Festival de Curitiba leva 200 mil ao teatro, número igual ao recorde do Maracanã na Copa de 1950
Por Miguel Arcanjo Prado
Enviado especial a Curitiba*
Com 200 mil pessoas vendo teatro, número igual ao recorde de público do futebol na final entre Brasil e Uruguai no Maracanã na Copa de 1950, o 26º Festival de Curitiba terminou neste domingo (9), após 350 espetáculos apresentados em 13 dias.
O evento teatral idealizado e dirigido pelo curitibano Leandro Knopfholz é o maior e mais longevo do Brasil. Neste ano, esteve afinado com as discussões que pegam fogo na sociedade brasileira, como o racismo e o machismo, dando espaço para negros e mulheres apresentarem seus discursos no palco.
Apesar da crise econômica, que fez com que o Festival de Curitiba, que já teve mais de 400 atrações nos últimos anos, precisasse reduzir o número de espetáculos, houve bilheteria esgotada em 11 peças das 37 da Mostra Oficial. No Fringe, a mostra paralela com mais de 300 peças, também houve público farto em diversas montagens.
Sexualidade e liberdade
A discussão da sexualidade, da homossexualidade e da transexualidade esteve em espetáculos aclamados pelo público, como “Momo: Para Giloda com Ardor”, no qual o paranaense Ricardo Nolasco prestou tributo à travesti Gilda, que marcou a Curitiba dos anos 1970, no palco e nas ruas; e a performance “Gaymada” e o espetáculo de rua itinerante “Nossa Senhora [da Luz]”, do coletivo mineiro Toda Deseo.
O grupo questionou com coragem os valores impostos pelo patriarcado e a família chamada de “tradicional”, enfrentando inclusive uma pedrada homofóbica durante uma das apresentações de “Gaymada”.
Mais uma vez, segundo Knopfholz, “o Festival de Curitiba buscou dialogar com a sociedade e o espaço público”.
No campo internacional, o destaque foi “Moçambique”, no qual Jorge Andrade, moçambicano, branco e que vive desde os quatro anos em Portugal, apresentou uma versão fantasiosa do país africano com um potente elenco multiétnico.
Negritude e esquerda
O racismo e a cultura afro-brasileira foram abordados por espetáculos fortes como “Farinha com Açúcar, Ou Sobre a Sustança de Meninos e Homens”, de Jé OIiveira, do paulistano Coletivo Negro, que realizou um protesto ao fim da apresentação do sábado (8), projetando ao fundo do palco a frase “Todo pode ao povo” ao som de “Mariguella”, dos Racionais MCs.
Já a peça curitibana “Macumba: Uma Gira sobre Poder” apresentou a tocou na triste perseguição preconceituosa aos cultos afro-brasileiros no Brasil de hoje. “Próspero e os Orixás”, do diretor carioca Amir Haddad, também prestou tributo à ancestralidade africana.
A segunda edição da Curitiba Mostra também foi destaque. Nena Inoue chamou a atenção ao abraçar de forma potente Eduardo Galeano e seu pensamento sobre a esquerda latino-americana em “Para Não Morrer”. O bar do espaço, conduzido pelas atrizes Patricia Cipriano e Amira Massabki, virou o point do Festival.
Destaques do Fringe
O Fringe, a mostra paralela com mais de 300 atrações vindas de 14 Estados coordenada por Priscila de Morais, também registrou público farto em muitas peças apresentadas nos palcos e também nos espetáculos de rua.
Destacaram-se a recifense “A Mulher Monstro”, fazendo uma ácida crítica à burguesia racista e preconceituosa, a belo-horizontina “Rosa Choque”, tocando no tema da violência contra a mulher, e a carioca “Blackbird”, que abordou um caso real de pedofilia. Outras peças que geraram burburinho entre o público foram “Acorda, Amor”, “Mirar, Migrar”, “Homem da Silva” e “Duas Gotas de Lágrimas no Frasco de Perfume”.
Um grupo de 34 estudantes de artes cênicas da UniRio apresentou 12 trabalhos diferentes durante o evento. A ida foi bancada com dinheiro arrecadado em uma festa e o grupo contou com ônibus da universidade para o transporte. “Foi uma experiência muito rica de troca”, definiu Stace Mayka.
Nomes famosos
Sucessos já referendados pelas plateias de todo o Brasil também marcaram presença, como “Cada Um com Seus Pobrema”, comédia do paulistano Marcelo Médici, “A Casa dos Budas Ditosos”, monólogo de sucesso com Fernanda Torres, e o musical “Roque Santeiro”.
Outros famosos marcaram presença no evento, como Marcelo Serrado, que fez “Os Vilões de Shakespeare” e o grande time que defendeu o texto “Blank”, que teve um artista diferente em cada apresentação e contou com Eduardo Moscovis, Débora Bloch, Caio Blat, Camila Pitanga, Julia Lemmertz e Gregório Duvivier. Enquanto que Luís Miranda fez seu monólogo “7 Conto”. Nomes importantes da performance, como André Masseno, que fez “Louca pelo Cheiro do Mar”, e Wagner Schwartz, que apresentou “Transobjeto”, também chamaram a atenção do público.
Zé Celso e Fernandona
Grupos respeitados do teatro nacional, como o Grupo Galpão, de Belo Horizonte, que apresentou “Nós”, e a Cia. Hiato, de São Paulo, que encenou “Os Amadores”, também marcaram presença em Curitiba, além de ícones dos palcos como Fernanda Montenegro, que abriu o evento com “Nelson Rodrigues por Ele Mesmo” e José Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi, que participaram de uma exibição do filme “O Rei da Vela”, baseado na peça de 1967, com a presença do cineasta Noilton Nunes.
Para os curadores Marcio Abreu e Guilherme Weber, no segundo ano à frente do Festival de Curitiba, “os espetáculos evidenciaram a criatividade feminina, a ocupação do espaço público por parcelas da população habitualmente sem visibilidade social e a manifestação de culturas desprivilegiadas”.
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Curitiba.
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