O Retrato do Bob: Moreno Veloso, fruto tropicalista que une música e física
Por Miguel Arcanjo Prado
Foto Bob Sousa
No palco do show “Ofertório“, ao lado do pai, Moreno Veloso demonstra a paz e o conforto que emana de sua música, sendo espécie de farol físico-quântico da atmosfera presente no espetáculo familiar, ao lado também dos irmãos mais novos, Zeca e Tom Veloso, como quando revisita de forma sensível “Deusa do Amor”, do cancioneiro do bloco afro Olodum.
Após passar por São Paulo no Espaço das Américas e pelo Festival João Rock, o quarteto familiar apresentou nesta sexta (15) o álbum no Vivo Rio, no Rio de Janeiro, onde repete o show neste sábado (16) às 21h antes de iniciar turnê internacional.
Moreno é filho primogênito de Caetano Veloso, fruto de um dos períodos mais férteis e também difíceis da carreira do pai. Nasceu em Salvador da Bahia, em 22 de novembro de 1972, quando da volta do pai do exílio londrino, fruto do casamento de Caetano com Dedé Gadelha Veloso.
Fruto do tropicalismo, da antropofagia e do desbunde da contracultura que dominou boa parte dos anos 1970, surgiu nu ao lado dos pais em igual condição na libertária e censurada capa do disco “Joia”, de 1975.
Mais tarde, em 1981, surgiu, menino, tendo sua doce voz como compasso de “Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê”, do disco “Cores, Nomes”, canção revisitada agora em “Ofertório” no qual o caçula Tom lhe herda a tarefa de dizer o nome do bloco afro Ilê Aiyê.
Formado em física, o que o torna especialista nas ondas energéticas tão evidentes na música que faz há 20 anos de forma profissional, Moreno Veloso posou para o fotógrafo Bob Sousa nos bastidores do show familiar, sozinho e ao lado do pai e dos irmãos. Depois, conversou de forma tranquila com o Blog do Arcanjo.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Moreno, você já é pai também. Como é no palco agora ser filho e irmão? O que passa por sua cabeças nestes shows em família do “Ofertório”?
Moreno Veloso — Ficar junto da família enquanto a gente faz algum trabalho artístico é muito forte, muito positivo. Eu fico muito feliz e excitado vendo meus irmãos cantando as músicas deles e eu estando ao lado deles, porque eu também os vi crescendo e assim como estou vendo meus filhos crescerem também, assim como eu tenho uma admiração enorme pelo meu pai como artista e também como pai, então, tudo isso junto é uma emoção muito grande. E na minha cabeça quando a gente está no palco vem vários flashes, imagens da minha infância, de meu pai cantando, da gente na praia. Eu vejo imagens também do Zeca pequenininho, da Paulinha grávida do Tom. Eu vejo imagens do Tom bebezinho, da gente brincando junto, das primeiras vezes que vi o Zeca cantar e tocar suas composições e tudo isso vai passando pela minha cabeça durante o show, e é muito emocionante mesmo.
Ouça “Ofertório”, de Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso
Miguel Arcanjo Prado — No que você é baiano e no que é carioca?
Moreno Veloso — Eu sou mais baiano no nascimento, porque foi em Salvador a cidade em que eu nasci e também a família, toda a parte familiar é baiana, dos dois lados, da minha mãe e do meu pai, basicamente. Na educação culinária e musical eu também sou muito mais baiano. Na educação formal, eu sou carioca, porque eu fiz minha faculdade no Rio de Janeiro, os meus amigos de escola são todos cariocas como o Pedro Sá, o Domênico, o Cassinho, então tem uma coisa da minha vida profissional dentro da música que está muito ligada ao Rio de Janeiro, porque está ligada à essas pessoas que acabei de citar.
Miguel Arcanjo Prado — E quais são seus lugares preferidos em Salvador e no Rio?
Moreno Veloso — Sobre os meus lugares favoritos, é difícil dizer. A Bahia é um lugar maravilhoso, mas acho que eu escolheria o Porto da Barra, como lugar emblemático de Salvador. Do Rio de Janeiro, não sei. Acho que dar uma volta no fim de tarde na Lagoa Rodrigo de Freitas é uma coisa que não tem preço. Se o dia estiver bonito, misericórdia.
