Neste clima de vésperas de eleições, os atores Kiko Pissolato e Paloma Bernardi são os protagonistas da nova montagem da peça ícone do teatro brasileiro “Eles Não Usam Black-Tie”. Com forte componente político e ideológico, a obra foi escrita há 60 anos por Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006). Kiko é o operário Tião, enquanto que Paloma faz sua noiva, Maria.
No emblemático texto, o casal está no meio da agitação de uma greve, e conta com a presença marcante da matriarca Romana, mãe de Tião, defendida por Fernanda Montenegro no filme homônimo e agora sob responsabilidade de Teca Pereira — é a primeira vez que uma atriz negra defende a personagem em uma grande montagem paulistana.
Celebrando seis décadas da estreia feita no histórico Teatro de Arena, a obra volta aos palcos nesta sexta (20), no Teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, República), em São Paulo. A temporada vai até 16 de setembro, com sessões sexta e sábado, 20h30, e domingo, 19h, com ingresso a R$ 60 inteira e R$ 30 meia.
Precursora de discussões e enfrentamentos ideológicos que tomariam o Brasil durante a ditadura civil militar e que retornam perigosamente nos dias atuais, às vésperas de uma fatídica eleição, a montagem dialoga com temas ainda presentes em nossa sociedade. Ainda estão no elenco Adilson Azevedo, Camila Brandão, Carolina Stofella, Pablo Diego Garcia, Paulo Gabriel, Samuel Carrasco e Tiago Real. Todos sob direção de Dan Rosseto.
Kiko Pissolato e Paloma Bernardi conversaram com o Blog do Arcanjo no UOL com exclusividade sobre o espetáculo e o atual momento político. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Você já conhecia esse texto? Viu alguma montagem?
Kiko Pissolato — Eu já conhecia o texto pela importância dele na história do teatro nacional, porém nunca assisti a montagem alguma. O filme, porém, havia visto e revi agora.
Paloma Bernardi — Eu não conhecia o texto, apenas tinha escutado falar que era uma grande obra do Gianfrancesco Guarnieri, onde ele fazia questão de trazer o foco para o povo. É uma honra homenagear um autor brasileiro nos palcos.
Miguel Arcanjo Prado — Quem são seus personagens e como foi o processo de criação?
Kiko Pissolato — Eu tenho a honra de viver o Tião. Um personagem muito forte e cheio de inquietação. A pesquisa para mim é sempre feita no material humano, no repertório da observação e naquilo que absorvi durante minha vida. Procuro aproximar as emoções do personagem às minhas, suas experiências às minhas.
Paloma Bernardi — Minha personagem é Maria, noiva do Tião. Tivemos um processo rápido, porém intenso de ensaios, lemos o texto original, fizemos leitura de mesa e logo partimos para montagem. O trabalho coletivo conduz não só a nossa história, como também nossos ensaios. E eu particularmente assisti alguns filmes e documentários sobre o assunto abordado na peça [uma greve].
Miguel Arcanjo Prado — Qual o recado mais potente de “Eles Não Usam Black-Tie” na visão de cada um?
Kiko Pissolato — A questão da individualidade versus sociedade, valores familiares versus políticos, e o quanto estamos dispostos a nos abandonar e abandonar aos outros por nossas convicções.
Paloma Bernardi — “Eles Não Usam Black-Tie” mostra conflitos familiares, a importância de respeitar a opinião do outro, a importância do individualismo dentro do coletivo e ao mesmo tempo a força do coletivo que pode mover montanhas.
Miguel Arcanjo Prado — Como estão os bastidores desta montagem?
Kiko Pissolato — Alegria e dedicação. Luta contra o pouco tempo e a certeza de estar fazendo um grande projeto, um texto clássico e com um elenco incrível. O Dan [Rosseto] é um diretor de atores muito competente e tira o máximo de nós! E nada melhor e mais prazeroso para um ator que ser levado ao seu potencial máximo.
Paloma Bernardi — Como dizia Gianfrancesco Guarnieri: “O povo tem uma beleza interna no seu coletivo” e foi lindo ver a união de todos: direção, produção e elenco para fazer a nossa arte acontecer. Uma luta diária muito deliciosa de viver.
Miguel Arcanjo Prado — Quem precisa assistir a esta peça? Por quê?
Kiko Pissolato — É uma peça para todo mundo. Quem assistir será agraciado com uma magnífica história, muito bem executada e que suscitará discussões importantes.
Paloma Bernardi — Todos. É uma peça que tem uma pitada de comédia, aborda assuntos políticos e familiares, creio que muitos irão se identificar.
Miguel Arcanjo Prado — Como é montar a peça neste Brasil às vésperas de uma eleição?
Kiko Pissolato — O Brasil de hoje não se difere do país de outros tempos em termos de dificuldades. Temos muitas em nosso país desde a chegada dos Europeus por aqui. Agora a questão é que todos têm voz através da internet e muito se discute e isso pode ser saudável. A questão política/social/ econômica do país que serviu de mote ao Guarnieri ainda se mantém complicada. O fato de estarmos as vésperas de uma eleição pode provocar positivamente as pessoas a discutirem suas convicções. Afinal, esse é o papel da arte sempre.
Paloma Bernardi — Acho que o teatro além da sua magia, além da sua função de entreter, tem também um espaço para discussões, para apresentação de ideias e conquista de direito diante dos seus pensamentos.
Miguel Arcanjo Prado — O que desta peça ainda dialoga com o Brasil de hoje?
Kiko Pissolato — Todos os nossos problemas infelizmente estão ainda por ser resolvidos. O diálogo de necessidade, diferença social e necessidade de greve é atualíssimo. As brigas familiares por diferenças ideológicas, políticas ou religiosas extrapolou as mesas de jantares. “Black-Tie” é tão atual que parece ter sido escrito hoje!
Paloma Bernardi — O texto foi escrito há 60 anos e ainda sim temos temas que dialogam com os dias de hoje: greves, diferença de ideologias, pontos com muito e muitos com pouco, preconceito, julgamentos, e etc…tudo ainda está aí no Brasil de hoje.
Miguel Arcanjo Prado — Você já escolheu em quem vai votar?
Kiko Pissolato — Já escolhi sim. E torço sempre para que nenhum tipo de radicalismo vença! E torço para que as pessoas assumam a responsabilidade por uma sociedade melhor.
Paloma Bernardi — Eu torço para o bem comum! Torço pela igualdade! Torço por mudanças no governo! Chega de corrupção do A ou do lado B, precisamos nos unir de forma clara e inteligente para dar novos passos firmes baseado na justiça e no melhor para todos.