Por Miguel Arcanjo Prado
Aos 96 anos, a grande atriz Ruth de Souza chamou a atenção ao surgir na nova temporada da série “Mister Brau”, na Globo, nesta terça (1º).
Contudo, o que realmente chama a atenção é o fato de a televisão brasileira dar pouco destaque e reverência a esta mulher artista pioneira, com trajetória tão brilhante quanto a de colegas de sua geração como Nathalia Timberg ou Fernanda Montenegro.
Outro fato que merece ser notado é que Ruth de Souza volte à TV justamente na série “Mister Brau”, protagonizada por Lázaro Ramos e Taís Araújo, dois atores que sempre reverenciaram seu trabalho.
Se Lázaro e Taís não se lembrassem de Ruth de Souza, ninguém mais na Globo se lembraria?
Sua última aparição na emissora foi há vergonhosos oito anos, em uma ponta longe da altura do talento da atriz, interpretando o pequeno papel “Velha Oxalá”, na série “Na Forma da Lei”.
Ruth tem 20 novelas da Globo no currículo, em grande parte das quais interpretou personagens escravas ou empregadas domésticas. Foi o que diretores e autores consideraram que ela pudesse fazer, reflexo do pensamento racista que estrutura nossa sociedade desde os tempos escravocratas.
Mesmo com muitos papéis secundários, Ruth sempre se destacou, graças a seu enorme talento, enfrentando o racismo com a cabeça erguida, repleta de coragem, força e ousadia. É exemplo para qualquer negro deste país.
Ruth de Souza é nome histórico não só da televisão, quanto do cinema e do teatro. Merece aplauso, glória, como dão a tantas outras pioneiras de sua geração.
Ela foi a primeira atriz negra a representar no tradicional e até então excludente palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, quando encenou em 1945 “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neil, com o Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento e Agnaldo Camargo.
Na TV, trabalhou nas principais emissoras, como Tupi, Record, Excelsior e Globo, onde foi contratada em 1968 e onde fez mais de 20 novelas.
Enfrentar o racismo e ter de provar sua competência bem mais que atrizes brancas de sua geração foi o cotidiano da carreira desta mulher batalhadora, nascida em 12 de maio de 1921, no Engenho de Dentro, no Rio, filha de um lavrador e de uma lavadeira.
Desde menina, sonhou mais alto: ser atriz, mesmo quando isso parecia algo impossível a uma garota negra como ela.
Após passar pelo Teatro Experimental do Negro, em 1948, ela conquistou uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller e foi estudar na Howard University, uma universidade exclusiva para negros, em Washington. Nos Estados Unidos, cursou ainda a escola teatral Karamu House, em Cleveland, Ohio.
De volta ao Brasil com o currículo invejável, sua primeira novela foi “A Deusa Vencida” (1965), de Ivani Ribeiro, na Excelsior. Já na Globo, fez o sucesso “A Cabana do Pai Tomás” (1969), que trazia o ator branco Sérgio Cardoso como protagonista e fazendo black face. Na trama, Ruth era Tia Cloé, uma das líderes do movimento que levou à abolição da escravidão nos Estados Unidos.
Ela esteve ainda em novelas como “Pigmalião 70” (1970), “Os Ossos do Barão” (1973), “O Rebu” (1974), “Helena” (1975) e “Duas vidas” (1976). Outro momento histórico de sua carreira foi quando fez dupla com Grande Otelo em “Sinhá moça” (1986), de Benedito Ruy Barbosa, na qual seus personagens escravos ganharam protagonismo na trama, fruto do carisma e do talento dos dois.
No cinema, Ruth também tem trajetória brilhante em mais de 30 filmes, entre eles “Sinhá Moça”, que a levou a concorrer ao prêmio de Melhor Atriz do Festival de Veneza de 1954. Ainda são títulos importantes em sua filmografia “O Assalto ao Trem Pagador” (1962), de Roberto Farias; e “As Filhas do Vento”, de Joel Zito Araujo, com o qual foi premiada no Festival de Gramado de 2004.
Além ainda protagoniza o filme já premiado internacionalmente “Primavera”, ao lado de Ana Paula Arósio, sob direção de Carlos Porto de Andrade Jr.. O longa ainda não estreou no Brasil.
Diante de tal currículo, fica a conclusão: Ruth de Souza tem menos do que merece da TV. Por quê?