Exclusivo: Jorge Drexler explica canção para amigo que mudou sua vida
Por Miguel Arcanjo Prado
Ouvir o uruguaio Jorge Drexler traz a sensação de encontro com um músico que compreendeu o que é o humano. E uma das músicas mais tocantes e belas de seu novo disco “Salvavidas de Hielo” é “Pongamos que Hablo de Martínez”. A canção integra o repertório da turnê que o músico aporta nestes dias no Brasil. Desta sexta (13) a domingo (15), ele canta na Casa Natura Musical, em São Paulo.
A tal canção recorda uma importante noite vivida por Drexler há mais de duas décadas. Para ser mais preciso, a noite de 10 de dezembro de 1994, no Bar Lomizón, em Montevidéu, como ele revela em conversa exclusiva com o Blog do Arcanjo no UOL. “O Martínez do título é Joaquin Sabina, que na realidade se chama Joaquim Martínez Sabina”, explica o músico de 53 anos.
Sabina, ou Martínez, conheceu o trabalho de Drexler na capital uruguaia, onde fazia concerto. “Eu tocava na abertura do show dele no Uruguai, lá em Montevidéu”, recorda Drexler. Na noite rememorada na canção, após o show, eles saíram para tomar algo, e o músico espanhol fez a tal proposta que “mudaria a vida inteira” do uruguaio, como diz a canção.
“Depois do show, saímos para beber, e, durante o papo, ele me convidou a acompanhá-lo em Madri, em sua turnê”, conta Drexler, lembrando que a decisão de viajar para a Europa mudou completamente o seu destino, afinal, até aquele encontro, Drexler ainda se dividia entre a medicina e a música, que a partir daquele dia tomou sua vida por completo.
E a mudança foi definitiva: até hoje o músico vive na capital espanhola, de onde sai para suas turnês ao redor do mundo desde que se tornou um músico de proporções internacionais. “Para nomear a quem estou agradecido, vamos dizer que falo de Martinez”, termina a canção.
Drexler ficou mundialmente conhecido ao compor a trilha do filme “Diários de Motocicleta”, dirigido pelo brasileiro Walter Salles com o argentino Rodrigo de la Serna e o mexicano Gael García Bernal no elenco. O longa abocanhou o Oscar em 2005 de melhor canção original para “Al Otro Lado del Río”, de Drexler.
Só que a equipe do maior prêmio do cinema não permitiu que Drexler cantasse sua música , função que coube ao espanhol Antonio Banderas – provavelmente algo que os norte-americanos consideraram mais próximos comercialmente de um cantor uruguaio.
Entretanto, ao receber a estatueta, Drexler quebrou o protocolo nos agradecimentos e, dando um tapa com luva de pelica na organização do Oscar, cantou sua canção, comovendo o mundo inteiro e arregimentando legião de fãs com sua corajosa e nobre atitude, logo convertida em metáfora da relação latino-americana com os EUA.
Com sucesso de público e ingressos esgotados — o que talvez tenha feito com que sua produção, chefiada pela Music Tour, tratasse com certa animosidade parte da imprensa brasileira que sempre prestigiou o trabalho de Drexler —, a turnê “Salvavidas de Hielo” passa por sete cidades brasileiras.
Ele já passou por Fortaleza e Rio. Faz este fim de semana em São Paulo. Depois, segue para Salvador, Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre.
Mesmo há tanto tempo morando na Europa, o artista não perde a ligação musical com o Uruguai, sobretudo com o ritmo afro-uruguaio do candombe, base de muitas composições suas.
“Salvavidas de Hielo” tem 11 canções inéditas, sucedendo à altura o belíssimo disco anterior, “Bailar en la Cueva”, que contou com participação emblemática de Caetano Veloso na reta final da faixa “Bolívia”, música feita para o país que abrigou seus antepassados fugidos de Hitler.
Temas recorrentes em sua obra, a migração (ele é filho de imigrantes judeus que rumaram para a América Latina para escapar do horror do nazismo) e a tecnologia estão presentes em músicas como “Movimento”, que diz “somos uma espécie em viagem, não temos pertences nem bagagem… eu não sou daqui, mas você tampouco”, e “Telefonia”, uma ode à invenção do século 19: “Que viva a telefonia em todas suas variantes”, diz ele diante do ato de ouvir a voz amada, independentemente se atualmente seja por um áudio de whatsapp.
De olho nos novos tempos digitais e suas novas relações interpessoais, com “todo mundo tentando vender-te algo, todo mundo querendo comprar-te”, Drexler apresenta a inteligente “Silêncio”, música na qual manda seu retumbante recado silencioso aos sanguessugas digitais e da vida real. Àqueles que só querem o venha a nós.
E, claro, há no disco o hit dançante “Estalactitas”, com seu grudento refrão “na na na na na”. A música lembra nostálgica uma juventude uruguaia em “Montevidéu que era um livro aberto”, cheia de esperança e farto futuro. Um futuro que, até o momento, tem sido belo e generoso para o tal homem chamado Jorge Drexler.
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