“Dzi Croquettes” volta a SP 45 anos após estreia: “Defendíamos ideais”

"Dzi Croquettes" revive ousadia do célebre grupo dos anos 1970 - Foto: Luan Cardoso

“Dzi Croquettes” revive ousadia do célebre grupo dos anos 1970 – Foto: Luan Cardoso

Por Miguel Arcanjo Prado

Um dos grupos artísticos mais revolucionários das artes cênicas e da dança brasileira, o Dzi Croquettes está de volta aos palcos paulistanos, 45 anos após sua impactante estreia em plenos anos de chumbo da ditadura civil-militar na casa noturna TonTon e depois no extinto Teatro Treze de Maio, em São Paulo, onde o espetáculo “Gente Computada Igual a Você” causou frisson. O grupo influenciou nomes como Claudia Raia, Ney Matogrosso, Miguel Falabella e Marília Pêra.

O espetáculo “Dzi Croquettes” pode ser visto no Teatro Augusta, em São Paulo, até 15 de dezembro, com a história do grupo que serviu de referência para as gerações posteriores. As sessões são às quartas e quintas, às 21h.

O grupo era composto pelo coreógrafo Lennie Dale, o autor Wagner Ribeiro de Souza, e os atores/bailarinos Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo di Poly, Bayard Tonelli, Rogério di Poly, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado e Eloy Simões.

Em um Brasil que volta a abraçar o conservadorismo, a volta da trupe deve ser comemorada. Afinal, quando se fala no Dzi Croquettes, tabus não existem. Eles transitam pela sexualidade humana com toda a liberdade do mundo, questionando valores morais pudicos e enfrentando o preconceito com arte.

A trilha é eclética: tem desde Ira e Titãs a Mamonas Assassinas. Durante a temporada, uma exposição no hall do Teatro Augusta mostra em fotos, projeções e objetos como peças de figurino os principais momentos do Dzi Croquettes, fundado em 1972.

O Blog do Arcanjo do UOL conversou com Ciro Barcelos, que integrou a trupe original e assina autoria, direção geral e coreografia da montagem. Diz que busca um estilo musical brasileiro, que foge aos padrões estabelecidos pela Broadway e suas cópias. Leia a entrevista.

Miguel Arcanjo Prado – O que segue de atual nos Dzi Croquettes?
Ciro Barcelos – O Dzi é atemporal. Há 45 anos a gente já fazia esse espetáculo dizendo o que torno a dizer hoje, e por incrível que pareça, é atual. Se mudou alguma coisa? Não, a espirituosidade do Dzi não mudou, permanece. Então, ele é atual na sua ideologia libertária, na transgressão desse teatro no qual o ator atua enquanto persona, sendo ele mesmo em cena, consciente do seu masculino e feminino. Sem caricaturas.

Elenco original do Dzi Croquettes: desbunde - Foto: Divulgação

Elenco original do Dzi Croquettes: desbunde – Foto: Divulgação

Miguel Arcanjo Prado – Um homem se travestir no palco ainda é trangressor no Brasil de hoje? Por quê?
Ciro Barcelos – A transgressão não está no se travestir, porque o se travestir no Brasil é uma coisa comum, faz parte da nossa cultura do carnaval. A transgressão no caso do Dzi está por trás desse travestir, o que nós estamos querendo dizer com isso, em qual é a quebra de paradigmas e de preconceitos que traz esse travestimento do Dzi Croquettes.

Miguel Arcanjo Prado – Você enfrentou muito preconceito por ser do Dzi ao longo da sua vida? Conte uma situação que se lembra.
Ciro Barcelos – O Dzi chegou nas nossas vidas como um furacão, arrebatando, não deu tempo pra pensar. Quando eu vi, eu já estava de batom vermelho no palco e nas rua, porque nos anos 1970 isso foi um movimento que saiu dos palcos e foi para as ruas desafiar o regime militar. Preconceito? O preconceito maior veio por parte desse regime que nos censurou e nos fez nos retirar do país. Fomos perseguidos e vigiados como todos os artistas que se rebelaram contra o sistema.

Miguel Arcanjo Prado – São Paulo foi importante na trajetória do Dzi. Conte algo importante vivido na cidade.
Ciro Barcelos – São Paulo foi e continua sendo muito importante na história do Dzi Croquettes. Foi aqui que o Dzi aconteceu. A gente estreou no Rio de Janeiro, mas aconteceu em São Paulo. A cidade abriu os braços e as pernas pro Dzi Croquettes e foi maravilhoso! Fizemos um grande sucesso no Teatro 13 de Maio, lá na Rua 13 de Maio, no Bixiga. Ali aconteceu um movimento em torno do Dzi Croquettes, em que todos os artistas e o público participavam. Foi muito importante mesmo, não só na nossa primeira vinda, que foi esse grande sucesso, quanto depois, a nossa despedida do Brasil para o exílio. Nós fizemos questão de fazer aqui em São Paulo. Retornamos à cidade e fizemos uma despedida no Teatro Maria Della Costa. E agora estamos aqui de volta: alô, alô, São Paulo, Dzi Croquettes, de volta!

Quebra de tabus marcou o grupo Dzi Croquettes, que fez sucesso em Paris - Foto: Divulgação

Quebra de tabus marcou o grupo Dzi Croquettes, que fez sucesso em Paris – Foto: Divulgação

Miguel Arcanjo Prado – Como você selecionou o elenco desta nova peça. O que os atores tinham de ter?
Ciro Barcelos – Não houve uma seleção para esse elenco do Dzi. Eu não gosto muito de seleção, o processo pro Dzi se dá naturalmente. Eu fiz uma oficina e dessa oficina alguns atores foram se mostrando com forte personalidade. O Dzi, acima de tudo, é uma questão de personalidade. Não se trata de um corpo de baile homogêneo, como se tem o hábito de ver nos musicais, mas se trata de personalidades. O Dzi, muito mais do que personagens, precisa de personas. Então, o processo se dá naturalmente. É um ou outro que eu senti que tinha a ver com o Dzi. Às vezes até um ator que você pode olhar e achar que ele não vai chegar lá, onde ele teria que chegar para fazer um Dzi Croquettes, dançando e cantando como deve. Mas eu acredito, eu olho e vejo que ali tem uma forte personalidade e invisto naquela personalidade para trazer à tona essa persona Dzi.

Miguel Arcanjo Prado – Do que você mais sente falta da antiga época do Dzi?
Ciro Barcelos – Eu sinto muita falta da comunidade, da comunhão. Era uma época em que ser artista do nosso convívio ainda significava defender os nosso ideais. E a gente vivia junto pra isso, a gente fazia teatro junto pra isso: pra defender os nossos ideais.

“Dzi Croquettes”
Quando: Quarta e quinta, 21h. 90 min. Até 15/12/2016
Onde: Teatro Augusta – Rua Augusta, 943, Cerqueira César, metrô Consolação, São Paulo, tel. 11 3151-4141
Quanto: R$ 80
Classificação etária: 16 anos

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