Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Tradicional lugar de formação de artística em São Paulo, a Oficina de Atores Nilton Travesso completa 15 anos. O ator e diretor Sérgio Milagre tem papel importante nessa história: faz parte do quadro de professores desde a inauguração e hoje administra o espaço. Nascido em Uberlândia (MG) e radicado em São Paulo, ele conta nesta Entrevista de Quinta um pouco de sua trajetória nos palcos e no ensino teatral. Leia com toda a calma do mundo.
Quando você decidiu que o teatro seria seu caminho?
Acredito que nós sabemos desde cedo qual é a profissão que gostaríamos de seguir e sempre fui apaixonado por duas coisas: pelo teatro – embora na minha cidade o único acesso à arte de interpretar fosse via televisão, e dar aulas – eu já dava aulas particulares de física, química, matemática, gramática e literatura. Entre a infância e o início da idade adulta abandonei um pouco o sonho, esse chamado, essa paixão pela arte de interpretar e contar histórias. Foi preciso concluir a faculdade de administração para saber que ainda não era bem aquilo que eu queria. A coragem de vir para São Paulo estudar teatro surgiu em um momento de transformação interna muito grande. E quando esse impulso veio não tive dúvidas, conversei com a minha família, que me deu todo apoio, larguei tudo e vim.
Como foi a chegada na capital paulista?
Conhecia pouco São Paulo e não tinha ninguém aqui. Planejei seis meses antes, pesquisei as escolas e fiz um curso básico antes de entrar no Indac (Instituto de Arte e Ciência), em 1992.
Chegou a exercer a administração antes disso?
Durante a graduação trabalhei em um banco por quatro anos. Quando me formei, abri um escritório de contabilidade com um amigo e foi meio desta experiência que tive a certeza de que não era isso que eu queria, embora hoje eu continue exercendo a administração aqui na Oficina.
Como você chegou à direção da Oficina de Atores Nilton Travesso?
Havia entrado aqui como professor, já tinha dez anos de carreira. Depois ajudei na reformulação dos cursos, fui coordenador artístico durante cerca de três anos e o Nilton me convidou para cuidar da parte administrativa. Acabei não fugindo completamente da administração e uso parte desses conhecimentos como diretor de teatro também – para realizar montagens e dirigir você acaba usando um pouco desse lado pragmático, mais exato. Por isso falo que a administração me ajudou muito, me deu uma certa objetividade, que às vezes não vejo nos outros colegas artistas e que é necessária para conduzir projetos pessoais, como ator, como diretor.
Como foi seu primeiro contato com o Nilton Travesso?
Conheci o Nilton por intermédio de um sobrinho do Nilton, o Eduardo Torres. Ele montou o curso inicial aqui na Oficina e era o coordenador quando a escola inaugurou. Na época eu já era professor e ele me convidou para dar aulas aqui. Antes de conhecer pessoalmente, sabia desde garoto quem Nilton era através da televisão. Quando o conheci pessoalmente foi incrível, tinha e tenho enorme admiração. Aos poucos fui conquistando meu espaço, ganhando o respeito do Nilton pelo meu trabalho e ao mesmo tempo uma grande confiança.
Quais foram as peças que mais te marcaram como ator?
Tive muita sorte no início da minha carreira. Um dos espetáculos mais marcantes, não só por ter sido o primeiro mas também pela dimensão que meu trabalhou ganhou, foi “Viúva, porém Honesta”, dirigido por Marco Antônio Braz. Fiz um personagem pequeno, Dorothy Dalton, e até hoje as pessoas se lembram. Foi a peça de formatura no Indac, em 1997, chegamos a estrear no Sesc Anchieta e participamos do Festival de Teatro de Curitiba.
E como diretor? O que mais te marca?
O mais relevante foi “Grito!”, uma obra do Plínio Marcos, que adaptei, atuei e dirigi. Foi um espetáculo profissional, com 24 atores, cenas de coros. Usei toda a minha maturidade artística, ficamos em cartaz inclusive aqui na escola [Teatro Irene Ravache]. Também trabalhei durante vários anos atuando e codirigindo com a Rosi Campos, uma grande parceira. Um dos espetáculos que codirigi com ela e que mais me marcou foi “Se Casamento Fosse Bom”, de Fábio Brandi e Nilton Rodrigues.
Quais as maiores dificuldades que o jovem ator encontra no início de carreira?
