Artista tem preguiça de apoiar o colega, diz Mari Paula, de Retrópica

A bailarina e atriz Mari Paula – Foto: Frank Pittoors/Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado

Recém chegada de uma temporada de estudos Europa, onde fez mestrado em Gestão Cultural Latino-Americana na Universidade de Granada, na Espanha, a bailarina e atriz Mari Paula apresenta seu espetáculo solo “Retrópica” nesta sexta (15), sábado (16) e domingo (17), sempre às 20h, com entrada a R$ 10, na Casa Hoffmann (r. Dr. Claudino dos Santos, 58, São Francisco), em Curitiba. Haverá uma sessão especial às 11h do domingo (17) com entrada gratuita.

O projeto, já apresentado na Casa Selvática, também na capital paranaense, onde é artista residente, foi contemplado pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna, edição 2015 e cujas novas edições estão congeladas pelo Governo Temer. A artista que já passou pelo Balé do Teatro Guaíra buscou referências na antropofagia e no tropicalismo para criar o solo. Ela conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo do UOL sobre este reencontro com o Brasil e se confessa decepcionada com o comportamento da classe artística diante da crise.

“Há preguiça em apoiar e fortalecer o trabalho do colega”, aponta. “A grande maioria está correndo atrás do seu pernil e no final das contas acabamos só chupando o osso”, fala, lembrando que é preciso “conferir em que pé está o nosso ego e agir de forma mais coletiva”.

Leia com toda a calma do mundo.

Mari Paula em “Retrópica” – Foto: Frank Pittoors/Divulgação

Miguel Arcanjo Prado — Você acaba de voltar da Espanha? O que foi fazer lá? 
Mari Paula — Espanha e eu temos um caso de amor que nasceu em 2013 por meio de um residência artística que realizei com o Coletivo Elenco de Ouro na cidade de Granada. Em 2016 finalmente cruzei o Atlântico e hoje resido lá, fui especialmente para finalizar meu Mestrado em Gestão Cultural Latino-Americana na Universidade de Granada e para viver um amor.

Miguel Arcanjo Prado —Como está sendo essa volta?
Mari Paula — Voltar é sempre uma questão. Eu quero voltar sempre. Aliás, a pesar dessa minha reflexão sobre a desintegração da classe artística, o Brasil e especialmente a cidade de Curitiba são a minha casa. Aqui encontrei parceiros artísticos e de vida que são inegavelmente insubstituíveis, inclusive Gabriel Machado e eu estamos com um projeto de levar para Granada alguns trabalhos daqui da cidade e concretizar algumas parcerias lá (como o caso de coletivos locais e a própria Universidade), com a finalidade de que esse “além mar” seja cada vez menos distante.

Mari Paula em “Retrópica”: influências da antropofagia e do tropicalismo – Foto: Frank Pittoors/Divulgação

Miguel Arcanjo Prado — Como você enxerga a crise na cultura atualmente no Brasil? 
Mari Paula — É difícil pensar em crise na cultura sem pensar em crise no seu contexto, como um todo. Quando eu me mudei para a Espanha, em julho de 2016, nós brasileiros estávamos acompanhando o árduo afastamento da Dilma. Do mesmo modo que eu sentia calafrios e desgosto, me dava certa esperança em relação à cultura, sim, pode parecer absurdo, mas eu estava convicta de que os trabalhadores da cultura iriam se unir e que dessa junção sairia um pensamento e uma produção cultural potente. Na verdade eu sempre tive essa sensação: quando eu escrevi “Retrópica”, estava estudando questões intrínsecas ao Movimento Tropicalista, e, mais do que as questões artísticas, me interessava a dimensão política que o movimento havia alcançado, por isso a ideia de “retropicalizar” sempre foi a de retomar a latência desse movimento e jamais uma tentativa de reinventar a roda daquele fazer artístico.

Miguel Arcanjo Prado — Os editais para a Cultura estão cada vez mais raros.
Mari Paula — Um ano já se foi, se foi também o Ministério da Cultura, que deu marcha ré e voltou atrás e a coisa está tão embolada que, só no governo Temer, já tivemos quatro ministros da Cultura. Dentro dessa pasta, alguns editais – conquistados a duras penas – que fomentavam a cultura nacional foram para o buraco. O próprio Prêmio (Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna) que recebi em 2015 para realizar o “Retrópica” já não existe mais, ou pelo menos está numa gaveta bem “velhusca”. Inclusive está circulando um Manifesto encabeçado pelo Colegiado Setorial de Dança – Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), que exige o lançamento desse Prêmio para o ano de 2017.

