Crítica: Débora Falabella e Yara de Novaes dominam Love Love Love
“Love, Love, Love” ✪✪✪✪
Avaliação por Miguel Arcanjo Prado: Muito bom
Reza o ditado que em time que está ganhando não se mexe. O Grupo 3 de Teatro, surgido em Belo Horizonte e radicado em São Paulo, confia na máxima. Por isso, segue com as fichas apostadas no autor inglês Mike Bartlett, de 37 anos, o mesmo do sucesso “Contrações”, que garantiu a Débora Falabella e Yara de Novaes o cobiçado Prêmio APCA de melhor atriz, dividido por ambas em 2013.
Desta vez, elas voltam à cena não mais como gerente perversa e funcionária humilhada, mas, sim, na pele de mãe e filha, no forte embate de gerações proposto pela peça “Love, Love, Love”, encenada no Teatro Vivo em São Paulo após sucesso em terras cariocas com direito a Prêmio Shell de melhor atriz para Yara de Novaes.
Eric Lenate assume o comando do típico drama britânico, carregado de leituras universais, mas, também, individualistas. Desta vez, o jovem e talentoso diretor opta por não imprimir sua costumeira mão pesada estética, apostando no realismo que deixe palatáveis as palavras minuciosamente escolhidas por Bertlett, traduzidas por Maria Angela Fontes Frederico. Estas fluem com naturalidade, privilegiando o trabalho criativo dos atores em cena, longe de serem marionetes robóticas de fórmulas prontas.
E o elenco, em sua grande maioria, parece compreender a proposta sofisticada do espetáculo. Sobretudo as duas mulheres em cena. Débora Falabella, que no primeiro ato faz a mulher que Yara virá a ser no segundo e no terceiro, nos quais torna-se a filha desta, mostra sintonia com sua colega de grupo, fundindo-se ambas em uma mesma energia: a de Yara, ímpar na cena teatral contemporânea.
Alias, é preciso que seja dito algo fundamental: Yara de Novaes é a melhor atriz brasileira da atualidade. Vê-la em cena é um deleite. E é impossível não se dar conta de qua televisão brasileira é mesmo uma completamente idiota de ainda não ter inventado uma novela que gire ao redor de Yara de Novaes. Porque, com uma boa personagem televisiva, ela engoliria tudo ao redor e tornar-se-ia, certamente, ídolo nacional. Coisa que todo o teatro já sabe que ela é. É preciso que alguém acorde os sonolentos produtores de elenco, diretores e roteiristas de TV.
Mas, voltemos a “Love, Love, Love”: ao ter Yara de Novaes ao seu lado, Débora Falabella demonstra ser atriz de coragem e que se pretende manter-se no risco de ser desafiada diariamente, o que só a faz crescer. Tanto que dá conta do recado no embate com sua mestra. Débora não faz feio e segura a energia lá no alto. E, em se tratando de contracenar com Yara de Novaes, esta não é tarefa fácil.
No elenco masculino, Mateus Monteiro faz corretamente o jovem conservador dos anos 1960, que não entende os passos apressados da juventude transviada ao seu redor – incluindo aí sua namorada e o irmão intelectual, estudantes de Oxford. Já Augusto Madeira até tenta alcançar o elenco com uma típica “atuação carioca”, extrapolando as bordas do sofisticado registro exigido pela obra.
Assim, o destaque entre os homens é Alexandre Cioletti, sobretudo no primeiro ato, no qual domina a cena com uma despretensiosa libido sempre em riste tal qual um Caetano Veloso do auge dos anos 1960, apropriadamente homenageado na trilha de L. P. Daniel com “Alegria, Alegria”, na lisérgica transição do primeiro para o segundo ato. Cioletti demonstra ser ator sensível e com capacidade de entendimento de uma obra tão profunda tal qual também demonstram suas duas colegas de cena.
Na parte técnica, a peça está muito bem servida. Gabriel Fontes Paiva, integrante do Grupo 3 de Teatro ao lado de Débora e Yara, desenhou uma iluminação sofisticada, que dialoga o tempo todo com as nuances de espírito do espetáculo. A cenografia de André Cortez, por sua vez, também é, evidentemente, fruto de extensa pesquisa da arquitetura do lar nos últimos 50 anos, com transições simples e certeiras que nos fazem viajar no tempo. Assim como Fabio Namatame, que, mais uma vez, mostra seu domínio nos figurinos, que parecem em alguns momentos saídos diretamente de nossos álbuns familiares.
E é justamente no álbum de família que reside a universalidade da peça “Love, Love, Love” – e também sua genialidade. Bartlett parece embaralhar diante de nossos olhos o embate familiar contemporâneo. Sua peça olha para a nossa cara e diz, com ares de deboche irônico que constata: nós não somos como nossos pais. Na verdade, somos um bando de pobres coitados, mimados, desamparados e patéticos.
“Love, Love, Love” ✪✪✪✪
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta, 20h, sábado, 21h, domingo, 18h. Até 27/5/2018. 110 min.
Onde: Teatro Vivo (av. Dr. Chucri Zaidan, 2460, CPTM Morumbi, São Paulo, tel. 11 3279-1520)
Quanto: R$ 50 (sexta) e R$ 60 (sábado e domingo)
Classificação etária: 14 anos