Mulher no poder é demonizada, diz Patricia Cipriano
Por Miguel Arcanjo Prado
Patricia Cipriano é uma das atrizes mais interessantes atualmente no teatro brasileiro.
Paulista de Lorena e radicada em Curitiba, onde já venceu o cobiçado Troféu Gralha Azul, o principal prêmio do teatro no Paraná, ela consegue ir de uma abelhinha peralta no musical infanto-juvenil “A Arca de Noé” no Teatro Gazeta, no coração da avenida Paulista, em São Paulo, para uma mulher desesperançada no intenso drama “Linda Blair Entra na Sala”, que reestreia nesta sexta (26) no Casarão da Casa Selvática, templo da cena underground teatral curitibana.
A peça fica em cartaz de sexta a domingo, sempre às 20h, até 18 de junho com ingresso a R$ 20 e R$ 10.
Além disso, segue no posto de vocalista da Horrorosas Desprezíveis, a banda mais feminista e punk do rock nacional contemporâneo — e a mais interessante da cidade —, na qual tem como companheiras Amira Massabki e Jo Mistinguett, além de se preparar para mais uma turnê nos palcos com sua Cia. BifeSeco e um solo feminista para o fim do ano. Porque ela gosta de estar em movimento.
Entre São Paulo e Curitiba, Patricia Cipriano concedeu esta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo do UOL. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Como é emendar uma temporada de teatro em São Paulo, com o musical infanto-juventil “A Arca de Noé”, com a nova temporada de “Linda Blair Entra na Sala” em Curitiba?
Patricia Cipriano — Eu adoro esse movimento aqui e lá. Preciso disso, inclusive! É uma sensação de que as portas estão se abrindo ao mesmo tempo e que dá, sim, pra entrar em vários lugares. Tenho essa pira de sempre estar em trânsito, sempre articulando coisas e trabalhar em Sampa aos finais de semana e ensaiar e produzir espetáculos aqui em Curitiba me fortaleceu como artista, principalmente no quesito valorização do tempo que tenho pra fazer minhas coisas aqui e lá.
Miguel Arcanjo Prado — O que é ser atriz para você? Por que você faz teatro?
Patricia Cipriano — Estar. Encontrar. Trocar. Tocar. Olhar. Viver. Abrir espaços, brechas, fluir no mundo. Estar em perigo. São coisas que a arte em geral proporciona e eu sem essas coisas não sou eu. Eu acredito imensamente no ser humano e vejo que é através de conexões mais humanizadas e afetuosas que se transforma o meio. Não tá fácil ser artista em tempos como esse onde artista é visto como ofensa ou escracho ou usurpador de dinheiro público, porém, eu sou otimista e teimosa a ponto de me relacionar com esse meio, onde a opressão cresce a cada dia, de forma ativa e isso eu faço sendo atriz, fazendo teatro. Como a artista que me tornei!
Miguel Arcanjo Prado — Com quais projetos teatrais está envolvida atualmente e até o fim do ano?
Patricia Cipriano — Assim que terminei a temporada do musical “A Arca de Noé” no Teatro Gazeta, em São Paulo. Corri de volta para Curitiba, onde reestreio o espetáculo “Linda Blair Entra na Sala”, uma produção da Selvática com dramaturgia de Leonarda Glück e direção de Semy Monastier, na Casa Selvática. Saio de um infantil e onde eu faço uma abelha afiada para viver Linda Blair, uma mulher rica e extravagante que poderia ter tudo o que quer, mas que nunca consegue.
Miguel Arcanjo Prado — Por quê?
Patricia Cipriano — Seus desejos são abafados, contidos, eletrocutados, congelados, espancados pelos personagens masculinos que interferem em cada quadro, em cada entrada objetivando destruir essa mulher. É um espetáculo fortíssimo e incrível, uma das cenas acontece no hospital, onde Linda se encontra esperando um coração para transplante, o ambiente que se cria e os diálogos com o enfermeiro deixa os espectadores nocauteados pelo teor violento, nada diferente do que uma mulher hoje em dia vive. Essa personagem veio de encontro com uma pesquisa que tenho desenvolvido desde ano passado sobre a mulher no poder e como ela é vista nessa posição e é notória a demonização da mulher nessas situações.
Miguel Arcanjo Prado — O que fará depois?
Patricia Cipriano — Terminando essa temporada engato nas apresentações de “Terrível Incrível Aventura, Um Musical Fabulesco Marítimo”, produção do outro núcleo onde trabalho, a Cia. BifeSeco. Esse é um espetáculo super visual com canções próprias e um elenco incrível. Trata-se da história de um marinheiro cozinheiro que se apaixona pela mulher mais gorda do cais, porém, cada vez que ele se encontra esperançoso em se casar com essa mulher, aparece um pretendente novo que cozinha melhor e, por isso, ela sempre o abandona. Por trás dessa história falamos sobre a situação da Rússia e Ucrânia que disputam o território da Crimeia. Meu personagem é o Anton, um chef russo que chega no cais com seu discurso vasto, mas sem sentido, e que cozinha visceralidade, mesmo que para isso seja preciso matar ou morrer.
Miguel Arcanjo Prado – Tem mais projetos?
Patricia Cipriano — Tem. Entre uma coisa e outra desenvolvo ainda uma pesquisa solo que quero estrear em novembro, que se chama “Siririca”. É um trabalho bem pessoal que questiona os estudos sobre o clitóris e todo o mecanismo feminino, que durante muito tempo ficou sem ser estudado, a não ser por uma via do masculino ou que partisse de estudos primeiro do corpo do homem e depois o da mulher.
Miguel Arcanjo Prado — Do que você gostou mais nesta temporada em São Paulo? Vai vir mais vezes para cá? Gosta do intercâmbio?
Patricia Cipriano — Sou do interior paulista, de Lorena, mas quando escolhi ir pra uma capital, escolhi de cara Curitiba, mas quando fico em São Paulo dá uma vontade de ficar. Esse movimento mais frenético onde acontece tudo ao mesmo tempo me interessa muito. Ficar em aí e depois voltar parece que me deu um up na visão artística, não digo que aí é melhor, não é questão de melhor ou pior, falo de desejo pulsante. Trouxe essa pulsação daí comigo. São Paulo inspira e, quero demais, criar mais vínculos para que minha ida à terra da garoa seja mais constante. Estou aberta a convites [risos],
Miguel Arcanjo Prado — E como anda sua pós-banda, a Horrorosas Desprezíveis?
Patricia Cipriano — Lançamos agora um vídeo em parceria com a artista Dalvinha Brandão. Esse é o primeiro de uma série onde convidamos artistas de Curitiba para interpretar/performar nossas composições. O intuito é lançar um a cada mês, dentre as artistas convidadas temos Leonarda Glück, Patricia Saravy e Daniele Crystine. Também estamos com uma ações para movimentar a cidade e promover a Matilha, uma delas são os lambes, feitos pela artista Thalita Sejanes, que distribuímos pela cidade de Curitiba em pontos estratégicos. A partir desse lambe faremos camisetas que serão serigrafadas nos nossos shows ou em situações performáticas pelas ruas, marcadas previamente. Fora os shows em Curitiba, temos agendado um bate-papo sobre dramaturgia feminina e composição num evento da Fundação Cultural de Curitiba e nossa primeira aparição fora da terrinha será no Festival da Diversidade de Araçatuba – Plural: Festival de Cultura da Diversidade. Para esse ano também desejamos lançar nosso k7!
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