Mari Paula em “Retrópica”: “Artistas e produtores vem trabalhando de forma individualizada” – Foto: Frank Pittoors/Divulgação

Miguel Arcanjo Prado — O que acha do comportamento dos artistas diante desta crise?
Mari Paula — Sobre o assunto “perda políticas públicas culturais”, as perguntas que me circundam são: em que momento perdemos o tesão? Como seria fazer (voltar a fazer) arte independente? Quem te apoiaria? Evidentemente a luta por uma excelência na política pública cultural é necessária e deve continuar, eu mesma sou de uma geração que pode difundir a cultura brasileira em âmbito nacional e internacional, graças às políticas culturais conquistadas nos últimos quinze anos. Mas é de se admitir que, tirando algumas exceções, a maioria dos agentes da cultura vem apresentando um “quê” de preguiça em apoiar e fortalecer o trabalho do colega – tanto em trabalhos subvencionados como na cena independente -, os artistas e produtores culturais vem trabalhando de forma individualizada, e é isso que eu considero uma real crise, mais do que qualquer crise financeira, porque pobre a gente sempre foi, não é?

Miguel Arcanjo Prado — Todo mundo quer convite para ver a peça do colega, mas no bar ninguém pede cerveja. O que acha disso?
Mari Paula — Acho no mínimo triste. Esse é um dos muitos indicativos de desintegração da classe artística. Além daquele que não quer colaborar financeiramente com o trabalho do colega, tem o que nem se preocupa em sair da sua sala de ensaio para saber o que esta acontecendo na cidade, ou o que é indiferente em indicar ao “seu público” os trabalhos parceiros locais. A prática de rede esta bem longe do discurso que se dissemina e volto a dizer que, a pesar de algumas exceções, a grande maioria está correndo atrás do seu pernil e no final das contas acabamos só chupando o osso. Por consequência, empobrecemos artisticamente e nossa articulação política não vai para lugar nenhum, e sim dá voltas no próprio rabo.

Mari Paula: entre Espanha e o Brasil – Foto: Frank Pittoors/Divulgação

Miguel Arcanjo Prado — Ainda vale a pena fazer cultura no Brasil de hoje?
Mari Paula — É necessário. Há muito ainda que se dizer e muitas fissuras para se abrir. É confuso esse momento que estamos passando; vejo um Brasil mais latifundiário, bíblico e reacionário do que o que ginga e que celebra a vida, onde o único Carnaval latente é o da manipulação de massa. No entanto, me pergunto: em que momento da nossa história foi diferente? A crise é presente no nosso Brasil (e na América Latina) desde sempre, a modernidade europeia foi parida através do nosso ouro, nossa prata, nossas especiarias, nosso suor e nossa morte. Mas a questão é que sempre fomos capazes de nos reinventar e de descobrir potência nesse lugar de submissão que nos impuseram.

Miguel Arcanjo Prado — Como vê o Brasil hoje?
Mari Paula — Hoje eu vejo um país cansado, enganado e automatizado, falta ginga e sobra raiva. E é ai que entra a intervenção cultural, é nessa ferida que temos a obrigação moral de tocar. Nós artistas também somos responsáveis em difundir o entendimento de decolonialidade que já é forte corrente na América Latina e justamente por isso e não podemos desistir jamais. Deixa o povo (desinformado) ultrajar e dizer que “mamamos na teta do governo”, deixa o povo dizer que a pasta saúde é mais importante que a da cultura e “simbora” ressignificar tudo isso, porque no final das contas nenhum ser humano passa imune à uma intervenção artística diária, nem que seja um canção na Rádio FM. Acabe com as manifestações culturais das páginas da história, acabe com os realizadores dessas manifestações e se apagará a própria história. Nós trabalhadores da cultura temos que ser conscientes disso.

Miguel Arcanjo Prado — Você pensa em deixar o país? Por quê?
Mari Paula — Pretendo ficar lá e cá. Eu não perco a esperança no nosso país e na nossa capacidade de manifestação cultural e intelectual, mas acho que estamos enfraquecidos e precisamos encontrar alguma forma de dar a volta nessa tortilha. Acredito que nós, fazedores da cultura, temos por excelência um potencial sensível e de modificação histórica que não é para qualquer um. Mas o momento é de manter-se atento, conferir em que pé está o nosso ego e agir de forma mais coletiva.

Mari Paula em “Retrópica”: “Precisamos agir mais de forma coletiva” – Foto: Frank Pittoors/Divulgação

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