Miguel Arcanjo Prado — No que você é mais Veloso e no que é mais Gadelha?
Moreno Veloso — Eu sou mais Veloso na música e no samba de roda e sou mais Gadelha na física, porque fui trabalhar, me formei em física na UFRJ, trabalhei em um laboratório, então, essas duas vertentes compõem a minha pessoa também. E eu realmente sou filho da minha mãe e do meu pai, em muitos outros aspectos, não só na física e na música, mas isso fica para depois.
Ouça “Ofertório”, de Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso
Miguel Arcanjo Prado — Estudar física foi importante para você em que sentido?
Moreno Veloso — Estudar física foi muito importante porque é um sonho, uma coisa que existe até hoje dentro de mim, esse pensamento filosófico matemático, uma representação mais geométrica matemática da existência da natureza, do universo, essa pesquisa e também, principalmente porque a gente não deixa nossa cabeça esmorecer, a gente não deixar de exercitar nosso cérebro. Isso é super importante pra musica, pra vida, pra tudo. Então, se você tiver oportunidade de fazer o seu cérebro trabalhar – e na física a gente faz ele trabalhar muito – se você tiver a oportunidade de fazer esse exercício, não perca, porque é muito bom. Vale a pena e faz bem à saúde.
Miguel Arcanjo Prado — Como foi tocar com Gil em “Refavela 40” e na sequência emendar o trabalho com seu pai e seus dois irmãos em “Ofertório”? Como é ser esta ponte de diálogo entre estes dois trabalhos?
Moreno Veloso — É uma felicidade enorme fazer parte desse “Refavela 40” que o Bem Gil [filho de Gilberto Gil e Flora Gil] arrumou e regenciou para nós todos. Ele me chamou e eu fiquei muito feliz. “Sandra” [canção que canta no show com a família Gil] é uma das músicas de amor mais bonitas que eu conheço. É o nome de minha tia com quem Gil foi casado [Sandra Gadelha, irmã de sua mãe, Dedé Gadelha] e teve 3 filhos, meus primos, dentre eles a Preta Gil, que é minha prima. São pessoas que eu amo e é uma felicidade enorme fazer parte dessa festa em homenagem aos 40 anos do disco “Refavela”. E claro que, na sequência, no mesmo festival [João Rock], no mesmo palco, logo depois desse show lindo do “Refavela”, fazer o show com meu pai e meus irmãos foi uma coisa incrível. Ficar no meio entre o Gil e os filhos dele, meu pai e meus irmãos… Eu fiquei realmente muito feliz. Não tenho muitas palavras para dizer. É maravilhoso.
Ouça “Ofertório”, de Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso
Miguel Arcanjo Prado — Você já misturou em um show a banda argentina Onda Vaga e Daniela Mercury e Muzenza. Isso é muito você?
Moreno Veloso — É verdade. Eu já misturei OndaVaga com Daniela Mercury, o Muzenza, mas veja só, isso é minha educação. Meu pai é tropicalista. Esse pessoal gosta de antropofagia e isso nada mais é do que também uma postura de muito respeito para as coisas que eu admiro e que eu acho que podem ficar lado a lado. No Brasil, a gente encontra essas pessoas, esses músicos, esses artistas, essas bandas maravilhosas e também na Argentina, fora do Brasil e em qualquer lugar, a gente não pode ter medo e muito receio de fazer eles ficarem juntos dentro do nosso universo, porque o nosso universo é o nosso gosto, é o que impulsiona a gente, e essas coisas impulsionam a minha vida artística. Não sei se é assim pra todo mundo, mas com certeza é pra mim. Eu me movo dentro das coisas que me deixam excitado, e com certeza essas são algumas delas e outras também, e por aí vai.
Bob Sousa é fotógrafo, mestre em artes cênicas pela Unesp e crítico de artes visuais da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes). Todo sábado retrata para o Blog do Arcanjo uma personalidade do mundo da Cultura e do Entretenimento.