Fito Páez toca no Brasil e promete perguntar a Caetano sobre fake news
Fito Páez é um dos maiores nomes da história do rock argentino. O cantor e compositor nascido há 55 anos na cidade de Rosário apresenta no Brasil, nos próximos dias, a turnê de seu recente disco, “La Ciudad Liberada”. Elogiado pela crítica especializada, o álbum teve duas indicações ao Grammy Latino nas categorias Melhor Canção do Ano e Melhor Canção de Rock com “Tu Vida Mi Vida”.
Fito toca em três capitais brasileiras: Porto Alegre, no domingo (2), no Auditório Araújo Vianna; em São Paulo, na segunda (3), no Teatro Bradesco; e no Rio de Janeiro, na quarta (5), no Teatro Bradesco Rio.
Detentor do recorde de disco mais vendido da história do rock argentino com “El Amor Después del Amor” (1992), o artista conversou com o exclusividade com o Blog do Arcanjo no UOL direto de Buenos Aires, onde vive.
Leia a crítica do show de Fito Páez em SP
Falou sobre sua relação com o Brasil e a música brasileira, a forte amizade com Caetano Veloso, além de comentar como enxerga a atual situação política brasileira e revelar como segue rockeando la vida. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Fito, quando você esteve no Brasil pela primeira vez?
Fito Páez — A primeira vez que eu fui ao Brasil foi no verão de 1986, quando fiquei na casa da minha amiga Ivone, na praia da Joatinga, no Rio. Fui com Fabiana Cantilo [cantora argentina], que era minha namorada na época. Decidi gravar algo em um estúdio no Rio com músicos incríveis. Aí, em uma das tardes, a Ivone chamou a Caetano.
Miguel Arcanjo Prado — Foi aí que vocês se conheceram pessoalmente?
Fito Páez – Sim. Ele me havia visto em um programa de televisão em Buenos Aires… Lembro que fazia muito calor, era pleno janeiro…. Caetano veio e gravamos uma versão da “Rumba do Piano”. Lembro que quando Caetano chegou eu estava tocando, e Fabiana estava dançando. E ele falou para não pararmos. Passamos uma tarde jogando papo fora e bebendo, ele com aquele seu canto precioso. Lembro que provamos todas as coisas que argentino prova quando vai ao Brasil [risos]. Foi incrível!
Miguel Arcanjo Prado — Você já tinha uma relação anterior com o Brasil?
Fito Páez — Sim, eu conheço o Brasil, realmente, em minha casa paterna, em Rosário, onde escutava a obra de Antônio Carlos Jobim. E isso trouxe João Gilberto e Vinicius de Moraes, sobretudo o disco que ele gravou ao vivo na boate La Fusa em Buenos Aires com Toquinho e Maria Creuza, um álbum muito importante para a divulgação da música brasileira na Argentina. Então, já tinha contato com a música brasileira desde criança. E depois começou a chegar um pouco com meu pai: Chico, Caetano e Gil, a primeira “brancaleone” que chegou e não tinha a ver com os personagens mais clássicos, como Vinicius, Jobim e João. Depois, veio Hermeto Pascoal e em paralelos os grandes intérpretes como Elis, Gal, Bethânia, Ney Matogrosso, Milton. E também Os Mutantes, Rita Lee, Tim Maia. Era muita música e muito diversa! Mas o primeiro deles que eu conheci pessoalmente foi Caetano.
Miguel Arcanjo Prado — Você pretende ver Caetano agora nesta passagem pelo Brasil?
Fito Páez – Claro. Somos amigos e vamos nos encontrar, creio que vou almoçar na casa dele e de Paula [Lavigne, mulher de Caetano]. Ano que vem vamos tocar no Lollapalooza Argentina. Vai ser lindo. É outro cenário, outro público…
Miguel Arcanjo Prado — Como você vê os recentes acontecimentos políticos no Brasil, sobretudo a última eleição presidencial?
Fito Páez — É estranho… É difícil falar de um lugar onde não se vive. Ou falar das notícias que vemos e que não sabemos se são fake news. Me chamou muito a atenção a virada do Brasil à extrema direita, ninguém teria esperado isso! Há um castigo ao que se define como corrupção do governo anterior e irregularidades de todo o tipo na administração anterior, o mesmo que se passou na Argentina, devido ao que se difundiu. Porque há algo aí diabólico entrelaçado entre os meios de comunicação, a via judicial e a via política que não deixa de chamar a atenção. Mais que falar de Brasil, eu falo de Argentina, porque somos um espelho um do outro. As ditaduras foram todas quase juntas na América Latina, tanto sua chegada quanto a sua saída.
