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Valeu, Maria Gladys: 13ª CineOP celebra atriz, imagem da utopia no cinema

Maria Gladys é homenageada na 13ª CineOP: imagem da utopia no cinema e da classe trabalhadora na TV – Foto: Leo Lara/Divulgação/Universo Produção – Blog do Arcanjo – UOL

Por Viviane A. Pistache*
Enviada especial a Ouro Preto

Na décima terceira edição da CineOP, a charmosa Mostra de Cinema de Ouro Preto que começou no dia 13 e chega ao fim na noite desta segunda (18), a grande homenageada foi a atriz Maria Gladys. Em quase 80 outonos de vida, ela testemunhou os principais movimentos culturais brasileiros desde a segunda metade do século passado, com seus olhos de jabuticaba provocadores e meigos.

Com  60 anos de carreira e mais de 40 filmes no currículo — que vai muito além de ser ex-namorada de Roberto Carlos e avó da jovem atriz britânica Mia Goth, do filme Ninfomaníaca, de Lars von Trier —, Gladys é certamente um tesouro da nossa sétima arte. E a programação da CineOP faz justiça a essa trajetória. No ano em que a cidade de Ouro Preto lançou um calendário especial de comemorações da importância histórica do seu patrimônio.

A exemplo dos 280 anos do nascimento de Aleijadinho, uma das riquezas desta edição da CineOP é o compromisso  com a preservação do nosso acervo cinematográfico, com especial interesse nos debates sobre história, educação, arquivo e restauração, para que as diferentes gerações tenham consciência dos distintos movimentos políticos e estéticos que deram face e voz ao nosso cinema.

Maria Gladys encarna essa história, como atesta sua atuação nas escolas historicamente conhecidas como Cinema Novo e Cinema Marginal. E quem esteve no Festival teve a oportunidade de conferir algumas obras fundamentais em sua carreira, a exemplo do curta-metragem Maria Gladys, uma atriz brasileira dirigido por Norma Bengell e Sem Essa Aranha, longa-metragem de Rogério Sganzerla.

Maria Gladys, aos 78 anos, tem os 60 anos de carreira festejados na 13ª CineOP – Foto: Leo Lara/Divulgação/Universo Produção – Blog do Arcanjo – UOL

A exibição do primeiro filme foi possível graças ao trabalho de restauração feito especialmente para esse edição da Mostra. O documentário é uma rara e preciosa parceria de duas mulheres fundamentais da história do nosso cinema. Certamente carreira de Norma Bengell  deve ser celebrada por sua atuação primorosa à frente das telas, mas é igualmente necessário resgatar e respeitar seus esforços como diretora, tendo em vista que nossa historiografia fílmica comumente celebra tão somente o seu panteão masculino.

Assim, disputar espaço no campo da direção foi uma batalha da qual Norma Bengell não se esquivou, tecendo os resistentes fios históricos de uma presença marginal no cinema. E em seu filme ela interpela sentidos possíveis sobre a mulher brasileira, a partir da figura icônica de Maria Gladys.

A canção Índia, interpretada por Gal Costa abre o filme e nos dá uma pista sobre o Tropicalismo que Gladys encarna. Mas a tomada de consciência dos significados políticos de ser quem é, foi um processo complexo na história de vida da atriz, que em entrevista revelou que por um tempo, tentou negar a realidade do seu corpo, pois assim como muitas mulheres brasileiras, mestiças ou negras, o padrão de beleza europeia é uma camisa de força que aprisiona.

Maria Gladys sabe a dor e a delícia de ser uma mulher brasileira: homenageada na 13ª CineOP – Foto: Leo Lara/Divulgação/Universo Produção – Blog do Arcanjo – UOL

Mas, Maria Gladys conheceu de perto a face potente e perigosa da liberdade. Essa carioca, suburbana convicta e dona de seu corpo, correu mundo e  perigo  para conhecer as dores e a delícia de ser uma face da mulher brasileira.

Em Sem Essa Aranha, Maria Gladys dá face e voz a um Brasil que tem fome, que é explorado e atolado num apocalípse político que soa mais atual do que nunca. O filme é um  precioso encontro entre o cinema marginal e o popular brasileiro, que conta ainda em seu elenco com o lendário Zé Bonitinho como Aranha, o porta-voz do absurdo político brasileiro e ainda o saudoso Luiz Gonzaga.

Essa obra é uma das muitas em que Maria Gladys atua sob o olhar de Rogério Sganzerla, grande parceiro de sua carreira, assim como Ruy Guerra, Neville d’Almeida, o mineiro Helvécio Hatton, Erik Rocha (filho do grande Glauber Rocha); a nova geração de Recife a exemplo de Bruno Sáfadi, Cláudio Assis; as diretoras Betse de Paula, Cininha de Paula, Paula Gaitán; o global Daniel Filho e tantos outros grandes nomes da direção do cinema  brasileiro que trouxeram à tona o vulcão cênico que é Maria Gladys.

Valeu, Gladys: Maria Gladys contribuiu muito para a história de nossas artes – Foto: Leo Lara/Divulgação/Universo Produção – Blog do Arcanjo – UOL

Apesar do destaque dado à sua carreira no cinema, Gladys também relembrou sua passagem pela TV e sobretudo sua amizade e parceria com o diretor Miguel Falabella. Um ponto alto da sua trajetória na TV foi viver a empregada Lucineide da novela Vale Tudo. Essa é uma das muitas empregadas vividas pela atriz nas telenovelas.

Se no cinema ela é a face brasileira da utopia, na TV encarna a classe trabalhadora  num país tão desigual. Mas, Gladys tem fortes raízes políticas e compreende a importância e a grandeza da empregada doméstica, ainda que na dramaturgia brasileira essa categoria seja reiteradamente relegada a um imaginário de subserviência.

Sem dúvidas, a atriz Maria Gladys é uma face possível da revolução nas telas, com provocação e muito bom humor, pois é necessária uma corajosa dose de reverência para  transformar  o mundo. À essa grande atriz brasileira que tivemos a bela oportunidade de conhecer de perto, nossa sincera gratidão a tudo que você representa e por todo seu legado. Valeu, Gladys!

*Viviane A. Pistache é crítica e psicóloga pela UFMG, doutora em Educação pela USP e doutoranda em Psicologia pela USP. Preta das Minas Gerais, atualmente vive na Terra da Garoa se arriscando em contos, roteiros e crítica de teatro e de cinema. Ela viajou a convite da 13ª CineOP.

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