Esta semana o “Vídeo Show” estreou seu novo time de apresentadoras, ao colocar ao lado da atriz Sophia Abrahão três ex-BBBs, Ana Clara, Fernanda Keulla e Vivian Amorim.
A Globo resolveu formar um quarteto de mulheres brancas no comando de sua atração vespertina justamente no momento em que a sociedade cobra cada vez mais representatividade, sobretudo na televisão. E se não deu certo em termos de audiência, o novo time de apresentadoras também naufragou junto à opinião pública, sobretudo pelo desabafo da ex-apresentadora e única negra até então no comando do “Vídeo Show”, Alinne Prado, sobre sua demissão.
Em corajosa postagem na internet, Alinne associou sua saída da atração ao racismo, que no Brasil é estrutural e institucional.
“São as chibatadas contemporâneas. Não nos deixam ocupar a sala da casa grande, por mais qualificados que sejamos. Apesar de ser a primeira negra a sentar na bancada do programa, fui demitida sob a justificativa de que, apesar de gostarem muito do meu trabalho, precisavam de alguém mais ‘neutro’ (sic) do que eu”, disse Alinne.
O que seria “alguém mais neutro” na cabeça de quem demitiu Alinne? Este colunista responde: pelo pensamento racista, alguém mais neutro é uma pessoa branca, já que quem age assim repete uma forma de pensar estruturalmente racista, que assume o branco como um ser “normal” e “universal”, enquanto que o negro é enxergado como “diferente”, visto sempre de forma estereotipada.
O irônico é que esse tipo de pensamento acontece num país no qual negros são mais da metade da população. Ou seja, no Brasil, ser negro, não é exceção. Mas, na TV, ainda é.
Alinne, em sua reveladora fala, deixou todos os indícios das contradições de sua saída do programa, no qual ficou entre 2015 e 2017.
“E como estavam passando por uma crise, eles precisavam enxugar o quadro de repórteres (que depois da minha saída aumentou). Nunca falei disso publicamente, mas me dói demais ver isso acontecer”, afirmou.
Ela propôs uma discussão não num tom pessoal, mas estrutural. E é preciso enxergar a fala da jornalista a partir desta perspectiva.
“Não é nada contra as meninas do Vídeo Show. É contra a colonização do nosso imaginário. Só podemos aparecer na TV se for em situação de subserviência e sofrimento. E sempre como cota. É contra acharmos que não existe racismo. Enquanto os não negros cruzarem os braços e fecharem seus olhos para isso, continuaremos a ser amordaçados, chicoteados, invisibilizados e mortos. Precisamos de aliados nessa luta. Precisamos de você”, pontuou.
Como bem mostra o cineasta Joel Zito Araújo no filme “A Negação do Brasil” — que deveria ser visto por qualquer pessoa que trabalhe em televisão, sobretudo as que ocupam cargos mais altos e com poder de decisão —, a TV brasileira é altamente racista em sua representação do negro.
E Alinne Prado parece perceber isso muito bem em seu desabafo.
“É a televisão. A gente sabe muito bem o que aconteceu comigo, o que está acontecendo com um monte de gente sendo invisibilizada, a gente não se vê, a gente não vê representatividade. Enquanto a gente não reconhecer no Brasil que existe realmente racismo, que existe esse espaço, esse abismo entre negros e não-negros, a gente não vai mudar isso”, escreveu.
A Globo, por sua vez, negou que a saída de Alinne Prado da emissora tenha sido provocada pelo racismo. Em nota, elogiou a passagem da profissional por quatro programas em seis anos. Contudo, a Globo não explicou o motivo de o contrato dela não ter sido renovado. Apenas disse: “seu contrato chegou ao fim e não foi renovado, numa dinâmica comum a qualquer outro profissional ou empresa”.
Dessa forma, fica a dúvida sobre o que paira na cabeça de quem demitiu Alinne Prado: uma boa jornalista negra vale menos que três ex-BBBs brancas?