Crítica: Lírio e formol, espetáculo Branco vomita branco e é um desserviço
Por Ailton Barros dos Santos*
Crítico convidado
Spoilers não me afetam. Fui ver o espetáculo “ Branco: O Cheiro do Lírio e do Formol” já tendo ouvido muitas coisas, mas acredito na experiência que o teatro pode me proporcionar e na capacidade de ser totalmente diferente ao que ouvi por antecipação.
De cara, me agrada a contemporaneidade da estética, bagunçada, revelando as estruturas do teatro e uma atmosfera de tensão — algo comum nas obras do Alexandre Dal Farra, autor da dramaturgia e diretor ao lado de Janaína Leite.
Daí em diante, só enxergava mea-culpa e o espetáculo reafirmando o branco reconhecendo seus privilégios e posições como uma espécie de sofrimento que de longe se compara ao meu, bixa preta candomblecista periférico e artista. Ouso dizer que medidas de encenação dão a entender a ideia de um racismo reverso. Triste!
Só há espaço para constatar que os questionamentos ali contidos são muito frágeis e seriam mais honestos e valiosos enquanto questionamentos particulares, caminhando para um posicionamento de mudança e entendimento do movimento negro, e não como uma obra.
E nesse sentido vejo o espetáculo como um desserviço, inclusive usando um espaço que seria, ao meu ver, mais legítimo a uma obra do segmento negro com questões negras e minimamente com atores negros, uma galera que precisa todos os dias afirmar que existe, que resiste para fazer arte e simplesmente viver.
“Branco” vomita branco.
“Branco” é branco e se pinta de branco e, não se contendo de reafirmações brancas, “Branco” se chafurda de uma tinta branca, tudo consciente e por opção.
O que pra mim só reafirma o desserviço.
*Ailton Barros dos Santos, 29 anos, é ator formado pela Escola Livre de Teatro de Santo André, bailarino afro, figurinista e cenógrafo, bixa preta candomblecista periférico.
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