João Luiz Fiani faz 40 anos de carreira como nome forte no teatro do Paraná
Em um fim de tarde de um típico dia cinza no centro de Curitiba, o ator, diretor, dramaturgo e produtor teatral João Luiz Fiani, 55 anos, chega à cobertura do Hotel Mabu para encontrar-se com o Blog do Arcanjo no UOL.
Às vésperas de completar 40 anos de carreira, ele é um dos maiores nomes do teatro no Sul do Brasil, com mais de cem peças escritas.
Além disso, comanda desde 1994 o Teatro Lala Schneider, primeiro empreendimento teatral privado do Paraná e sucesso constante de público, mesmo sem apoio estatal ou de patrocinadores.
O espaço leva o nome da primeira-dama do teatro paranaense, a atriz Lala Schneider (1926-2007), de quem Fiani foi discípulo.
Falando nela, foi dele a ideia de pedir ao poder público a construção de um busto da atriz na praça Santos Andrade, em frente ao lendário Teatro Guaíra, onde posou para as fotos de Daniel Sorrentino que ilustram esta entrevista exclusiva.
Nascido em 8 de setembro de 1963 em Palmeira, pequena cidade na região de Ponta Grossa, no Paraná, Fiani foi criado no Rio e radicou-se aos 15 anos em Curitiba, onde é uma das figuras mais importantes da cena cultural.
Ele deixou em dezembro último o posto de secretário de Cultura do Estado do Paraná no governo de Beto Richa. Mesmo com cargo no poder executivo, não abandonou os palcos.
No último Festival de Teatro de Curitiba, estreou ao lado de um elenco potente e com casa cheia a comédia “Encurralados”. Na obra agora em cartaz em seu teatro, aborda de forma divertida e ao mesmo tempo educativa o tema do preconceito em relação à orientação sexual. Esta foi apenas uma de suas 11 direções e três atuações no maior evento das artes cênicas na América Latina.
A dedicação de Fiani aos tablados é tão intensa que ele precisou deixar de lado a televisão, apesar de ter atuado em produções que marcaram época na Globo, tais como “Roda de Fogo”, “Meu Bem, Meu Mal”, “Lua Cheia de Amor” e “A Grande Família”.
Neste bate-papo, ele fala da carreira, do Festival de Curitiba, de sua passagem pelo mundo político e de como consegue sobreviver de teatro em um país que cada vez maltrata mais esta arte. E ainda apontou possíveis caminhos para a sobrevivência da vida sobre o palco.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Você tem uma relação antiga com o Festival de Curitiba?
João Luiz Fiani — Participei da abertura da primeira edição. Há 28 anos estava na mesa com Paulo Autran, foi incrível, fiquei todo emocionado. O Jaime Lerner era prefeito e um grande parceiro para o teatro. O Festival colocou Curitiba no cenário brasileiro. O Festival nasceu com certa desconfiança da classe artística local, que até hoje existe, e a gente entende por várias razões, tem o bairrismo também… Mas, aos poucos, ele mostrou sua importância não só nacional e internacional como para o teatro da cidade.
Miguel Arcanjo Prado – Como assim?
João Luiz Fiani — Hoje o Festival de Teatro de Curitiba é a melhor época para mim como produtor teatral. É a época em que consigo equilibrar minhas finanças no teatro. Consegui neste ano ter 80% de taxa de ocupação no Teatro Lala Schneider. Não tenho do que reclamar. O Festival é muito importante para a existência do teatro curitibano.
Miguel Arcanjo Prado – O que pode melhorar?
João Luiz Fiani — O que falta para Curitiba em relação ao Festival é fazer essa manutenção ao longo do ano. Durante o Festival a mídia está toda falando do teatro. As pessoas se sentem até obrigadas a ir ao teatro. Aí acaba o Festival e acontece um hiato. Parece que só vai existir teatro em Curitiba dali a um ano. Nesse ponto, acho que o Festival poderia ajudar o teatro de Curitiba, dando uma visibilidade a ele ao longo do ano. Esse é um dos meus projetos: que o Festival ajude a fomentar o teatro na cidade.
Miguel Arcanjo Prado – Como você lida com a crítica?
João Luiz Fiani — Eu já passei por crítica positiva, crítica negativa. Já passei por destaque na Folha como espetáculo maravilhoso, destaque no jornal local como uma coisa horrorosa. Faz parte. Quando você trabalha com arte, com cultura, está sujeito à opinião. E opinião é opinião. Goste ou não goste, a gente tem de se sujeitar a isso, porque é o que a gente escolheu.
