Crítica: Medici e Rathsam criam reflexão com “Teatro para Quem Não Gosta”
Marcelo Medici e Ricardo Rathsan já demonstraram ao público que são uma dupla afinada no palco.
Prova disso é a química existente entre os dois que diverte o público de “Teatro para Quem Não Gosta”, peça em cartaz às quintas, às 21h, no Teatro Faap.
E o mérito de ambos é fazer rir diante de um tema indigesto: a crise do próprio teatro, transformando a mesma em uma forte reflexão social.
Para entender por que muitos espectadores estão fugindo das salas tradicionais em busca de talks shows de youtubers e digital influencers em centros de convenções e estádios país afora, Medici e Rathsam, também autores da dramaturgia, mergulham fundo na história do teatro mundial e brasileiro.
De maneira didática e simples, dão uma verdadeira aula de história das artes cênicas, sob supervisão de direção de Kleber Montanheiro.
Passeiam de modo inventivo desde o surgimento do teatro na Grécia antiga, passando por sua evolução e perseguições ao longo da trajetória dessa resistente arte do encontro real entre artistas e público existente há mais de 2.500 anos.
Em muitos momentos a dupla de atores abraça ironia implacável para com os próprios colegas de ofício, sobretudo quando critica recentes discussões identitárias e sobre “lugar de fala” no teatro brasileiro.
A divertidíssima cena na qual adaptam o clássico de Shakespeare “Romeu e Julieta”, ponto alto do espetáculo, é emblemática neste quesito. Ela abandona todos os limites do “politicamente correto”, abraçando o deboche no limiar do risco, ironizando o discurso de gênero ferrenho e combativo.
Para isso, evocam a liberdade de expressão artística ainda prevista na nossa combalida Constituição.
Contudo, no fundo, há uma triste melancolia presente nesta comédia à primeira vista.
E, de certa forma, também há, mesmo que inconsciente, um apelo de união da classe artística, lembrando o tempo todo que o ofício, apesar de distintas matizes, é o mesmo para todos.
Assim, a peça expõe a atual desunião dos atores, que, dependendo do gênero que transitam, se acham uns melhores que os outros, o que prejudica o próprio meio teatral.
O que a peça de Medici e Rathsam parece concluir é que enquanto a classe teatral se engalfinha, todos estão sendo acachapados pelos youtubers e digital influencers com sua legião de fãs disposta a lotar milhares de lugares para ouvir uma fala simplória, enquanto que o teatro tradicional, berço de arte real, está às moscas.
Mais do que fazer uma comédia para divertir seu fiel público — o que seria a saída mais confortável e garantia de bilheteria farta —, Medici e Rathsam demonstram ser grandes artistas ao se arriscar em um texto inteligente e mesmo longo para o impaciente público contemporâneo.
Um texto altamente educativo e reflexivo, não só com a arte, mas com a situação de idiotização que vive o Brasil.
Se o público despreza a reflexão que o teatro propõe em troca de exercer o voyerismo diante da vida alheia exposta em telas e redes, como podemos esperar um futuro melhor?
Ao encontrar uma solução drástica e até mesmo violenta para o público ao final de “Teatro para Quem Não Gosta”, Medici e Rathsam condensam ali desesperança que persegue boa parte dos artistas brasileiros neste momento, deixando a todos nós com um nó na garganta.
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Teatro para Quem Não Gosta”, de Marcelo Medici e Ricardo Rathsam
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Quando: Quinta, 21h. 100 min. Até 15/11/2018
Onde: Teatro Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo)
Quanto: R$ 90 (inteira)
Classificação etária: 14 anos