Miguel Arcanjo Prado — Já que as notícias sobre o Brasil lhe parecem fake news, no almoço com Caetano você vai querer saber dele o que está acontecendo realmente?
Fito Páez — Seguramente! Acompanhei pelas redes a Caetano e vi que ele estava muito envolvido em tudo, foi a primeira vez que o vi envolver-se politicamente de um modo tão forte. É melhor se consultar com os xamãs de um lugar, sempre é importante! Não vejo muito bem quando vem artistas de fora e me contam o meu país. Um pode dar sua opinião, mas quem sabe é quem está no Brasil. Estou pensando mais de Argentina do que de Brasil quando falo tudo isso. O que posso ver é uma espécie de similitudes de procedimentos, de decisões…
Miguel Arcanjo Prado — Você acha que o novo disco, “A Cidade Liberada”, reflete muito esse momento histórico, com o surgimento de pautas identitárias de liberdade de gênero, étnica e de sexualidade que me parecem condensadas na capa de seu álbum e também as reações a esse avanço?
Fito Páez — É provável. As coisas que surgem dentro de uma conjuntura são as que se dão mais rápido. O álbum tem sim uma potência na música que atravessa a conjuntura. Fala do “Ni Uma a Menos”, da situação do Oriente Médio, das famílias de desaparecidos políticos na Argentina, da repressão dentro da cidade de Buenos Aires. Me parece que tudo isso está dentro de um ponto de vista poético; Não é jornalismo o que eu faço. Posso olhar uma situação e dizer: “quero viver na cidade liberada onde aos meninos não se metam mais balas” e com uma música linda.
Miguel Arcanjo Prado — Diz as coisas sem abrir mão da poesia, como um artista?
Fito Páez — Claro. Me parece importante diferenciar a tarefa do cronista, do jornalista, da tarefa do artista popular. Que é como, por exemplo, quando Chico [Buarque] compõe “Construção”, e conta a sociedade brasileira a partir de um homem, operário, no 20º andar de um prédio em construção, que ao fim você não sabe se ele cai de lá ou se suicida. Chico cria uma cena a um passo do limite e a conta de uma maneira muito gráfica, contundente e clara de como é o Brasil mais profundo. E essa canção está ao mesmo tempo mudando a história da canção latino-americana, com seu sistema de décimas e narrativa quase que cinematográfica.
Miguel Arcanjo Prado — Você é um grande especialista em música brasileira. Fala com propriedade. Poderia até dar aula sobre o assunto em uma universidade.
Fito Páez — [risos] Muito obrigado. É que eu gosto muito.
Miguel Arcanjo Prado — O que está preparando para estes shows no Brasil?
Fito Páez — Olha, temos uma lista imensa de música com a banda, com a qual fizemos há pouco um concerto no Gran Rex [importante teatro de Buenos Aires] celebrando os 30 anos do disco “Ey!”, de 1988. Então, teremos uma grande seleção de “La Ciudad Liberada” e também uma grande seleção de todos os discos. Assim mostramos o novo e celebramos as músicas antigas também.
Miguel Arcanjo Prado — Qual o segredo para seguir ‘rockeando la vida’ aos 55 anos?
Fito Páez — Há que se ter humor, não perder a curiosidade. Creio que há vários modelos para se viver: todos devem ser quebrados. Há um modelo mais intelectual, mais solitário e ermitão, dedicando-se aos textos e à reflexão profunda, a um olhar mais duro sobre o mundo. Mas, não sei se por uma inação, o intelectual deixou esse lugar da vida, como era o estilo sartreano. Eu me sinto um homem de rock’n’roll, muito curioso com outros mundos. Mas tocar rock não me impede de ler Deleuze [filósofo francês] e conhecer Guimarães Rosa [escritor mineiro]. Tenho a curiosidade do menino que está viva, tenho vontade de estudar, filmar, fazer turnê, beber com amigos e passar bem a vida. A ideia de rock’n’roll, que vem desde Oscar Wilde e de todos os loucos que somos nós é essa: somos pequenos hedonistas de bolso, domésticos, que todavia ondulamos entre as sombras com os nossos sorrisos.
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Agradecimentos: Adriana de Barros, Bob Sousa, Costábile Salzano Jr., Agência Taga e Teatro Bradesco.