“Nos Porões da Loucura” mostra hospital que torturava doentes mentais
Por Miguel Arcanjo Prado
Calcula-se que cerca de 60 mil pessoas tenha morrido no Hospital Psiquiátrico de Barbacena desde sua fundação, em 1903. Para lá eram levados pacientes com doença mental, os chamados “loucos” naquela época. Eles eram submetido a tratamentos que mais pareciam tortura e hoje condenados, como o eletrochoque.
Tal história foi contada no livro “Nos Porões da Loucura”, de Hiram Firmino, que vira peça com o mesmo nome dirigida por Luiz Paixão e que está em cartaz no Teatro Marília, em Belo Horizonte. No elenco, estão Alberto Tinim, Anaís Della Croci, Antônio Rodrigues, Carlos Henrique, Nanda Freitas, Luiz Gomide, Marco Túlio Zerlotini, Mariana Bizzotto e Meibe Rodrigues.
O espetáculo busca denunciar o que aconteceu nos corredores e pátios do temido Hospital Colônia, onde a dignidade humana não parecia valer muita coisa. Os artistas que fazem a obra abraçam a luta antimanicomial. O diretor Luiz Paixão conversou com o Blog do Arcanjo do UOL sobre a peça. Leia.
Miguel Arcanjo Prado — Qual é a principal mensagem que este espetáculo traz ao público?
Luiz Paixão — Antes de ser um espetáculo “sobre a loucura”, “Nos Porões da Loucura” discute, fundamentalmente, a degradação humana, a partir de um dos mais graves e terríveis eventos da nossa história. [O hospital psiquiátrico de] Barbacena é um ponto de partida para se discutir não só o tratamento de portadores de sofrimento mental, mas discutir também os cruéis métodos de degradação do ser humano. Não se pode ser irresponsável quando se trata da degradação, da desumanização, da verdadeira animalização de pessoas que foram jogadas, sem nenhum cuidado, sem nenhum respeito humano, num hospital que deveria cuidar delas e, simplesmente, as maltratou. O Estado não cumpriu sua responsabilidade com essas pessoas.
A peça deixa isso em evidência?
Agora, cabe a nós, artistas, cuidar para que essa história não seja esquecida para que não se repita jamais. Nossa responsabilidade é enorme, e dela não fugimos. Isso foi o que nos orientou no processo de construção do espetáculo, agora compartilhamos com o público as nossas inquietações de artistas criadores de uma arte comprometida e empenhada. Espero que espetáculo toque o coração das pessoas e consiga levá-las a refletir um pouco sobre o trato que devemos ter com as pessoas que não estão de acordo com o que determinamos como normalidade.
Na sua opinião, a loucura está muito perto de todos nós?
O que é a normalidade? Como eu, cidadão, posso abrir mão de preconceitos arraigados e ter um outro olhar sobre a diferença? E quem tem o direito de excluir aquela pessoa que julgamos diferentes, e, por isso, deve ser trancada em um lugar que não respeita minimamente a condição humana? Não tenho dúvidas de que é o espetáculo mais importante que já montei em meus quase 40 anos de teatro. Discutir um tema tão delicado como esse, nos exigiu bastante cuidado, e, sobretudo, respeito absoluto com a memória dos que ali morreram e com aqueles que sobreviveram e ainda estão vivos.
Como tem sido a reação do público à obra?
O público tem reagido de maneira extremamente positiva, compreendendo nossas propostas de discussão. Tem se sensibilizado com o drama daquelas pessoas, entendendo que a crueldade e a degradação não devem ser naturalizados quando se trata de pessoas portadoras de sofrimento mental. No âmbito estético, o cuidado maior foi não cair na emoção melodramática ou na crítica fácil e irresponsável, que nos permite o tema. Ao optar por duas instâncias de abordagem e concepção cênica, numa relação dialética de aproximação e distanciamento, acreditamos que conseguimos equilibrar, visando a levar o público a se emocionar, mas, também, ter uma visão crítica da história do Hospital Colônia de Barbacena.
Espera viajar o Brasil com a peça?
Já estamos começando a pensar e organizar uma agenda de viagens. Claro que viajar com um espetáculo desse tamanho não é fácil. Estamos correndo atrás de patrocínio para conseguir viabilizar não só o desejo de viajar, mas, sobretudo, a necessidade de que mais pessoas conheçam essa página terrível de nossa história. Levar o espetáculo para outros polos culturais, é um compromisso que assumimos com nós mesmos, pois não podemos e nem queremos permitir que o espetáculo não cumpra sua função social, que é a de se mostrar para o máximo de pessoas possível.
“Nos Porões da Loucura”
Quando: Sexta e sábado, 20h30, domingo, 19h. Até 17/7/2016
Onde: Teatro Marília – Av. Alfredo Balena, nº 586, Santa Efigênia, Belo Horizonte, tel. 31 3277-4697
Quanto: R$30 (inteira); R$15 (meia); R$12,00 (antecipado no Posto do Sinparc no Mercado das Flores)
Classificação etária: 12 anos