Caetano Veloso se renova na diversidade de seus filhos – O Retrato do Bob
Por Miguel Arcanjo Prado
Foto Bob Sousa
Sozinho, no camarim 1 do Espaço das Américas, na noite fria de São Paulo, Caetano Veloso toca em seu violão “Trem das Cores”, acompanhando a música com seu próprio assobio. Do lado de fora, no backstage, tudo é paz. Moreno Veloso, seu filho mais velho, anda, concentrado. Logo, voltam de um passeio pelos arredores os mais novos Zeca Veloso e Tom Veloso. Em poucos minutos, o quarteto familiar está formado. Caetano vem, junto aos filhos, para o lugar sugerido pelo fotógrafo Bob Sousa para seus retratos. Educados, todos cumprimentam todos. O primeiro clique é de “painho”, como o chama carinhosamente sua mulher, empresária do clã e mãe dos dois mais novos, Paula Lavigne —esta só chega quando o último clique foi realizado, com a energia de quem sustenta, onipresente, o fluxo para que tudo dê certo, me fazendo lembrar o verso “todo homem precisa de uma mãe”, composto e cantado por Zeca no show. Liberado do retrato sozinho e com os filhos, Caetano não se vai. Fica ali, parado ao meu lado, atrás de Bob, que segue seu trabalho, fotografando individualmente os meninos. Caetano observa, com uma expressão satisfeita, os filhos posarem. Um a um. Olho para o lado e vejo um pai orgulhoso de sua cria. O sorriso no rosto do artista explicita a felicidade de ver seu fruto unido a ele neste show “Ofertório”, lançado em DVD e nas plataformas digitais, após sucesso nos palcos brasileiros. Sobre a canção-título, mais tarde, ele explica: “Escrevi as palavras como se fossem ditas pela minha mãe e, agora, as repito em homenagem à religiosidade dos meus filhos”. Aos 75 anos, Caetano sabe que os dedos da mão não são iguais e se renova na diversidade de seus filhos. Dali a pouco tempo, no palco, Tom vai dançar desavergonhadamente o jovial passinho no funk “Alexandrino”, enquanto que Moreno incorpora o tradicional samba de roda do Recôncavo Baiano com o prato na companhia do pai e Zeca, mais tímido, arrisca um tímido passo de samba carioca naquela exuberância musical, diversa e familiar, em diálogo com o ontem e o hoje. Caetano lembra que Moreno tem 20 anos de carreira, Tom, dois, e que Zeca se inicia, enquanto que ele está por aí há muito tempo. Já também liberado de seu retrato, o primogênito Moreno se aproxima. Aproveito para parabenizar pai e filho pela regravação de “Um Canto do Afoxé para o Bloco do Ilê”. E revelo que minha avó, a ialorixá Oneida Maria da Silva Oliveira, a Mãe Gigi, gostava de me ensinar, pequeno, em Belo Horizonte, a cantar aquela canção baiana, na qual a voz aguda do menino Moreno repetia, singela para o pai, o nome do bloco afro Ilê Aiyê. E que eu, quando ouvia, pequenino, perguntava a vovó se era a própria criança da música, ao que ela me elucidava: “É Moreno, filho de Caetano”. Moreno ri, Caetano também. Parecem gostar da ressignificação íntima daquela canção na cabeça do jornalista. “É a Bahia”, me define Caetano, antes de explicar, carinhosamente: “Agora é Tom quem diz Ilê Aiyê”. E repete o tom agudo do caçula ao bradar o nome do bloco afro tal qual o primogênito fez no disco “Cores, Nomes”, aquele que também traz “Trem das Cores”, a tal canção assobiada momentos antes por Caetano, sozinho, no camarim 1 do Espaço das Américas, na noite fria de São Paulo.
Bob Sousa é fotógrafo, mestre em artes cênicas pela Unesp e crítico de artes visuais da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes). Todo sábado retrata aqui no Blog do Arcanjo no UOL uma personalidade do mundo da Cultura e do Entretenimento.