Gabriel Póvoas homenageia Moa do Katendê e dá opinião sobre axé e Carnaval

O cantor e compositor baiano Gabriel Póvoas: destaque na cena independente de Salvador e música para Moa do Katendê – Foto: Célia Santos – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Jovem cantor e compositor baiano, Gabriel Póvoas ficou abalado com o assassinato do artista Moa do Katendê durante o complicado contexto político das últimas eleições presidenciais. Mas, ressignificou a dor e a incompreensão que sentiu em forma de música dedicada ao mestre.

Aliás, a música é uma tônica na vida deste artista criado nos bastidores de shows e estúdios musicais e que começou a compor aos 14 anos, colecionando desde então parcerias de peso, que vão de José Carlos Capinan a Mia Couto, de Zélia Duncan a Elisa Lucinda, passando por sua mãe, Daniela Mercury.

O músico lançou há pouco a faixa “Não se Engane”, gravada com Duncan, além de ter composto três canções para o filme “Canta Maria”. Seu disco autoral “Incompleto” levou o Prêmio Catavento de melhor compositor do cenário independente e ainda integra ainda o Coletivo Poecrática, formado por “artivistas”.

Direto de Salvador, Gabriel Póvoas concedeu esta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo no UOL, na qual falou de Moa do Katendê, sua música, referências, axé e Carnaval, entre outras coisas. Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado — Você compôs uma música para o Moa do Katendê? Como foi este processo?
Gabriel Póvoas — Sim, primeiramente, não só eu, mas uma multidão, não apenas militantxs de esquerda, estavam à flor da pele assistindo à onda de ódio se propagar. Aí, domingo [de eleição], ainda à noite, recebi pelo celular: “Moa, morto a facadas pelas costas…”. Moa, um símbolo da cultura… um símbolo da paz. No dia seguinte, segunda, teve o meu sarau “Som das Sílabas”, e foi prestada homenagem a Moa através de uma música composta por ele… Foi pouco, pensei, precisamos fazer músicas e músicas que, ao retratarem acontecimentos deste nosso conturbado momento político e social, pudessem afetar as pessoas, fazê-las refletir. Foi aí que juntei 20 poetas em um grupo chamado “EleNão – Poesia”. E, logo logo, o grupo começou a produzir… e produzir muito mais do que imaginei, até que chegou uma letra de Sandra Simões sobre Moa em minhas mãos…tocado eu fiquei com aqueles versos percorrendo todo o meu ser. À noite, ébrio, a melodia de “Mestre Moa” veio até mim como um esboço. Passei a noite inquieto com ela, pela manhã acordei e fiz uma correção final… Era muito cedo, 5h30, mas me arrumei e fui ao estúdio já iniciar a produção, certo de que ela iria atingir mais pessoas do que eu imaginava. Sendo um ijexá, tanto a ver com a Bahia, não pensei em nome melhor do que Alfredo Moura para produzi-la. Ele logo ouviu, aceitou e, com uma harmonia que daria todo um sentido especial à melodia por mim apresentada, teve seu nome, alegremente, incorporado à composição. Por falar em alegria, vivíamos sim, durante cada processo, uma alegria paradoxal, uma alegria de quem já fez choro virar grito de guerra, alegria de quem continuaria atento aos acontecimentos e disposto à ação.

O capoeirista Moa do Katendê: morto a facadas no domingo de eleição, mestre da cultura baiana ganhou canção-homenagem de Gabriel Póvoas – Foto: Reprodução – Instagram @moadokatende – Blog do Arcanjo – UOL

Miguel Arcanjo Prado — O que acha deste momento do Brasil em que certos setores da sociedade querem demonizar os artistas?
Gabriel Póvoas — Acho meio engraçado, de um teor anedótico-irônico inerente, pois como falar de Nação Brasileira sem falar de cultura? É difícil assistir a tamanho analfabetismo sendo proferido pelos ditos “altos” setores da sociedade. Dá certo pessimismo às vezes, mas ainda bem que estamos vivos para poder reagir a esse estado de coisas. É absurda a contradição que enxergamos em determinadas posturas, como o paradoxo cruel de negar o combate à desigualdade social em prol de um suposto desenvolvimento austero do país. Parafraseando minha madrinha Zélia Duncan, “Você não precisa de artistas? Estão me devolve os momentos bons…”, em texto integrante do livro-manifesto “EleNão – Poéticas Combativas Ao Inominável”.

Miguel Arcanjo Prado — É verdade que você se propôs a tocar de graça em casamentos LGBTQs?
Gabriel Póvoas — Sim. Ao ver um post similar da artista Luíza Britto, resolvi doar o que tenho: minha arte, minha composição, meu canto, minha direção musical, meu violão, aos amantes que se veem encurralados diante do risco de diminuição de direitos LGBTq+… um absurdo sem tamanho. Quem já me contatou, pode contar comigo. Inclusive, estou aberto a novos contatos.