Miguel Arcanjo Prado – Muitos artistas gostam de defender a liberdade de expressão, mas quando o crítico fala mal de algum trabalho deles querem matá-lo. O que acha disso?
João Luiz Fiani — Não dá para levar para o pessoal. A gente fica triste quando recebe uma crítica negativa, não vou mentir. O artista trabalha muito e quer aplauso sempre, mas um ou outro não vai gostar. Tem de respeitar.
Miguel Arcanjo Prado – A mídia tradicional impressa não tem mais o monopólio da informação de dizer se uma obra cultural é boa ou ruim para o público. Você acha positivo essa chegada das redes sociais, que permitem múltiplas visões?
João Luiz Fiani — Eu vejo o relacionamento digital como saída para a história do teatro. Se o teatro não acompanhar esse momento e se aproximar digitalmente do público e da cidade ele está fadado a ficar vazio. Se o teatro não tiver esse olhar digital ele está perdido completamente. As mídias estão aí todas. Hoje o teatro tem um grande concorrente que é o Netflix. E não dá para brigar com o Netflix, uma coisa que você paga 30 reais por mês e tem acesso a todos aqueles filmes e séries, você tem uma locadora inteira na sua casa!
Miguel Arcanjo Prado – Como o teatro pode lidar com isso?
João Luiz Fiani — A gente tem de se reinventar. E uma das formas de se reinventar é como chegar ao espectador. Muitas vezes temos bons produtos, mas as pessoas não sabem. Então, esse relacionamento digital direto com o público, para que ele seja engajado e também um divulgador dos nossos trabalhos, é fundamental.
Miguel Arcanjo Prado – O humor é fundamental na sua carreira. Acha que ainda há preconceito com o gênero na crítica, academia e na mídia?
João Luiz Fiani — Isso vem desde Aristóteles, porque se você analisar toda estrutura da tragédia e da comédia dos gregos, a comédia sempre foi considerada uma arte menor. Isso para os estudiosos, os acadêmicos, não para o povo, não para o público. Mais uma vez a gente comprova esse distanciamento da classe artística para com que o público quer. E muita gente acaba deixando a comédia de lado.
Miguel Arcanjo Prado – Como a comédia ganhou esse peso na sua trajetória?
João Luiz Fiani — Eu fui meio que obrigado a fazer comédia. Porque em 1993 resolvi ter meu teatro em Curitiba, onde ainda não havia teatros particulares. Então, foi um desafio. Eu quebrei um paradigma, de que teatro era só um equipamento público. Mas o que aconteceu: para deixar o teatro aberto, eu tive de fazer comédia, porque é o que público queria ver. E eu acabei me especializando em comédia. E hoje todas as minhas peças lotam não só no Festival de Curitiba quanto ao longo do ano. Isso porque me especializei e ofereço o melhor para o público.
Miguel Arcanjo Prado – Você sente que ainda há preconceito com seu trabalho?
João Luiz Fiani — Claro que existe ainda preconceito com o meu trabalho. Os “acadêmicos” falam mal de mim, mas nunca viram uma peça minha, porque é mais fácil falar mal do que assistir, mas isso não me incomoda. Eu completo agora em 15 de julho 40 anos de profissão. Isso realmente não me incomoda. O que eu quero é continuar a fazer teatro.
Miguel Arcanjo Prado – Como você entrou para o teatro?
João Luiz Fiani — Digo que foi por paixão. Dos 13 aos 15 eu fiz de forma amadora e de 15 em diante de forma profissional. Eu comecei por conta de uma professora de português. Eu morava no Rio de Janeiro e estudava no Instituto São Sebastião. E essa professora abriu um curso de teatro na escola, em Copacabana, e aí me apaixonei por ela. Mas ela nunca soube que eu fui “namorado” dela [risos]. Eu tinha 13 anos e ela tinha 30. Comecei a fazer teatro por causa dela.
Miguel Arcanjo Prado – Aí você se mudou para Curitiba?
João Luiz Fiani — Isso. Com 15 vim para Curitiba e comecei a fazer teatro mesmo, depois fiz faculdade, me formei e não mais parei. Fiz o Curso Permanente de Teatro do Guaíra, que deu origem à Faculdade de Artes do Paraná. Estudei com gente como Luís Melo, que depois estourou em São Paulo e na Globo e sempre foi um exemplo para todos nós, Nena Inoue, Ivam Cabral, Regina Bastos, Beto Bruel, Mário Schoemberger… Era uma turma pesada.
