Por Miguel Arcanjo Prado
O experiente diretor Antunes Filho, 86 anos, resolveu que era chegada sua hora de montar o texto clássico do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams (1911-1983), “Um Bonde Chamado Desejo”, com os atores de seu CPT (Centro de Pesquisa Teatral). E o faz com sua marca de qualidade e precisão nas atuações, confiando na imaginação de seu espectador, não dando a este um espetáculo pronto, mas jogando com a sensibilidade de seu público para produzir junto das atuações sentido para aquela história.
A celebrada peça foi montada pela primeira vez em 1947, quando ganhou o Prêmio Pulitzer de melhor texto. Em 1951, teve definitiva versão cinematográfica dirigida por Elia Kazan, com Vivian Leigh, Marlon Brando e Kim Hunter no triângulo protagonista e vencedora de quatro categorias do Oscar.
Em São Paulo, a peça, que nos anos 1970 teve versão com Eva Wilma, ganhou recente remontagem dirigida por Rafael Gomes, que rendeu os prêmios APCA e Shell de melhor atriz Maria Luísa Mendonça na pele de Blanche, a mulher madura e solteira que vai passar uma temporada na casa da irmã e do cunhado.
Mas, Antunes faz a peça a seu modo. A começar por abrir mão do texto clássico, e deixar os atores falando uma língua imaginária, o fonemol, confiando no trabalho de corpo e estado de presença que desenvolve para contar a história. O público tem o auxílio de um roteiro adjunto ao programa, que faz um resumo do que se passa em cada uma nove das cenas, mas fato é que, mesmo sem texto inteligível, a encenação e as atuações dão conta do recado, mérito do mestre.
Antunes também trocou o nome da obra. Preferiu chamá-la apenas de “Blanche”, a atormentada protagonista, interpretada com precisão por Marcos de Andrade, sempre uma agradável surpresa no palco.
Entretanto, apesar de Andrade construir sua Blanche de forma envolvente e crível, quem se destaca neste espetáculo é a atriz Andressa Cabral, soberana em cena como Stella, a irmã de Blanche casada com o bruto Stanley, pepel de um Felipe Hofstatter, que sintetiza mais que a sedução, como fez Marlon Brando, a violência e a opressão, como um “macho alfa” que não aceita ser desafiado.
Andressa vive grande momento como atriz em “Blanche” e comove o público diversas vezes com sua verdade cênica e as contradições pelas quais passa sua personagem, dividida entre dois amores, o dócil que nutre pela irmã e a paixão sedutora que o marido desperta nela.
Completam o elenco afinado Stella Prata, Vânia Bowê, Alexandre Ferreira, Luís Fernando Delalibera, Bruno Di Trento, Antonio Carlos de Almeida Campos e Guta Magnani.
Em “Blanche” de Antunes Filho a grande força paira sobre a relação entre as duas irmãs, tão próximas e ao mesmo tempo tão antagônicas, mais até do que sobre o habitual confronto de Blanche com Stanley. É como se Antunes ressaltasse sua preferência pelos oprimidos, dando a elas o protagonismo. E, neste grande duelo cênico destas duas personagens tão complexas, Andressa Cabral, com sua definitiva Stella, coração do espetáculo, é a grande vitoriosa.
“Blanche” * * * *
Avaliação: Muito bom
Quando: quarta, quinta e sexta, 20h, sábado, 17h. 110 min. Até 25/6/2016. Entre 30/6/2016 a 1º/10/2016: quinta e sexta, 20h, sábado, 17h.
Onde: Espaço CPT – Sesc Consolação, 7º andar (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo, tel. 11 3234-3000
Quanto: R$ 30 (inteira); R$ 15 (meia) e R$ 9 (credencial plena do Sesc)
Classificação indicativa: 14 anos
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