Por Miguel Arcanjo Prado
É impressionante pensar que apenas em 2018 é lançado um filme de super-herói da Marvel com um negro de protagonista. Aliás, um não, vários.
Não há como negar que isso é fruto da árdua luta do povo negro norte-americano por representatividade, remetendo inclusive no título ao Panteras Negras, movimento político pelo socialismo e nacionalismo negro que causou furor nas décadas de 1960 e 1970.
A luta por representatividade negra ganhou força nos últimos tempos, sobretudo após a ausência de negros indicados ao Oscar em 2015 e 2016.
Isso gerou uma reação e um despertar para o talento negro na Academia nos anos posteriores, após muito protesto negro ao “Oscar muito branco”.
Parece que, com o susto de ser acusada de racismo em tempos que isso destrói reputações, a indústria cinematográfica hollywoodiana percebeu que um mundo de super-heróis exclusivamente brancos não dá mais. Nem no reino da fantasia.
Daí, dá gosto de ver a força negra como carro motriz do enredo meticuloso da saga do herói africano em “Pantera Negra”, este que é, sem dúvida, o melhor e mais bem resolvido filme da Marvel.
Imerso no afrofuturismo, com negros e negras poderosos e empoderados, o longa de duas horas e 15 minutos mergulha no conflito inter e intra-racial do povo negro, diante de suas relações com o mundo de poder branco.
De forma bem amarrada, o roteiro faz o beabá das contemporânesas questões identitárias e dá conta de praticamente todas as pautas que pipocam sobre a situação do povo negro, o racismo que este sofre dos brancos e a melhor forma de enfrentá-lo.
E o filme explicita o racismo do branco o tempo todo: seja mostrando o negro observado por seguranças em um museu ou na fala de um diplomata na ONU que diz, com desdém, que a África nada tem a oferecer ao mundo.
Aí mora o grande conflito do filme: diante da opressão secular do branco, o negro deve enfrentá-lo com ódio vingativo ou deve embarcar no pacífico discurso de integração e inclusão de todas as etnias em um pensamento comum e humanitário?
O filme dirigido pelo jovem negro Ryan Coogler, de apenas 31 anos, impõe ritmo alucinante à história, fazendo inclusive uma ousada e nada óbvia troca de vilão no meio do longa. O que torna o filme ainda mais complexo e necessário.
Ludwig Göransson e Kendrick Lamar criaram uma envolvente trilha que mistura batuques africanos ancestrais a sons dos felinos da savana, criando uma atmosfera inebriante para o espectador — uma preciosa dica é ver o filme nas salas Imax, que propõem um mergulho sensorial fundamental neste longa, como fez este crítico. Ah, e não deixe de ficar até o fim de todos os créditos. Você se surpreenderá com pistas da continuação.
Outro ponto forte do longa é o empoderamento da mulher, representado pelo viril trio feminino composto pela general Okoye (uma segura Danai Gurira), pela princesa e jovem cientista Shuri (Letitia Wright) e pela futura rainha Nakia (Lupita Nyong’o), todas negras de pele escura e poderosíssimas.
Outra força feminina é Angela Bassett, especialista em mulheres vibrantes e que imprime segurança e sagacidade à sua rainha-mãe Ramonda.
Em “Pantera Negra”, a mulher não é apenas o sonho platônico de um herói abobalhado, mas sua aliada na luta, demonstrando, inclusive, maior força e inteligência que ele.
Como o jovem rei T’Challa, o Pantera Negra, Chadwick Boseman constrói um herói humano e cativante, em duelo ideológico e literal com o primo Erik, um visceralmente hipnotizante Michael B. Jordan.
Se as crianças negras não tinham um grande super-herói para se identificar, agora ganham com “Pantera Negra” não só um, mas vários heróis que têm a mesma cor de pele que elas — e as crianças brancas e de outras etnias podem começar a admirar um super-herói negro.
Este é um feito histórico para a população negra dentro da indústria cultural hollywoodiana que traz autoestima e empodera as futuras gerações de negros e negras em todo o mundo.
Filme: “Pantera Negra”
Avaliação: Ótimo ✪✪✪✪✪
Siga Miguel Arcanjo no Instagram
Curta Miguel Arcanjo no Facebook
Siga Miguel Arcanjo no Twitter