“Canto a emoção”, diz Miúcha ao celebrar 40 anos de carreira
Por Miguel Arcanjo Prado
Ela já morou na casa de Stan Getz e foi casada com João Gilberto, além de ter estreado como cantora em disco com os dois monstros da música. Fez shows memoráveis ao lado de Vinicius de Moraes e de Tom Jobim. É filha de Sergio Buarque de Hollanda. E irmã de Chico Buarque. Além disso, é mãe de Bebel Gilberto e via Cazuza frequentar sua casa, amigo da filha. Estamos falando de Heloísa Maria Buarque de Holanda, ou simplesmente Miúcha.
Uma das grandes vozes femininas da música brasileira, elacelebra 40 anos de carreira com show duplo no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, neste fim de semana. A efeméride é a partir do disco “The Best of Two Worlds – João Gilberto – Stan Getz”, um clássico internacional de 1976, no qual estreou. No mesmo ano também lançou o compacto duplo “Miúcha” no Brasil, pela Phillips.
O show dirigido por Heron Coelho tem roteiro e textos da própria cantora, além da direção musical de Cristóvão Bastos, que está ao piano, acompanhado de João Lyra nos violões.
Para celebrar as quatro décadas de trajetória, ela lança também dois discos “Miúcha – Edição Comemorativa de 40 anos” pela Warner e “Miúcha ao vivo no Paço Imperial” pela Biscoito Fino.
Pouco antes de subir ao palco, Miúcha, de 78 anos, conversou com o Blog do Arcanjo do UOL. Leia a entrevista exclusiva.
Miguel Arcanjo Prado – Qual foi o momento mais difícil destes 40 anos de carreira? Por quê?
Miúcha – Difícil eu não diria, mas um pouco mais trabalhoso, que foi o começo de tudo, considerando oficialmente 1976, que é o ano do LP “The Best of Two Worlds – João Gilberto – Stan Getz”. Foram frenéticos momentos de idas e vindas entre Brasil e Estados Unidos, em 1975, um ano antes, cuidando da organização e do processo criativo de João com Getz… E com Bebel ainda criança e junto comigo.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi?
Miúcha – Neste período ficamos em Shadowbrook, em Nova York, na casa do próprio Getz. Foi tudo muito bonito, por isso ao invés de “difícil” eu prefira “mais trabalhoso”. E ao mesmo tempo, eu gravei e lancei, pela Philips, um compacto com canções inéditas de João Donato com Caetano e Gil (pois eu já era amiga do Donato e os apresentei, e então vieram canções lindas, inclusive continuaram compondo juntos), e uma canção de Péricles Cavalcanti, que estava começando, e que Bebel cantou comigo, pela primeira vez, aos nove anos (O que quer dizer?); e claro, não podia faltar o Tom, e gravei “Correnteza”, dele com o Bonfá, novíssima naquela ocasião.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi se dar conta dos 40 anos de carreira?
Miúcha – Depois do “começo”, a coisa vai fluindo naturalmente. Eu mesma não tinha noção desses 19 trabalhos em discos no decorrer dos 40 anos, ou então de tantas gravações em projetos especiais, até agora mais de 60 levantadas. Estou me vendo de fora com este trabalho, com a página do Facebook, com o canal no Youtube, o site, enfim…
Miguel Arcanjo Prado – De qual parceiro musical você mais sente saudade? Por quê?
Miúcha – Ah… Não dá pra escolher “saudade”…. Foram pessoas incríveis, amigos de vida e de arte, parceiros como o Tom Jobim, com quem gravei três discos e era uma pessoa com um bom humor que faz falta pra todo mundo que conviveu com ele… O Vinicius fazia parte da família, desde menina eu o conhecia e depois gravamos juntos, sempre está em meus roteiros. Cada amigo é uma saudade, mas saudade que a gente comemora lembrando, cantando, é isso!
Miguel Arcanjo Prado – Como é fazer 40 anos de carreira fazendo MPB no Brasil?
Miúcha – Eu nunca planejei carreira, eu fui seguindo a vida e fazendo o que gostava. Eu não abro mão da liberdade, até nos roteiros de shows, eu gosto de fazer, ou quando vou gravar uma canção é sempre um momento muito íntimo de entrosamento… O projeto de relançamento do disco de 1989, pela Warner, ressaltando a efeméride, e todo o trabalho que tem sido feito tem realmente me levado a refletir sobre estes anos todos de trabalho. Não me via de fora, não tinha esse olhar, essa visão mais cronológica. Recentemente falei a um jornal sobre a quantidade de cartas que escrevi ao longo desses anos todos, e revisitar tudo isso me dá um susto, mas um susto de surpresa. Estão pesquisando e encontrando canções inéditas, coisas que compus e só cantei em show, e até parcerias que ficaram perdidas e estavam prontas, inéditas até hoje, como uma canção com Cacaso, por exemplo, que estão recuperando em equipamento digital. A minha história está ligada e interliga histórias de muitos amigos de trabalho. É bom sentir e saber que fiz isso, e vou continuar fazendo.
