, e em muitos aspectos. Uma das questões é porque ela centraliza os recursos no sudeste e creio que carrega uma anomalia estrutural, pois é uma lei de mercado e esta fundamentada na lei mercadológica onde sempre vai prevalecer a política da visibilidade e os interesses meramente comerciais e a cultura não pode ser colocada nesse lugar. Esse é um erro estrutural da lei. Ela sempre através dessa lógica vai atender aos interesses do mercado e nesse ponto jamais estarão inclusos a grande maioria dos artistas ou as expressões diversas das artes.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você viu pessoas chamarem artistas de “vagabundos” nas últimas semanas?
RUDIFRAN POMPEU — Quem falou isso, não tem a menor ideia do que é o processo do artista e o que é o seu trabalho…Eles tentaram atingir os artistas da esquerda chamando-os de vagabundos, porque achavam que esses eram privilegiados pela lei Rouanet, ou que viviam as custas do governo, tanto que pediram uma investigação dos maiores captadores da lei, mas tiveram surpresas desagradáveis, pois com isso se constatou os maiores beneficiários eram artistas que em algum aspecto apoiaram o avanço do golpe…mas parece que o Juiz do Paraná barrou a continuidade desse processo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual seria sua resposta a essa gente que chama artistas de vagabundos?
RUDIFRAN POMPEU — Sobre qual seria minha resposta, não tem resposta, não precisa, não estou interessado em dar palanque para essas bobagens, mas sugiro um dia desligar o rádio do carro e parar de ouvir música, sugiro abandonar as novelas, as séries, os filmes, as exposições, os saraus, a literatura… Porque em tudo isso, lá esta a figura do artista, esse vagabundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual a importância de incentivos governamentais, seja Lei Rouanet ou mesmo outros tipos de incentivos, como ProAc e Fomento ao Teatro, para a atual produção teatral brasileira?
RUDIFRAN POMPEU — Acredito muito na construção de políticas estruturantes, portanto é preciso criar políticas de estado, através de leis que independam de políticas de governos, é isso que batalhamos na esfera municipal aqui em Sampa. Essas leis são importantes porque proporcionam aos artistas a capacidade de se organizarem e de disputar o imaginário e o pensamento simbólico, constroem possibilidades para a construção da cidadania, produzem arte desprendidos de obrigações marqueteiras e avançam para uma arte robusta, libertaria com capacidade formativa e constantemente preocupada em debater a importância da própria existência…
MIGUEL ARCANJO PRADO — O poder público precisa garantir que as formas de expressão artística existam? Por quê?
RUDIFRAN POMPEU — Sim, acho que o poder publico tem obrigação de compreender e garantir a arte e cultura como prioridade da mesma forma que educação e saúde, acho que se tivéssemos mais cuidado com os processos culturais teríamos menos gente doente e menos gente fora da escola… O gestor publico precisa compreender a dimensão simbólica da arte , precisa entender a partir da narrativa histórica que a arte faz parte da construção do individuo e , portando do mundo. Acho que um mundo sem cultura e sem arte seria um mundo mais triste, mais tacanho e mais apartado da vida.
Vagabundo tem em qualquer classe “profissional”… E um profissional, ou empresa, só se estabelece, vira sucesso e LUCRA se ele tiver público, se tiver consumidores da sua arte. Um profissional que vive de verbas a “fundo perdido”, pra mim, tem privilégios que outros não tem para fazer o que gosta (mesmo que ninguém goste) e ainda assim, RECEBER dinheiro público, a meu ver, não é correto! Receber grana sem precisar devolver é para grupinhos “amiguinhos do rei”. Uma pessoa sustentada pelo Estado é chamada do que mesmo?!…