Artistas negros protestam contra blackface em peça de BH
Por Miguel Arcanjo Prado
Artistas e cidadãos da comunidade negra fizeram uma manifestação-performance contra o blackface na peça “Trem de Minas”, neste fim de semana, no Teatro Raul Belém Machado, em Belo Horizonte.
A obra dos irmãos gêmeos Leonildo Miranda Araújo e Leosino Miranda Araújo, conhecidos como a dupla de atores Leo e Leo, causou polêmica na capital mineira por conter a utilização da técnica racista do blackface, quando um ator branco pinta seu rosto de tinta preta pra interpretar uma personagem negra de forma estereotipada.
Os gêmeos utilizam-se de tal recurso na peça para dar vida à personagem “mãe preta” Justina. A notícia foi dada em primeira mão pelo Blog do Arcanjo do UOL, que ainda informou que os mesmos atores fizeram outra peça com blackface, que ironicamente tem o título “Contos Afro-Brasileiros”. Tal obra foi feita com recursos públicos da Lei de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, pela qual os gêmeos receberam R$ 13.562,88. Os mesmos atores ainda utilizam o blackface em um terceiro espetáculo, “Causos de Assombração”.
Com punhos fechados e empunhando cartazes com os dizeres “Cultura sem racismo”, os artistas negros ainda apresentaram durante o protesto uma carta-manifesto [leia a íntegra ao fim deste texto] ao fim do espetáculo “Trem de Minas”, escrita e lida pela atriz Soraya Martins, do fundo da plateia. No palco, os atores Leo e Leo não se opuseram à leitura da carta aberta.
Os manifestantes convidaram o público e os atores de “Trem de Minas” para um debate crítico sobre racismo e informaram à reportagem que pretendem estender o convite para a realização de novos debates sobre a temática com a Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, que procurou o UOL para informar que, em conversa com a Cia. Leo e Leo, foi resolvido que a cena do blackface seria retirada do espetáculo.
O Blog do Arcanjo do UOL apurou que, após a repercussão do caso, os irmãos Leo e Leo decidiram não mais pintar o rosto com tinta preta, mas mantiveram meias pretas na perna e tecido preto nos braços, além de luvas pretas nas mãos, simulando pele negra, para interpretar a personagem Mãe Justina, que, segundo Leonildo disse à reportagem, seria “uma homenagem à raça negra e à sua mãe preta”, referindo-se à Maria Tereza, que, de acordo com ele, ajudou sua mãe na criação dos gêmeos. Na peça, Mãe Justina é uma figura caricata que se dedica às atividades domésticas.
Os manifestantes informaram que também vão procurar o Sinparc (Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais), que organiza a Campanha de Popularização do Teatro e Dança de BH, da qual o espetáculo “Trem de Minas” faz parte, propondo também uma discussão pública sobre o tema.
O Sinparc se manifestou em nota sobre o caso, na qual não condenou o blackface, dizendo-se a favor da “liberdade de expressão” e que o ator “tem a liberdade de escolher o recurso mais adequado para seu espetáculo”, e afirmando que aqueles que se sentiram ofendidos deveriam “entrar em contato com a ouvidoria da Campanha e, além disso, tem o direito de recorrer aos órgãos públicos que supervisionam as questões culturais”.
Saiba como começou a polêmica do blackface na peça “Trem de Minas”
Em entrevista à jornalista Joyce Athiê, do jornal mineiro O Tempo, o professor doutor dos cursos de teatro e letras da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Marcos Alexandre condenou o uso do blackface nos palcos hoje em dia: “A questão é que o povo faz esse tipo de coisa como se fosse algo natural. Não enxerga o preconceito. Mas chega, não dá mais”. Em conversa com o UOL, Alexandre reiterou sua fala: “Não dá para aceitar o uso de blackface no teatro contemporâneo sob nenhuma circunstância”.
Leia, na íntegra, o manifesto escrito e lido pela atriz Soraya Martins em Belo Horizonte:
“Somos um grupo de cidadãos-artistas que, por acreditar que a arte caminha lado a lado com as questões políticas, vem publicamente manifestar o nosso repúdio com a prática do blackface usada pelos produtores/atores do espetáculo. Manter o ator tampando os braços e pernas, com o rosto sem a tinta preta não torna a nova versão/”solução” que vocês arrumaram menos blackface. Não mostra uma posição em direção a uma reflexão mais crítica sobre as práticas raciais que tratam, entre outras coisas, os negros e negras como fantasia digna de riso.
O blackface era uma prática usada no século 19, quando os negros eram proibidos de subirem no palco. No século 20, a técnica passou a ser condenada após o movimento negro conquistar direitos civis.
Vocês já se viram num whiteface? Ou como uma fantasia “brancos malucos”? Não somos fantasia e nem figurino. Por mais naturalizada que essa prática seja, ela é racista sim, pois tira a humanidade dos negros e negras. Logo, viemos, publicamente, convidar os atores para um diálogo aberto, sincero e respeitoso sobre essas questões raciais, ou melhor, sobre o racismo que passa “despercebido” no cotidiano e nos palcos, minando pouco a pouco a dignidade e a humanidade das pessoas negras. Em pleno século 21, como artistas e cidadãos, negros e brancos, temos sim obrigação de dialogar sobre isso. Fica aqui o nosso convite.”
Entenda a polêmica do blackface na peça “Trem de Minas” em BH
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