Crítica: Banda Nem Secos faz disco histórico ao condensar o Brasil atual

Os músicos do Nem Secos Luã Linhares, Carlos Linhares, Carolina Claret e Leonardo Clementine: disco histórico, “Anti-Heróis Dançando a Vida” cristaliza o Brasil das primeiras duas décadas do século 21 – Foto: Fernando Prates – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Poucas bandas conseguiram cristalizar o seu tempo tão bem quanto a brasileira Nem Secos no disco “Anti-Heróis Dançando a Vida”.

O grupo mineiro lança o álbum que celebra seus 15 anos de trajetória nesta sexta (19), em Belo Horizonte, com show às 21h no Teatro Francisco Nunes, com ingresso a R$ 20 a inteira e R$ 10 a meia.

Fortemente inspirada pela rock psicodélico e a MPB dos anos 1970, a banda por si só é uma ode à diversidade.

Diversidade esta representada no disco por seu time farto de músicos e vocalistas virtuosos formados por Carlos Linhares (um dos letristas mais profundos da atual MPB), Luã Linhares, Sune Salminen, Alexandre Mestiço, Deh Mussulini, Leonardo Clementine, Leandro Said, Gustavo Maia, Vinícius Maia, Delano Soares, Paudiarara Neto, Léo Macedo, Berci de Lima.

O músico, cantor e compositor Carlos Linhares, letras repletas de poesia e filosofia no disco “Anti-Heróis Dançando a Vida” – Foto: Fernando Prates – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Depois da onda pop rock que renovou a música mineira nos anos 1990, cujos maiores exponentes foram Skank, Patu Fu e Jota Quest, o Nem Secos é porta-voz de um novo momento da música mineira, nas duas primeiras décadas do século 21, na qual ela retoma, forte, a ponte com a música produzida durante a ditadura militar, na qual o movimento belo-horizontino Clube da Esquina foi ícone.

Quem já teve o privilégio de ver um show da banda, como este crítico, que a conheceu em apresentação feita em manhã ensolarada no Museu de Arte da Pampulha, sabe de sua potência, transportada para o álbum.

Nem Secos no palco em Belo Horizonte: pura epifania musical psicodélica que condensa um Brasil que teimou em existir feliz – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Com pegada que mistura o pop e o rock com doses fartas de brasilidade, passando pelo samba e o reggae, o grupo soube absorver como poucos em suas letras, grande parte fruto da fina poesia-filosófica de Carlos Linhares, as mudanças estruturais e sociais pelas quais passou o Brasil nestes 15 anos de banda.

Assim, a eclosão das pautas identitárias e libertárias está presentes nas canções, como se o disco fosse condensador de um tempo e de um lugar que periga sofrer proximamente duras turbulências e reversões.

“Ela Cortou Curtinho”, de Carlos Linhares, traz, por exemplo, a força da mulher empoderada, “dona do seu caminho”. A questão da identidade de gênero surge em “Nem Rosa Nem Azul”, também de Linhares. “Dançando a Vida”, de Gustavo Maia, é uma celebração transcendental do amor, do gozo e da utopia, bebendo farta no afoxé e nos ritmos afro-brasileiros, reverenciando Gil na letra.

Já “A Seita que Não Aceita”, outra música de Carlos Linhares, o poeta soa um tanto quanto cansado com tantas regras e censuras impostas não só do campo retrógrado quanto do dito progressista: “Eu vou fundar uma nova seita que não aceita ninguém com mais uma ideia pronta”, conclui.

Belo Horizonte, cidade que abriga o Nem Secos, foi uma capital que viu florescer sua cultura nos últimos anos, da qual a música, talvez, tenha sido o maior trunfo desse processo.

Nem Secos no palco e a potência que vem de sua diversidade de corpos e musicalidade: “Anti-Heróis Dançando a Vida” é disco histórico da música mineira e da MPB – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Os músicos da cidade estiveram intimamente ligados à retomada da rua e da capital mineira por uma juventude carnavalizada — o que ocorreu no Carnaval de BH e na rua Sapucaí, onde uma multidão bebe cerveja a cada noite e dança avistando edifícios grafitados no horizonte, é um exemplo de tal força transformadora.

A música “Meu Carnaval É na Rua”, de Gustavo Maia, sintetiza justamente esse movimento de libertação dos corpos e da sexualidade em festa: “não me importa ter um namorado ou namorada”, diz a letra capaz de arrepiar a tradicional família mineira que volta a mostrar suas garras ver tudo isso.

Banda Nem Secos em show no Festival de Inverno de Mariana neste ano: potência na nova safra musical – Foto: Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

De certo modo, apesar de celebrar a libertação, o grupo não deixa a sensibilidade de lado num excesso de otimismo, percebendo também em suas canções o perigo que ronda, à espreita, de modo quase profético.

“O que será do mundo? O mundo se vendeu. O que será da terra, se o arado se perdeu”, termina, decepcionada, a letra de “A Manha e o Paia”, de Carlos Linhares.

Já “Urubu Comendo Boi”, de Berci de Lima, atordoa ao dizer: “Olha a cara descarada desse cara que você foi eleger. Ele te assalta e sentado no Planalto ele vai sugar você”.

“Anti-Heróis Dançando a Vida” do Nem Secos é um disco que já nasce histórico e que representa a força da inventiva e resistente música popular brasileira, capaz de sobreviver aos tempos mais solares e mais sombrios também.

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Disco “Anti-Heróis Dançando a Vida” do Nem Secos – Foto: Arte de Kim Gomes e Carlos Linhares – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Álbum “Anti-Heróis Dançando a Vida”, do Nem Secos
Avaliação:
Ótimo ✪✪✪✪✪
Quando: Sexta (19), 21h. Show de lançamento do disco.
Onde: Teatro Francisco Nunes (Parque Municipal, Belo Horizonte)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

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