A primeira grande dificuldade é se abrir para conhecer o ofício, entender de fato o que é ser atos. Sem isso não tem ponto de partida. Vim de outra cidade, de uma formação acadêmica voltada para o mundo corporativo, mas me abri para o conhecimento. Até então eu tinha visto pouco teatro, a minha referência de interpretação eram as telenovelas. Nunca tinha visto um filme de arte, por exemplo. A necessidade de uma formação é saber o que é o ofício para trilhar o passo a passo. A escola e os mestres que tive foram determinantes para eu saber o que buscar e como.
Como era contracenar com grandes atores no início da sua carreira?
Todas as vezes que fiz participações em novelas, especiais, encontrei diretores que falavam a minha linguagem e atores extremamente receptivos. Mas quando você cai num set de gravação de uma novela onde você não conhece o diretor sempre tem aquele sentimento que é clássico: a gente treme nas bases. Com a Rosi [Campos], que é uma das pessoas que eu mais admiro, travei total no início. Primeiro por estar diante da grandeza dela e segundo por se tratar uma linguagem que eu até então não dominava, a do teatro infantil. Ao mesmo tempo, contracenar com pessoas mais experientes faz você ficar melhor do que sua experiência prática é até ali, se você souber se abrir. A pessoa mais experiente tem uma convicção, o texto vem por por si só. O grande ator, experiente, tarimbado, te joga em um oitavo acima. De alguma maneira eles te elevam e sabem te levar.
Você tem uma história com a Elke Maravilha?
Dirigi e apresentei o ‘Moeda Viva’, em 2008, um programa da TV fechada sobre variedades e mercado financeiro. Minha primeira entrevista foi com a Elke, que foi extremamente receptiva. Em 2013, pude dirigi-la em uma leitura no Masp, que foi muito gratificante. Quando a pessoa é um artista, na genuína concepção da palavra, ela é extremamente generosa, como a Elke era.
Quais suas expectativas para os próximos anos da Oficina?
Estamos em um momento de reformulação da escola, do currículo, dos cursos, inclusive dos conceitos. A tecnologia imprime um modo muito diferente de comportamento e até de linguagem. Nosso ofício lida com a comunicação e precisamos pensar em como renovar as linguagens inclusive no teatro. A TV está tentando inovar na textura da imagem, buscando outras perspectivas de dramaturgia. Temos de dialogar com o nosso momento e minha expectativa é acompanhar essas mudanças e formar atores que vão tocar o coração das pessoas desse novo mundo. Alguns acham teatro chato porque você experimenta outra relação com o tempo, é preciso treinar o olhar. Como lidar com tudo isso, sem trair a alma dessa linguagem que existe há tanto tempo? Não temos de perder a essência, mas dialogar com essa nova requisição. Como tornar a linguagem do ator interessante para o adolescente? É o momento que imprime as formas de linguagem. O caminho de uma escola como a Oficina de Atores Nilton Travesso é manter a essência e inovar, lançar no mercado atores que sejam mais conectados e versáteis. Sem nenhuma pretensão e com toda pretensão é o que eu falei na primeira aula há 15 anos atrás: nosso intuito é formar mais que atores, mas atores artistas, que sabem a contribuição que vão dar para o mundo com o seu trabalho. A arte do ator é um dos caminhos mais primordiais que permite ao ser humano se revisitar. Temos essa necessidade ancestral, de revistar nossas histórias, desde o homem das cavernas.
Quais seus conselhos para quem está começando agora?
A primeira coisa é ter visão empreendedora, uma carreira planejada e definir qual veículo você quer, seja TV, cinema ou teatro. Antes de ingressar na carreira, a escola ajuda a conhecer o ofício. Acho fundamental sim ter uma formação, seja ela um curso técnico, ou superior. O que a escola não me deu dentro, ela me direcionou para buscar. As principais bases para quem está começando são: conhecimento do que é o ofício, o que é ser um artista nesse país, a produção e planejamento de carreira.
Quem te inspira no teatro?
Minha inspiração vem desde grandes atores Paulo Gracindo, Yara Cortes, Sérgio Cardoso, Paulo Autran, quanto das pessoas que passam pelas nossas mãos. Vejo muitas Fernandas Montenegros e Paulos Autrans em potencial em sala de aula e falo isso para eles. Estão começando, mas todo ator consagrado começou em algum lugar. Um dos objetivos da Oficina de Atores é incentivar a fé no potencial que os alunos têm de serem grandes, que vão criar as novas linguagens do futuro, sair daqui e conquistar tanta notoriedade e respeito quanto tem uma Fernanda Montenegro.