Miguel Arcanjo Prado – Você acha que atualmente a MPB é mais valorizada no estrangeiro do que no Brasil? Por quê?
Miúcha – Revi outro dia uma entrevista que dei ao Jô Soares, há quase 20 anos, quando lancei o CD “Rosa Amarela”, que havia saído primeiro no Japão. Na época, o catálogo japonês tinha discos brasileiros em CD que estão saindo agora, ou nem saíram ainda. Há produtores e pesquisadores trabalhando isso hoje, e é bom. Eu me refiro primeiramente a discos porque essa comemoração de 40 anos pontua por minha carreira discográfica, pois eu já havia cantado no exterior antes, e também lá fora eu preparava um primeiro disco. Cheguei a gravar com alguns takes, e um dos principais foi recuperado e está neste CD comemorativo, da Warner: “Solitude”, clássico da Billie Holiday, que me foi apresentado por Zé Celso em Nova York, no final dos anos 60, e eu gravei na época com Albert Dailey, um tremendo pianista e compositor (que havia tocado com as maiores figuras do jazz, e era mestre em acompanhar cantoras, dentre elas Sarah Vaughan e Betty Carter).
Miguel Arcanjo Prado – Tem alguma recordação especial dele?
Miúcha – Eu me lembro sempre de ouvi-lo dizer “cantar blues nada mais é que cantar a emoção”. Foi um grande professor para mim, e trabalhamos juntos num estúdio no Central Park, num disco que acabou não saindo. Mas “Solitude”, que foi restaurado, original daquela época, dá para ser ouvido neste CD. “Cantar emoções” em todas as línguas, ou numa linguagem que é universal e é a própria música sempre foi um valor que aprendi nesse primeiro momento artístico. Então, não penso em outros “valores” que possam ser atribuídos aqui ou ali a delicadezas como a nossa música: seja onde for, ela sempre será as emoções brasileiras tocando no mundo inteiro, de preferência!
Miguel Arcanjo Prado – O que você acha quando lhe dão esses codinomes: irmã do Chico, ex-mulher do João ou mãe de Bebel?
Miúcha – É a minha família! Sem esquecer que sou filha de Sergio Buarque e Maria Amélia, e irmã de Sergito, Álvaro, Maria do Carmo (Piii), Ana (Baía) e Cristina. Os sobrinhos, então, são incríveis! Isso é normal no Brasil. Ainda mais hoje, porque é mais fácil até para fazer um título de matéria: “Irmã de Chico Buarque grava um disco tal…”, e até porque Chico Buarque é um dos compositores que mais gravei! Não vejo como rótulo ou codinome, mas sim nomes e sobrenomes que me dão alegria. É sempre bom a gente lembrar da família!
Miguel Arcanjo Prado – Você tem escutado a nova geração da música brasileira? Tem gostado de algo em especial? O que Miúcha indica pra gente ouvir da nova geração de músicos?
Miúcha – Por conta de todo este trabalho sobre os 40 anos de carreira, com o projeto do acervo, todos coordenados pelo produtor e pesquisador Heron Coelho, tenho ouvido pouca música, pois o trabalho está tomando bastante tempo, o que é ótimo! Mas ouvi bastante o pessoal de Pernambuco, desde o “Mestre Ambrósio”, que já tem mais tempo e sempre escuto, procurando saber o que está acontecendo no cenário. De cantoras, os trabalhos de Karina Bühr e Alessandra Leão realmente me encantaram.
Miguel Arcanjo Prado – Qual é a sua relação com São Paulo e o público da cidade?
Miúcha – Passei uma boa parte de minha juventude em São Paulo, e até pouco tempo tinha dois irmãos que moravam na capital, e minhas idas eram mais constantes. Hoje venho mais para eventos e apresentações musicais, nestes tempos para o circuito ao qual o Sesc São Paulo me convidou, e vamos continuar pelo interior ainda este ano! E quando eu venho, sou muito bem recebida pelo público, pelos amigos, é sempre uma alegria.
Miúcha – 40 anos de carreira
Quando: Sábado (10), 21h, domingo (11), 18h. Até 11/9/2016
Onde: Sesc Bom Retiro – Teatro – Alameda Nothmann, 185, Campos Elíseos, São Paulo, tel. 11 3332-3600
Quanto: R$ 9 a R$ 30
Classificação etária: 12 anos
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