Crítica: “Gabriela, um Musical” traz essência de Jorge Amado e lança atriz
Por Miguel Arcanjo Prado
O diretor João Falcão é matuto na arte de lançar novos talentos no teatro musical. Foi assim com Laila Garin, a quem deu o posto de protagonista em “Gonzagão, a Lenda” e que depois viveu Elis Regina em “Elis, a Musical”.
Desta vez, o pernambucano radicado no Rio apresenta ao público Daniela Blois, uma médica paraense de 26 anos, que cantava na noite de Manaus e que se aventura pela primeira vez no palco em “Gabriela, um Musical”. Faz a personagem consagrada por Sonia Braga e que habita o imaginário nacional: Gabriela, criada por Jorge Amado (1912-2001).
Lido em todo o mundo e lançado em 1958, o romance “Gabriela, Cravo e Canela” representou uma mudança de rumo na carreira do escritor baiano. Se antes o conteúdo político socialista era prioridade, partir de “Gabriela”, Amado rumou para a crônica de costumes, com mulheres sensuais, tipos populares e os velhos coronéis baianos, alcançando enorme sucesso internacional.
O musical reverencia o espírito baiano característico de Jorge Amado, apresentando o confronto de gerações com a chegada da modernidade a Ilhéus, cidade pertencente à economia do Cacau na Bahia da década de 1920. Temas como o machismo vigente, a opressão da mulher, a liberdade sexual feminina e o coronelismo são pano de fundo.
É no bar Vesúvio, comandado pelo sírio Nacib, na pele de um potente Danilo Dal Farra, que surgirá a jovem cozinheira Gabriela, que vai conquistar não só o coração de seu patrão como toda a cidade.
Daniela Blois constrói uma Gabriela sapeca, no limiar entre a menina e a mulher, tal qual descrita no livro, e brilha em cena, sobretudo com seu canto potente. Mas o grande senhor do palco nesta montagem é o ator mineiro Mauricio Tizumba, como o narrador desta história. Em uma homenagem ao próprio Amado, ele aposta em um tipo popular e cativante, repleto de fina ironia e bom humor, para apresentar as aventuras e desventuras daqueles baianos no palco, em interação com a graciosa Eliane Carmo, como o moleque Tuísca.
A obra aposta na direção de arte de Simone Mina, que também fez com Falcão a cenografia, para ambientar o Sul da Bahia com soluções simples, na qual os adereços são parte fundamental no surgir e desaparecer dos atores no palco sobre duas esteiras. A luz criada por Cesar de Ramires é impactante e constrói verdadeiros quadros vivos.
A música, dirigida por Tó Brandileone a partir do roteiro musical de Falcão, flui como um rio caudaloso de cânones do cancioneiro nacional, como Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso e Martinho da Vila, misturados a nomes mais recentes como Skank e Marisa Monte, e é o grande fio condutor dos sentimentos pelos quais as personagens passam.
O elenco afinado ainda traz Almério, Bruce de Araújo, Bruno Quixotte, Frederico de Marca, Guilherme Borges, Ingrid Gaigher, Isadora Melo, Juliana Linhares, Leo Bahia, Luciano Andrey, Luísa Vianna, Marcelo Octavio, Natasha Jascalevich, Rafael Lorga, Tamirys O’Hanna, Thomás Aquino e Vinicius Teixeira.
“Gabriela, um Musical” reverencia a grande obra de Jorge Amado sem deixar de propor soluções formais criativas no modo de se conduzir um espetáculo musical adaptado de um romance, misturando na dose certa o novo e a tradição, como o faz o livro, numa síntese de pura brasilidade. Jorge Amado, se estivesse por aqui, com certeza estaria contente. E cativadíssimo pela brejeira Daniela Blois, ou melhor, Gabriela.
Gabriela, um Musical * * * *
Avaliação: Muito bom
Quando: Quinta e sexta, 21h, sábado, 17h e 21h, domingo, 18h. 160 min. Até 7/8/2016
Onde: Teatro Cetip – Rua dos Coropés, 88, Pinheiros, São Paulo, tel. 11 4152-9370
Quanto: R$ 30 (meia-entrada) a R$ 190
Classificação etária: Livre (menores de 12 anos apenas acompanhado dos pais ou responsáveis)