Um povo é feito de suas memórias. E a trajetória de um artista vai num rompante até que o mesmo se dá conta de quais são as suas origens.
Contudo, apenas os grandes são capazes de reverenciá-las.
Em meio a uma nova geração que chega empoderada no próprio umbigo, sem nenhuma noção de respeito histórico nem referências, Ivete Sangalo dá uma lição ao fazer deferência a Gilberto Gil.
Afinal, Gil, precursor da tropicália que fez a MPB dialogar com o pop e o rock, é uma espécie de semente germinal para a geração que floresceu na Bahia após os anos 1980 e 1990, criando o gênero de enorme sucesso comercial denominado axé music, do qual Ivete, grande estrela do Carnaval baiano, é a maior expoente.
Ao fazer um show de compadrio entre conterrâneos, Ivete e Gil criam um diálogo geracional de afeto e de respeito mútuo exemplar na trajetória da música baiana e brasileira.
Tal qual como Gilberto Gil e Caetano Veloso reverenciaram sempre os baianos antecessores Dorival Caymmi e João Gilberto, Ivete o faz com Gil.
No efervescente show desta sexta (1º), que inaugurou o Allianz Parque Hall, em São Paulo, Gil, generoso, afirmou ao público que envelhecer deste jeito, podendo estar ao lado da grande artista que Ivete é, trata-se de uma dádiva.
Ivete também fez questão de se posicionar com igual generosidade e verdade — e fez questão de verbalizar isso junto ao público — se colocando como tiete diante do ídolo Gil, afirmando que ele sempre foi um norte em sua carreira.
Nesta proposta de troca, o repertório manteve-se tradicional, com cada qual assumindo seus hits — uma alternância de arranjos ou releituras de sucessos teria sido algo mais provocativo.
De todo modo, o público soube identificar e fluir no ritmo de cada um, na proposta de cada artista, ali, em desejo real de diálogo mútuo.
Em uma integrada e fluída banda, que misturou músicos que acompanham a ambos com excelente qualidade musical, Gil apresentou seus clássicos históricos como “Realce” e “Toda Menina Baiana”, já integrantes do imaginário afetivo de muitas gerações, lugar que Ivete começa também a ocupar já estando próxima dos 25 anos de carreira e entoando ainda com igual energia hits como “Sorte Grande”.
Outro fato importante a ser reiterado é o modo como Ivete e Gil reverenciam a música negra baiana, como quando entoaram juntos “Faraó”, canção emblemática lançada por Margareth Menezes em 1987, fazendo os tambores oriundos dos blocos afro soteropolitanos ecoarem pelo estádio futurista.
Ivete mostra ser grande ao reverenciar Gilberto Gil e a Bahia, lugar de onde nunca duvidou que fosse e do qual ambos são grandes representantes na memória afetiva de um povo que faz a história cultural brasileira.
Crítica por Miguel Arcanjo Prado ✪✪✪✪
“Ivete e Gil”
Avaliação: Muito Bom