Gabriel Póvoas se propôs a cantar de graça em casamentos LGBTQ+ – Foto: Sofia Federico – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Miguel Arcanjo Prado — O que você ainda mantém do Gabriel que cantou “Menino do Pelô” com sua mãe [Daniela Mercury]? O que aquele Gabriel já perdeu?
Gabriel Póvoas — Eu sou todas as experiências de vida que vivi, eu sou aquele menino transformado. Aquele menino foi apresentado a um microfone e a um estúdio profissional e achou divertido, o Gabriel de hoje continua se divertindo com a música. Sobre perder, acho que minha alma é grande o bastante para transformar tudo em degrau e seguir driblando a tristeza do dia a dia.

Miguel Arcanjo Prado — Quais são seus projetos musicais atuais? Quer investir mais na carreira-solo?
Gabriel Póvoas — Meus dois projetos principais são a carreira solo, com destaque para o show “Celloflauta” e o meu sarau “Som das Sílabas”. O “Celloflauta” é um show recém-estreado em Salvador, onde eu e meu violão somos abraçados pelo Violoncelo e pela flauta, instrumentos pelos quais eu tenho mais que uma afinidade, uma devoção por seus poderosos timbres. É um show majoritariamente autoral onde canto a poesia de parceiros queridos como Capinan, Mia Couto, Marcelo Quintanilha, Lana Scott, Luíza Britto, Daniela Mercury. O Sarau “Som das Sílabas” é um sonho que se tornou realidade: juntar pessoas para ouvir poesia e música autoral. Ele acontece duas vezes por semana em Salvador e também em Feira de Santana, é apresentado por mim e pelas poetas Ritta Cidhreira (Salvador) e Nívia Maria Vasconcellos (Feira de Santana) e conta com a produção de Claudinha Ferraz. É o espaço para as poetas, compositoras, criadoras em geral. O Sarau é palco aberto, é só chegar com sua poesia ou música e recitar, tocar ou cantar.

O cantor e compositor baiano Gabriel Póvoas: admirador de João Gilberto, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil – Foto: Sofia Federico – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Miguel Arcanjo Prado — Quem são os artistas de sua geração que você admira? Por quê? E os da geração mais antiga?
Gabriel Póvoas — São muitos, mas destaco Tiganá Santana, Lucas Santana, Tércio Guimarães, Mou Brasil, Letieres Leite e Orkestra Rumpilez, Matheus Von Cruger, Dani Black, Tulipa Ruiz, Maria Beraldo. O porquê? Cada um é único e colabora para a cultura brasileira. Dos antigos, João Gilberto, Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano, Gil, que são referências incontornáveis. Mas ouço muita música estrangeira e também música erudita orquestral… Björk e Camille, minhas musas, Thomas Ades um gênio.

Miguel Arcanjo Prado — Luedji Luna anda fazendo sucesso em SP, sendo uma cantora baiana que foge à aba “axé”. Como você vê o sucesso dela e de outros nomes como Xênia França e Larissa Luz? Abre novos caminhos à música baiana?
Gabriel Póvoas — Primeiramente, eu discordo da utilização do termo “Axé”, sagrado para o Candomblé, como denominação de um gênero dançante baiano. Posteriormente, eu acho maravilhoso Salvador ter criado um gênero de música popular e não vejo problema haver novos artistas de destaque nacional deste mesmo gênero. Acho Luedji, Larissa e Xênia artistas necessárias, muito orgulho sim de dividir a terra-mãe com elas.

Gabriel Póvoas ao lado da irmã, Giovana, e da mãe, Daniela Mercury: família de artistas – Foto: Célia Santos – Divulgação – Blog do Arcanjo – UOL

Miguel Arcanjo Prado — Qual é a dor e a delícia do Carnaval de Salvador?
Gabriel Póvoas — Muitas dores e muitas delícias, um mar de contradições. A nossa tão desigual Salvador grita de alegria e dor durante os dias de folia, é como se o Carnaval deixasse mais escancarada as belezas e as tristezas de nossa cidade. Salvador: cidade da música… mas que não paga direitos autorais, por exemplo. Carnaval, fruto da cultura negra de origem
africana, mas que tanto discrimina e mata aqueles que criaram toda essa riqueza celebrada mundialmente.

Miguel Arcanjo Prado — Que tipo de artista você é?
Gabriel Póvoas — É um pouco desconfortável se autodefinir. Mas eu sou um compositor, isso direciona meu fazer artístico. Isso me faz me sentir vivo. Particularmente, selecionar poesias e criar melodias sobre elas, ou seja, ressignificar palavras destes tantos e tão grandes poetas que têm me confiado esta desafiadora função.

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