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Crítica: “Ó”, de Juliana Perdigão, é o disco do ano

Juliana Perdigão e os Kurva, sua banda: show grátis na Bienal - Foto: Divulgação

Juliana Perdigão e os Kurva, sua banda: show grátis na Bienal com Zé Celso – Foto: Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado

Juliana Perdigão é um oásis no mar deserto. A chegada de seu segundo disco, “Ó”, comprova a versatilidade da cantora, musicista e compositora mineira radicada com gosto em São Paulo e que já absorveu os ares ecléticos da grande metrópole brasileira em sua música. Antropofagicamente, é claro.

Com sua banda, Os Kurva, Juliana faz show gratuito nesta quinta (8), às 20h, na 32ª Bienal de São Paulo, no Ibirapuera. A apresentação conta com um convidado mais do que especial e fundamental para “Ó”: Zé Celso, o mais emblemático diretor de teatro brasileiro e amigo íntimo de Juliana. Afinal, ela saiu de Belo Horizonte justamente para tocar na banda do Teat(r)o Oficina, onde fez história.

Produzido por um Rômulo Fróes de mãos bem dosadas (e que canta com Juliana na faixa “Fantasma”), o álbum é bem cuidado e propositivo desde o início, aliando o minimalismo à potência musical, como já de cara acontece em “Aeiuo”. A música é parceria do diretor de teatro Zé Celso com o multi-instrumentista nigeriano Fela Kuti no exílio moçambicano no final dos anos 1970 e que agora encontra em Juliana o terceiro elemento desta improvável trindade sonora.

Uma curiosidade: “Aeiuo” está presente na trilha de “Bacantes”, peça que o Oficina encena atualmente em sua sede aos sábados e domingos, 18h, até 23 de dezembro. Cantada pelos atores do coro mais emblemático de nossos palcos, a canção é puro êxtase.

“Ó”, de Juliana Perdigão: o disco do ano – Foto: Divulgação

O experimentalismo está presente nas faixas do disco de Juliana, sem qualquer dose de pedantismo ou de falta de certeza de se saber o que se está fazendo. Juliana sabe muito bem (o que cria), mesmo quando interrompe a música para recitar de um fôlego só um poema, como ocorre em uma das 17 faixas do álbum.

“Vestido com Vista pro Mar” (com participação de Tulipa Ruiz) e “Mar Deserto” fazem dobradinha perfeita para embalar a preguiça neste verão nas praias mais descoladas. No verso, “duna e onda” se unem na voz de Juliana, fazendo uma mistura tropical. O clarinete de Juliana ainda marca forte presença em “Crack para Ninar”, título mais roqueiro impossível que, por ironia, combina com a docilidade da canção.

Juliana não trai as origens nas alterosas e coloca no disco o “Hino da Alcova Libertina”, que tem o provocante refrão: “Chuta a família mineira”. A música é um marco da recente retomada do Carnaval de rua de Belo Horizonte pela geração de Juliana, contrariando o prefeito que tudo queria proibir.

Para ódio dos moralistas, os libertinos são louvados na canção debochada e de ritmo circense, que dialoga profundamente o Brasil que vê a caretice ganhar terreno e nos lembra que há forte resistência de quem pensa por conta própria e prefere desbundar.

O samba centenário ganha homenagem em “Ela É o Samba”, de letra fortemente feminista: “Ela é o samba, agoniza, mas não morre, renasce de novo do próprio útero”, conclama Juliana.

“Ó”, que dá título ao disco, é um mantra pop-concretista-mineiro-paulista-barroco e trata-se de uma parceria de Juliana com o poeta Haroldo de Campos em letra sobre a Igreja de Nossa Senhora do Ó, em Sabará, que fica bem ali para quem é de Belo Horizonte, é claro.

Chuva desejada e eclipse lunar marcam “Mãe da Lua”, faixa que conta com participação especial de Ná Ozetti e algumas doses de psicodelismo.

O mais gostoso do disco é que quanto mais é escutado mais ele revela o que Juliana deixou ali como pistas para serem descobertas. E há surpresas agradáveis até o fim, quando Zé Celso, na intimidade de seu apartamento, canta “Aeiuo”, em versão que já é pura história. Com este caldeirão repleto de bons ingredientes, Juliana Perdigão fez o disco do ano. “Ó” é ótimo.

Disco “Ó”, de Juliana Perdigão * * * * *
Avaliação: Ótimo

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