Estamos descendo a ladeira rumo ao precipício, diz ator Fernando Nitsch

Cena da peça “Os Maus”, que faz temporada na Cia. da Revista em SP – Foto: Juliana Smanio/Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado

No atual cenário da cultura brasileira, sobretudo o teatro, com cortes de verbas por todos os lados e falta de comprometimento do poder público com a arte, fazer teatro virou um ato de resistência.

Nesta linha está o espetáculo “Os Maus”, que faz temporada em São Paulo na Cia da Revista. No elenco estão Decio Pinto Medeiros, Fernando Nitsch, Gustavo Bricks, Heitor Goldflus, Mario Luiz, Mateus Menoni, Murilo Cezar, Nelsinho Ribeiro e Paulo Vasconcelos

Com referências como os livros “O Capital no Século XXI”, de Thomas Piketty, e “Deus, Um Delírio”, de Richard Dawkins, além das histórias em quadrinhos de Frank Miller, o espetáculo faz uma comédia política que flerta com o absurdo e o grotesco em uma história de perda e de vingança.

O diretor, dramaturgo e ator Fernando Nitsch conversou com o Blog do Arcanjo do UOL sobre a peça e o triste cenário cultural brasileiro atual. Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado — Vocês mergulharam em referências densas, que passam pela economia e a filosofia. Como isso resultou em trabalho voltado para a comédia?
Fernando Nitsch — Tínhamos algumas vontades com este projeto e talvez a grande busca era propiciar uma experiência potente para o espectador. Sabíamos que o tema era denso e não podíamos correr o risco de deixar a tese à frente do espetáculo. A visão de Bertolt Brecht sobre a importância do entretenimento com base do fazer teatral também estava presente no processo, e foi na sala de ensaio que descobrimos que o melhor para este espetáculo era utilizar o afastamento da identificação com os personagens que o gênero cômico possibilita no espectador, e este recurso seria interessante para valorizar o tema da peça.

Miguel Arcanjo Prado — Atualmente, o país se encontra em uma grande crise política. O quanto essa situação contribuiu para a criação do espetáculo?
Fernando Nitsch — O teatro sempre foi considerado a grande plenária de pensamentos políticos, sobretudo em tempos de crise. Desde 2013 estamos descendo uma ladeira rumo ao precipício e o nosso poder de mudar a rota ou frear neste declive está cada vez mais enfraquecido por uma anestesia coletiva. Tinha um profundo desejo de investigar o tempo presente em um espetáculo que possibilitasse trazer à tona uma visão sem rodeios e que dialogue diretamente com o seu tempo. Estamos vivendo um momento de desequilibro não só no cenário nacional, mas com um forte sinal de um grande conflito internacional. O teatro precisa trazer este mote aos palcos.

Fernando Nitsch em cena de “Os Maus”: temporada da peça está chegando ao fim em SP – Foto: Juliana Smanio/Divulgação

Miguel Arcanjo Prado —Além de toda a referência teórica, a peça também se inspira nos quadrinhos do Frank Miller?
Fernando Nitsch — Buscamos na obra de Miller o clima sombrio, a utilização das sombras e o clima noir existente em muitas de suas obras para construir a atmosfera da peça. Gosto muito de “Sin City” e “Batman – O Cavaleiro das trevas”. A construção das personagens de Miller com suas personalidades danificadas também serviu como inspiração para os nossos personagens.

Miguel Arcanjo Prado —- A montagem está na terceira temporada e não tem patrocínio e nenhum edital. Como tem sido fazer o teatro totalmente “na raça”?
Fernando Nitsch — Infelizmente, está se tornando uma rotina quando se fala de teatro alternativo. Tentamos tudo o que está ao nosso alcance. Todos os editais, leis de incentivo, convites para programadores culturais e não obtivemos uma reposta positiva, e por conta desta realidade, gostaria de deixar um agradecimento público aos meus atores e criadores envolvidos com este projeto. Todos os artistas envolvidos nesta jornada entraram neste processo por acreditar e entender a relevância deste tema nos dias de hoje. O desejo de discutir este tema no processo e a vontade de refletir sobre isso nos trouxe até aqui. Fazer teatro nestas condições exige de todos os envolvidos uma entrega ainda maior. Sabíamos das dificuldades ainda mais por abordar um tema tão delicado nos dias de hoje, mas hoje já na terceira temporada, percebo que todas estas limitações trouxeram para este coletivo de criadores uma experiência tanto na esfera artística quanto nas relações humanas uma ligação que nunca havia experienciado em qualquer outro processo. Estamos juntos nessa.

Miguel Arcanjo Prado — O que te move no teatro?
Fernando Nitsch — Hoje posso dizer que as relações humanas que busco em cada novo processo é o que me motiva. Descobrir um tema que considero interessante para investigar, e pessoas que me interessam, seja no campo afetivo ou artístico, para desenvolver algo a partir deste tema é o melhor dos mundos para mim.

“Os Maus”
Cia da Revista: Alameda Nothmann, 1135 – Santa Cecília, São Paulo – SP.
Telefone: (11) 3791-5200.
Temporada: Até 3 de setembro. Sábados, às 21h e domingos, às 19h.
Duração: 70 minutos. Preço: R$ 40 inteira e R$ 20 meia.
Classificação etária: 14 anos.
Gênero: Comédia Política.
Capacidade: 80 lugares.
Ingressos pela internet: http://compreingressos.com/espetaculos/7991-os-maus


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