“Limitar Lei Rouanet a R$ 1 milhão é decretar o fim da Broadway brasileira”

À esq., Amanda Acosta e Daniel Boaventura atuam em My Fair Lady, de 2007; à dir., Marisa Orth encarna Morticia em A Família Addams, em 2012: musicais movimentam R$ 60 milhões – Divulgação

Os produtores de musicais no Brasil estão aterrorizados com as mudanças previstas na Lei Rouanet de incentivo à cultura na esfera federal, anunciadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que deseja limitar seu teto de incentivo a R$ 1 milhão, ao contrário dos R$ 60 milhões atuais. O setor gera milhares de empregos no país e possui superproduções que empregam centenas de artistas e técnicos, com orçamentos que ultrapassam o novo teto. O produtor, ator e diretor Marllos Silva, criador do Prêmio Bibi Ferreira, mais tradicional premiação dedicada ao gênero musical no Brasil, escreve artigo no qual comenta a mudança anunciada pela Presidência da República e cuja publicação aqui no Blog do Arcanjo no UOL foi por ele autorizada. E avisa: “É o fim da Broadway brasileira”. Leia com toda a calma do mundo.

O Fim da Broadway Brasileira

Por Marllos Silva*

Nova York, conhecida como a capital do mundo, tem como um dos seus pontos turísticos mais importantes e gerador de renda a Broadway.

São Paulo vinha nos últimos 20 anos construindo uma filial brasileira. Neste período, os musicais se tornaram um ponto importante da economia criativa da cidade, um ponto turístico forte, um gerador de renda, fomentador cultural, exportador de profissionais, o maior formador de público cultural do país, mas está com os seus dias contados.

Após o anúncio do presidente da República que a Lei Rouanet terá um teto de R$ 1 milhão, estas ações vão deixar de existir. E os 2.000 trabalhadores diretos e os mais de 5.000 indiretos vão ter de conviver com o fim do seu sustento.

Nos últimos 20 anos, o mercado de teatro musical cresceu 1.100% no número de produções. A partir deste crescimento, que foi impulsionado pela produção de musicais de dramaturgia estrangeira, surgiu uma safra de musicais nacionais que hoje já superaram os estrangeiros em número total. Apenas entre 2012 e 2018 houve um crescimento de 182% no número de musicais brasileiros. Nestes seis anos, 120 musicais foram encenados, sendo 104 com o apoio da Lei Rouanet.

Este crescimento foi acompanhando pelo ávido desejo do público em lotar os grandes teatros para assistirem aos musicais. Uma geração inteira cresceu admirando profissionais de teatro musical. Surgiram novas escolas dedicadas à formação de profissionais especializados em teatro musical, só em São Paulo são cinco centros de estudos e formação deste tipo de profissional.

Estes mesmos profissionais hoje ganham o mundo e levam o nome do Brasil para fora, passamos a ser exportadores de talento, muitos dos nossos atores estão na Alemanha, México, Espanha, sendo protagonistas de grandes musicais.

Teatros foram construídos buscando atender esta demanda. Neste período, apenas em São Paulo surgiram: Teatro Bradesco, Net, Santander, Prevent Senior, Opus, outros foram adaptados ou ganharam sobrevida como Alpha, Frei Caneca e outros que estão para inaugurar ou que posso ter eventualmente esquecido de mencionar.

Sem contar os outros estados que receberam investimento para construção ou reformas de teatros buscando oferecer estrutura para receber as turnês dos musicais, cidades como Recife, Fortaleza, Natal, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre são pontos obrigatórios para as turnês dos musicais.

Profissionais ganharam novas oportunidades e um novo mercado: diretores musicais, maestros, músicos, coreógrafos, construtores de cenário, o mercado se adaptou às necessidades e trouxe os designers de som, stage manager e management.

Empresas de publicidade, assessoria de imprensa, espaços de ensaio, todos especializados em atender este mercado surgiram. Agências de viagens criaram pacotes de turismo cultural para cidade de São Paulo, tendo como foco principal a ida aos teatros.

Dificilmente você vai a uma sessão de teatro no fim de semana e ao término não se depara com vans ou ônibus de excursões. Impacto direto em hotéis, restaurantes, shoppings. Uma parceria com o turismo de negócio foi criada para atender e entreter este tipo de turista.

Escolas públicas, ONGs passaram a levar os seus alunos ao teatro em quantidade muito maior, aumentando o interesse e a frequência, não apenas para assistirem aos espetáculos, mas para participarem de palestras e debates. Apresentando a eles mais uma opção de mercado de trabalho. Anualmente mais de 150 mil ingressos são entregues à população de forma gratuita ou em sessões populares.

Entretanto, para que essa roda gire, é necessário grandes investimentos. Todo este retorno à população e ao governo, através da geração de mais impostos, só acontece graças à Lei Rouanet. Para se produzir um musical grande, em média, envolvemos 200 pessoas diretamente, um musical médio, 100 pessoas.

Todos estes dados são apenas de São Paulo, não inseri números sobre turnês pelo país, as temporadas cariocas, mineiras, cearenses, sim, porque os musicais estão ganhando outros Estados além do eixo.

Pergunto com o coração aberto:

Sr. Presidente, depois de todas estas informações, o senhor realmente acha que com R$ 1 milhão é possível produzir um espetáculo que envolva 100 pessoas, por seis meses? Incluindo divulgação, locação de equipamentos, teatro, construção de cenário e salário de todos os funcionários.

E não podemos jamais esquecer que somos obrigados a dar um desconto 50% da nossa bilheteria para estudantes, idosos, professores da rede pública e sabe-se lá mais quem, sem receber nenhum subsídio por conta deste desconto. Ah! Que inveja das empresas de transporte público, que recebem seu subsídio no bilhete único.

Certamente, o senhor desconhece, mas nós produtores, trabalhamos em média, dois a três anos antes de um espetáculo começar a ensaiar, esse período todo sem receber um centavo. Apenas apostando em um projeto, que nem sempre dá certo.

Estou aqui à sua total disposição para mostrar, com dados reais, que limitar os projetos em R$ 1 milhão é assassinar toda uma cadeia produtiva.

Este não é um pedido, é um apelo por socorro! Não prossiga com esta ação, ela irá causar o desemprego de muitas famílias que hoje tiram o seu sustento do teatro musical.

*Marllos Silva é ator, diretor, dramaturgo e produtor, além de criador do Prêmio Bibi Ferreira e se define como “mais um sobrevivente”.

 

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