Por que é preciso ver o filme Uma Mulher Fantástica?
Por Miguel Arcanjo Prado
Correr para o cinema e ver o filme “Uma Mulher Fantástica” é obrigatório. Se você me pergunta por que, vamos lá.
Seu diretor, o chileno Sebastián Lelio, é apontado pela crítica internacional como o sucessor de ninguém menos do que Pedro Almodóvar, o espanhol que revolucionou o cinema com suas cores fortes, roteiros elaborados e repletos de dramas intensos e sexualidade sem limites.
Tudo bem, tem gente que acha isso, de comparar Lelio a Almodóvar, um certo exagero. Mas muitos por aí concordam. Este crítico ainda prefere esperar novas obras do chileno para decidir. Mas que o moço tem um talento gigante, isso é indiscutível.
Fato é que Lelio é extremamente sensível em sua narrativa sobre uma transexual que se vê diante de uma ironia da vida: o homem que ela ama e que a assume publicamente morre de repente. Diante desta morte, ela precisa lidar com toda a carga de preconceito do mundo ao seu redor, incluindo aí a ardilosa e ambiciosa família do falecido.
A cena na qual a personagem se curva diante de uma rajada de vento, mas se mantém de pé, já é antológica e uma das mais belas da sétima arte.
Daniela Vega: o maior motivo
Mas, vamos ao que importa: o principal motivo para ver o candidato do Chile ao Oscar de melhor filme estrangeiro é sua protagonista, a atriz Daniela Vega, a tal mulher fantástica que poderá entrar para a história do cinema como a primeira atriz transexual a ser indicada ao Oscar de melhor atriz — muita gente em Hollywood dá isso como certo.
Daniela Vega traz uma atuação sublime neste longa na pele da doce Marina. A agonia da personagem e o cuidado com que o diretor conduz sua triste sina trazem uma camada grossa de humanidade para este ser social na maioria das vezes invisibilizado, estigmatizado e rejeitado pela sociedade: a transexual, a travesti.
Por isso o fato de a atriz ser uma trans da vida real importa. E muito.
E é este o grande acerto do longa: apostar em uma talentosa atriz transexual para viver o papel de uma transexual. Pode parecer óbvio, mas isso ainda é algo recente no campo das artes e fruto de muita luta da comunidade T por representatividade diante da câmera e no palco — no Brasil há um recente manifesto sobre o tema e contra o trans fake.
Sobretudo na América Latina machista, coronelista e patriarcal, tal conquista deve ser celebrada. E copiada por roteiristas, novelistas, cineastas, produtores de elenco, diretores de teatro e toda a sociedade. Abram espaço para as trans nas artes e na vida.
E que “Uma Mulher Fantástica” ganhe todos os prêmios que merece, assim como sua protagonista. Porque história, já fez.