Consagrado no cinema, João Miguel volta a viver Bispo do Rosário no teatro
Por Miguel Arcanjo Prado
Nome forte do cinema brasileiro contemporâneo e no ar na série “3%”, sucesso no Netflix, o ator baiano João Miguel, de 47 anos, volta a viver o personagem Arthur Bispo do Rosário no teatro.
Ele fica em cartaz no Sesc Bom Retiro (al. Nothmann, 185), em São Paulo, até 23 de abril, com seu espetáculo solo “Bispo”, com sessões sexta e sábado, 21h, e domingo, 18h. Os ingressos variam entre R$ 9 e R$ 30. Foi a peça, encenada pela primeira vez ainda em Salvador em 2001, que projetou o ator e lhe abriu as portas do cinema.
Na montagem, mergulha na obra do artista negro sergipano que foi considerado louco e internado em hospital psiquiátrico no Rio e que morreu em 1989. A partir das internações, Bispo do Rosário desenvolveu uma obra de arte reverenciada hoje em dia pela crítica.
Ator premiado, João Miguel conversou com o Blog do Arcanjo do UOL sobre a retomada deste trabalho e também sobre sua bem sucedida carreira de ator. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Qual característica do Bispo do Rosário que você mais gosta?
João Miguel – A obra de Arthur Bispo do Rosário é vasta e completa, dialoga diretamente com a arte contemporânea produzida no mundo. Faço uma ligação com o impacto que tive quando vi a obra de Van Gogh, que traz uma tridimensionalidade que grita além da tela e nos emociona. A obra de Bispo tem semelhança com Van Gogh nesse sentido, vemos um inconsciente aberto, através das obras. A diferença é que o Bispo não pintava, trabalhava com material abandonado, sem utilidade. Trabalha com restos e te ressignifica aquilo que não tinha utilidade para apresentar no dia da passagem. Desfiava cochas do hospício, linha por linha, e bordava , bordava muito. Uma obra complexa que transcende a catalogação de louco. E que o coloca no patamar de artista. A própria obra perante o tempo ressignifica esse lugar.
Miguel Arcanjo Prado – O que você enxerga nesta obra?
João Miguel – Vejo na obra do Bispo muitas memórias do próprio artista: nomes, referencias pessoais, como se fosse um grande bordado de memória. Isso me provocou, no bom sentido, e me fez dialogar com as próprias memórias que de alguma maneira estão no espetáculo. Como uma camada invisível, e que favorece esse diálogo com uma possível lógica de criação do seu Arthur Bispo do Rosário.
Miguel Arcanjo Prado – Você é um nome queridinho do cinema brasileiro. Por que você acha que seu trabalho desperta o interesse de tantos diretores? O que você tem?
João Miguel – Entro no cinema brasileiro através do Bispo. Fiz Bispo no filme “Esses Moços”, de Araripe Jr., uma participação bem pequena, e em São Paulo, na primeira temporada de Bispo, Marcelo Gomes foi ver o espetáculo. Participei de um teste com mais 300 candidatos e pude, através do protagonista, Ranulfho, experimentar a linguagem de cinema que vivi a partir dali de uma maneira vertiginosa, fazendo mais de 20 filmes no período de 12 anos, além de séries e uma novela na televisão. Podendo fazer vários personagens e trabalhar com vários diretores. Acredito que a experiência no teatro me possibilitou a fazer cinema de uma maneira onde eu possa estar procurando os personagens, e não chegar com eles prontos. Além de buscar e entender a linguagem do filme junto da visão do diretor.
Miguel Arcanjo Prado – Como você enxerga os personagens?
João Miguel – Tenho comigo a premissa de poder humanizar e dar vida ao personagem que está no papel. Cada filme provoca um processo diferente, como no “Estômago”, por exemplo, que aprendi a fazer todos os pratos que o personagem do filme fazia. Acho que não por acaso me aventuro a compor personagens bem distintos uns dos outros. Sou apaixonado pelo que faço e encaro como um serviço, um trabalho, como o do padeiro, do marceneiros, do cabeleireiro etc. O meu trabalho é representar seres humanos brasileiros, sou louco pelo meu país e adoro viajar por ele, ver as pessoas e me misturar.
Miguel Arcanjo Prado – Quais são seus próximos projetos no cinema e na TV após a peça?
João Miguel – Estou com “Bispo” em deslocamento, fazendo “Bispo” em São Paulo no Sesc Bom Retiro. Tenho um prazer enorme em fazer esse espetáculo que a cada dia me surpreende. Tenho dois longas pra esse ano que ainda não posso dizer o nome, e a segunda temporada da série “3%” no Netflix.
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