Crítica: Peça ácida, “A Festa de Abigaiu” é uma das melhores do ano
Por Miguel Arcanjo Prado
Uma festinha noturna e caseira entre supostos amigos, todos membros de uma classe média emergente inglesa, acaba sendo um retrato irônico e ácido de uma gente frustrada que preenche o vazio de suas existências com palavras sem fim, estimuladas por drinques, é claro.
O espetáculo “A Festa de Abigaiu”, texto escrito em 1977 pelo cineasta inglês Mike Leigh, ganha encenação primorosa do também cineasta Mauro Baptista Vedia, que foca a montagem na capacidade cênica do elenco que tem em mãos, mantendo uma mistura interessante de ritmos e sutilezas que revelam, aos poucos, os personagens.
O diretor ainda brinca com registros de interpretação, colocando cada ator em um registro distinto, mas criando um conjunto coeso e potente, graças ao talento munido de técnica de seu elenco.
Grande atriz, Ester Laccava é o fio condutor da obra, como a dona de casa e anfitriã Beverly, que mantém a energia da peça sempre próxima ao ápice, nem que para isso sejam necessárias muitas doses de gim.
Ela faz par com Eduardo Estrela, na pele de Lawrence, um executivo estressado e refém de sua mulher espalhafatosa e consumista. O ator vai em um crescente durante a obra, desempenhando função importantíssima ao fim desta.
Ao casal anfitrião, se somam três convidados, um outro casal e uma amiga divorciada. Esta é Fernanda Couto, que se impõe com a sutileza de sua personagem, a fragilizada Susan, maltratada constantemente pelos colegas de noite. Ela é a mãe de Abigaiu, adolescente que dá uma retumbante festa na casa ao lado movida a sexo, drogas e rock’n’roll, motivo de apreensão (e inveja?) para todos.
Há ainda mais um casal, formado por Ana Andreatta, que se destaca como uma enfermeira quase idiota, Angela (cujo nome é gritado o tempo todo por Beverly, virando um divertido bordão da peça), casada com um ex-jogador e atualmente operário grosseirão, papel que Kiko Vianello desempenha com desenvoltura.
A obra, que conta com potente cenário detalhista de Alvaro Razuk e nostálgicos figurinos setentistas de Maite Chasseraux, é uma crítica ao jogo social, sobretudo quando classes em ascensão tentam reproduzir um comportamento que não lhes pertence, soando forçado e inverossímil.
Jogos de sedução barata entre os personagens, humilhações mútuas ditas quase sem querer e uma trilha com o pop açucarado dos anos 1970 complementam a dose explosiva de “A Festa de Abigaiu”, sem dúvida alguma, um dos melhores espetáculos deste ano em São Paulo.
”A Festa de Abigaiu” * * * * *
Avaliação: Ótimo
Quando: Sexta às 21h30, sábado às 21h e domingo às 19h. 100 min. Até 27/11/2016
Onde: Teatro Jaraguá – Rua Martins Fontes, 71, Bela Vista, São Paulo, tel. 11 3255-4380
Quanto: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos
Leia entrevista com o diretor Mauro Baptista Vedia
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