Por Miguel Arcanjo Prado
Foto Bob Sousa*
No centro de polêmica nos últimos dias por não abrir mão de ser uma mulher de opinião própria, Gaby Amarantos surgiu conscientizada e empoderada, com seu black power, diante do fotógrafo Bob Sousa para o Blog do Arcanjo no UOL em seu camarim na Casa Natura Musical. Era noite deste sábado (16) e faltavam poucos minutos para ela subir ao palco e lançar o novo show de título emblemático: “Sou + Eu”, também nome da nova canção e clipe com elenco negro e indígena.
Gaby demonstrou a cada momento da apresentação a força da mulher negra, acostumada a sofrer ataques, mas que não baixa a cabeça diante deles e os responde com coragem e poder. De cara, o batuque ecoou com sua experimentada banda composta só por mulheres: DJ Miria Alves nas bases, Anna Tréa na guitarra e Gisahs Silva na percussão. No palco, fez desfilar um potente e diversificado time de convidados: Preta Rara, Aretuza Lovi, Kell Smith, Jhonny Hooker e Jaloo – que celebrou dividir palco com ela pela primeira vez.
“Eu sou mais quem acha que falar de racismo, homofobia, machismo e misoginia não é mimimi! Eu sou mais quem acha que gordofobia e todas as lutas sociais são verdadeiras! Eu sou mais eu!”, bradou a paraense, sendo fortemente aplaudida. E reiterou: “A mulher negra vai ter voz, sim!”.
Para não deixar dúvidas, abriu o show com a emblemática “Faraó”, que lançou Margareth Menezes em 1987 no Carnaval de Salvador com sua voz forte ecoando pelo Pelourinho reivindicando a ancestralidade africana no mesmo largo em escravos eram castigados. A forte presença coreográfica das bailarinas Darlita Albino e Jéss Nascimentto ao seu lado impulsionou ainda mais a canção. Ela ainda reverenciou a mineira Clara Nunes com o “Canto das Três Raças”.
O ápice do discurso defendido por Gaby Amarantos em seu novo show se deu no bloco de funks ao lado da MC Preta Rara, ex-empregada doméstica que se uniu a outras domésticas para denunciar abuso de patroas com a hashtag #Euempregadadomestica. Ambas desconstruíram letras machistas, apresentando novas versões de hits do gênero. Em vez de “Só as cachorras, as preparadas, o baile todo”, cantaram “Eu sou cachorra, empoderada, não me abusa”, para depois mandar: “Pula, sai do chão, desconstrói esse Tigrão”. E celebrar Elza Soares com “Maria da Vila Matilde”: “Cê vai se arrepender se levantar a mão pra mim”.
“Mamma África”, de Chico César, também foi ponto forte do show, com ela improvisando: “Ser negona do Jurunas deve ser legal”, fazendo referência ao bairro pobre em Belém onde surgiu. Repaginada e demonstrando uma musicalidade com arranjos mais sofisticados, Gaby Amarantos guardou espaço no show para revisitar seus sucessos “Ex-My Love” e “Xirley” e ainda prestar tributo à música amazonense com “Tic Tic Tac”.
Aquela garota paraense que surgiu para o Brasil entoando de forma debochada e sedutora “eu vou samplear, eu vou te roubar” mostra em “Sou + Eu” que o tempo e o sucesso só lhe deixaram ainda mais consciente da dor e da delícia de ser o que é. E, deste lugar de consciência, ela deixa bem evidente: não há volta.
*Bob Sousa é fotógrafo, mestre em artes cênicas pela Unesp e crítico de artes visuais da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes). Toda semana retrata para o Blog do Arcanjo no UOL uma personalidade do mundo da Cultura e do Entretenimento.