Artistas trans pedem espaço no cinema brasileiro
Por Miguel Arcanjo Prado
Enviado especial a Tiradentes (MG)*
Artistas transexuais lutam para conquistar espaço no cinema brasileiro, seja na tela como atores e atrizes ou também em funções de bastidores.
No evento que inaugura o calendário cinematográfico nacional, a 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o tema esteve presente em algumas rodas.
O “artivista” transexual João Maria Kaisen, que circulou pela cidade histórica mineira nos últimos dias buscando construir alianças com profissionais do cinema, espera que o diálogo entre produtores, diretores e artistas trans se intensifique.
Este foi o grande objetivo de sua viagem de Belo Horizonte, onde vive, a Tiradentes. Em conversa com o Blog do Arcanjo do UOL em um café da rua Direita, ele contou que espera que, no futuro, atores e artistas trans tenham mais personagens em filmes e que profissionais trans atuem nos bastidores de longas e curtas, seja como diretores, roteiristas ou mesmo em funções técnicas.
“É importante ter artistas trans participando de eventos como este. Por isso fiz questão de vir, para que haja uma pessoa trans circulando por estes espaços que muitas vezes nos são negados. Eu vim também como pesquisador trans para divulgar o projeto de nosso filme, feito pela Silvia Batista Godinho e a Claudia Santos com a Oficina de Criação, em Belo Horizonte, que estreia no começo do segundo semestre deste ano que se chama ‘Eu, Um Outro’. É um filme que fala do cotidiano de dois homens trans, Tales Rocha e Raul Capistrano. E a Silvia e a Claudia se preocuparam em contratar na equipe só pessoas trans, para que este olhar estivesse presente em todo o processo”, adianta Kaisen, que também integra a Academia TransLiterária.
Kaisen espera que sua viagem a Tiradentes dê frutos: “Vim buscar pessoas parceiras, que tenham interesse pelo tema da transexualidade: distribuidoras, diretores, produtores, imprensa, gente que se interesse pela inserção da população trans/travesti tanto em Tiradentes quanto em outros espaços artísticos. Onde estão as pessoas trans?”, provoca.
O artivista diz que a visibilidade trans deve ser uma luta de toda a sociedade, para tirar essas pessoas da marginalidade social e da estigmatização. “Um festival de cinema como este é um lugar que ainda precisamos lutar para estar, por isso é importante estarmos aqui em relação à nossa representatividade”, explica.
Kaisen destaca na programação de Tiradentes o curta “Vaca Profana”, de Rene Guerra, e o longa “Lembro Mais dos Corvos”, de Gustavo Vinagre, ambos protagonizados por atrizes trans. Mas afirma que “ainda é pouco” e que espera mais representatividade transexual nas telas e nos festivais.
“Não posso deixar de dizer que o Brasil é o país que mais mata população trans no mundo. A arte e a cultura são ferramentas no combate à discriminação e contra a violência da qual ainda somos vítimas”, fala.
O tema da transexualidade nas artes está mais do que atual, sobretudo após a polêmica no começo do ano em relação ao chamado “trans fake”, feito pelo Movimento Nacional de Artistas Transexuais, que gerou o manifesto “Representatividade Trans Já! Diga Sim ao Talento Trans”. Nele, artistas transexuais afirmam ser contra serem representados por atores cis, defendendo que papéis transexuais devam ser interpretados por artistas trans.
“Não queremos mais ser fetiche ou algo exótico. Há uma dificuldade de um artista trans dizer eu sou ator ou eu sou atriz. Eu sempre tenho de falar: eu sou o João Maria, ator trans. Eu posso em algum momento ser apenas o João Maria ator apenas? Então, é preciso mostrar não só depoimentos, mas trazer humanidade aos personagens trans. Somos pessoas e também queremos trabalhar no cinema e em todas as expressões artísticas. Abram espaço para nós”, finaliza.
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes.
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