Crítica: Clássico envolvente, “Annie, o Musical” conquista todas as idades
Clássico da Broadway, “Annie, o Musical” ganha adaptação envolvente por Miguel Falabella no Teatro Santander (av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041, CPTM Vila Olímpia) às quintas e sextas, 21h, sábado, 16h30 e 21h, e domingo, 15h e 19h, com ingresso de R$ 75 a R$ 310, em valores de inteira, até 16 de dezembro.
“Annie, o Musical”
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Miguel Falabella já provou ser um dos mais importantes nomes do gênero teatro musical no Brasil, sabendo como poucos entreter seu público e adaptar verdadeiros clássicos estrangeiros aos palcos nacionais.
Prova disso é o envolvente “Annie, o Musical”, no qual divide o palco com outra estrela da TV, Ingrid Guimarães, e as consagradas estrelas teatrais Cleto Baccic e Sara Sarres. O quarteto faz um jogo de forte química com o elenco infantil, talismã da montagem em cartaz até 16 de dezembro no Teatro Santander, em São Paulo.
A formidável história com músicas de Charles Strouse, letras de Martin Charnin e libreto de Thomas Meehan é baseada nos quadrinhos “Annie, a Pequena Órfã”, do norte americano Harold Gray, sucesso do diário nova-iorquino Daily News. Estreou na Broadway como forma de musical em 1977, tornando-se filme em 1982.
O enredo se passa nos EUA dos anos 1930 sob comando de Franklin Roosevelt, que tenta levantar o país da crise e miséria provocadas pela fatídica quebra da Bolsa de 1929. Com este pano de fundo, a protagonista é a pequena e desinibida garotinha ruiva Annie, que vive em um soturno orfanato e que sonha reencontrar seus pais.
A menina é interpretada por três excelentes atrizes mirins sabiamente pinceladas entre 3500 crianças inscritas e que cativam o público com farto carisma e potência vocal: Luiza Gattai, Maria Clara Rosis e Sienna Belle. Todas, igualmente talentosas, já passaram pela TV em atrações como “Programa Raul Gil” e “The Voice Kids” e têm futuro promissor no mundo das artes, tal qual foi um dia a então pequenina Larissa Manoela no musical “A Noviça Rebelde” em 2009 e hoje é uma estrela do entretenimento nacional.
Falabella aposta no formato clássico e dirige com propriedade não só a protagonista como as outras crianças em cena, bem coreografadas e todas intensas e seguríssimas no palco. As meninas são atormentadas pela dona do orfanato, a sovina e maquiavélica Senhora Hannigan, interpretada com desenvoltura por Ingrid Guimarães em seu primeiro musical, do qual a atriz confessou ser fã desde a infância, chegando, criança, a encená-lo para seus familiares.
Ingrid segura com propriedade o quesito atuação, com sua veia cômica inata que todos conhecemos desde que surgiu com seu talento inquestionável ao lado de Maria Mariana na peça “Confissões de Adolescente”. Contudo, demonstra ainda ter caminho a percorrer em outros dois quesitos do gênero, canto e dança, fazendo, curiosamente, um caminho inverso ao da maioria dos profissionais dos musicais atualmente no Brasil: que ficam devendo justamente no quesito atuação — que Ingrid domina — enquanto fazem estripulias vocais e coreográficas. Mas Ingrid tem carisma farto que a permite superar o que lhe falta em cena neste tipo de espetáculo.
Mais completos tecnicamente são Sara Sarres e Cleto Baccic (ganhador do Prêmio APCA de Melhor Ator pelo musical “O Homem de la Mancha”), atores que demonstram a farta e tarimbada experiência no gênero musical, garantindo que o espetáculo não perca ritmo e precisão cênica, além de garantirem notas perfeitas e dança impecável.
Sara faz a generosa governanta do milionário Oliver Warbucks, defendido brilhantemente por Miguel Falabella, ator que sabe se divertir e ao público, com segurança no palco como poucos. O ricaço é quem vai abrigar momentaneamente a jovem Annie e tentar ajudar a menina a encontrar seus verdadeiros pais. O personagem de Falabella desconstrói a típica demonização de pessoas ricas, usual nos países latino-americanos como o Brasil, mostrando que a ascensão econômica do mesmo foi fruto de duro trabalho e avidez em fazer dinheiro com honestidade.
Já o personagem de Baccic vai em caminho contrário. É o trambiqueiro Rooster, um tipo de figura tão conhecida de todos nós, irmão da megera interpretada por Ingrid, que tenta se passar pelo pai da menina órfã para ganhar a polpuda recompensa oferecida, aliando-se à sua inescrupulosa companheira de trapaças, defendida também com desenvoltura e carisma por Carol Costa. Esta já havia chamado a atenção do público como Hebe Camargo na fase jovem em “Hebe, O Musical”, também dirigido por Falabella, e demonstra nesta peça como Lilly o talento farto que a fez entrar para o time dos grandes nomes dos musicais brasileiros.
No coeso elenco coadjuvante — no qual o coro se destaca pela precisão e forte presença — chamam a atenção Tony Germano, como o desconcertado mordomo Drake, e Davi Tostes, divertido como o sonoplasta do programa de rádio.
Toda a parte técnica da superprodução merece aplauso pelo esmero com que desempenha suas funções. Seja a cuidadosa versão e direção de Falabella, com direção associada de Floriano Nogueira, a serena direção musical de Daniel Rocha e as vigorosas coreografias de Kátia Barros. Ainda é preciso citar a vivacidade e elegância dos figurinos assinados por Lígia Rocha e Marco Pacheco, a impecável luz de Mike Robertson bem como o som de Gabriel D’Angelo, sem contar nos eficientes e impactantes cenários desenvolvidos por Matt Kinley. Todos sob comando seguro dos diretores de produção Cleto Baccic, Carlos Cavalcanti e Vinícius Munhoz.
Um charme à parte da montagem é o cachorro de verdade que surge no palco (na verdade dois animais que se revezam no papel). Fato é que o bicho é mais técnico do a grande parte dos atores que figuram no teatro paulistano — sobretudo naquele típico teatro que parece ter como objetivo de vida não ser compreendido pelo público. A plateia, obviamente, derrete-se de paixão pelo animal. Não poderia ser diferente.
Produção de entretenimento de altíssima qualidade, “Annie, O Musical” ainda deixa importantes lições sobre superação de crise de uma forma leve e agradável, fazendo deste um espetáculo capaz de agradar a todas as idades: um verdadeiro clássico para ser visto e aplaudido em família.