Miguel Arcanjo Prado – Como quis ter um teatro?
João Luiz Fiani — No Rio eu via que as peças ensaiavam semanas e ficavam meses em cartaz. Aqui em Curitiba a gente ensaiava meses e ficava semanas em cartaz. Isso me irritava. Porque lotava e na hora que o boca a boca funcionava, acabou a peça. Aí descendo a Rua Treze de Maio aqui em Curitiba vi um barracão no número 629 caindo aos pedaços e resolvi alugar. Até hoje pago aluguel! Por isso não tiro o olho da bilheteria. Inaugurei o teatro em 23 de abril de 1993, dia do aniversário de William Shakespeare e Lala Schneider. A Lala foi minha professora, nossa mestra, por isso resolvi homenageá-la.
Miguel Arcanjo Prado – Ela foi um marco.
João Luiz Fiani — Ela foi muito importante para o teatro no Paraná. Hoje se fala do empoderamento da mulher na sociedade e lá na década de 1950 ela quebrou barreiras e paradigmas. Eu tinha de homenageá-la. Ela fez todos respeitarem o teatro no Paraná.
Miguel Arcanjo Prado – E foi você quem deu a ideia do busto dela na praça Santos Andrade de frente ao Teatro Guaíra?
João Luiz Fiani — Lala morreu em 2008, e em 2011, uma amiga minha atriz me falou: “Fiani, eu sonhei com a Lala e ela quer uma estátua na praça Santos Andrade”. Passou um tempo e o Ivam Cabral me liga e fala: “Fiani, estou lançando meu livro de entrevistas com nomes do teatro curitibano, vai lá no Espaço Cênico do Luís Melo”. Eu fui e ele me presenteou com o livro. Dei uma folheada e quando vi a última entrevista e de quem era? Da Lala Schneider. E comecei a ler o livro ali mesmo e li a entrevista inteira. E a última coisa que a Lala falou no final foi: “Eu quero uma estátua minha em frente à praça Santos Andrade”. Na época me arrepiei inteiro e fui contar essa história ao Beto Richa, que na época era o prefeito. E ele falou: “Para agora: manda fazer a estátua!”.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi ser secretário de Estado da Cultura do Paraná e ir para a gestão pública, que é um lugar tão delicado para o artista?
João Luiz Fiani — Para mim foi uma experiência maravilhosa. Porque eu sabia o que precisava ser feito. Fui presidente do Sindicato dos Produtores Teatrais muitos anos. Então, quando recebi o convite do governador Beto Richa, disse: “Com uma condição: eu tenho de atender as demandas da classe artística”. E ele me respondeu: “Fiani, o que você precisar, dentro do nosso orçamento, eu vou te atender”. A primeira coisa que fiz foi alinhar o Paraná ao Sistema Nacional de Cultura. Criei o Plano Estadual de Cultura. A gente criou o Fundo Estadual de Cultura, criamos Lei Estadual de Cultura Profice, consegui a liberação de quase R$ 70 milhões com o governador, isso nunca aconteceu na história antes. Reativamos vários espaços culturais, reformamos a Biblioteca Pública do Paraná, reformamos o Teatro Guaíra, o Museu Alfredo Andersen, o Museu da Imagem e do Som, e agora começou a reforma do Museu de Arte Contemporânea, com orçamento que eu deixei. O Museu Oscar Niemeyer está inteiro também, todo arrumado. Conseguimos também fazer trabalhos de circulação, reuni todos os secretários de Cultura dos municípios do Paraná. Dentro do orçamento, creio que superei as expectativas. Infelizmente, o novo governador entrou [Ratinho Junior, PSD] e acabou com a Secretaria de Cultura. Tudo o que fizemos nos últimos quatro anos foi por água abaixo.
Miguel Arcanjo Prado – O poder público tem de ser mais democrático e republicano com a Cultura e entender que a Cultura não é de um partido ou de outro, mas um patrimônio de todos?
João Luiz Fiani — A visão que muitas vezes o poder público tem desses eventos culturais, sobretudo os particulares, é equivocada. Porque pensam que o evento só visa o lucro. A pessoa visa lucro também, mas o objetivo não é só esse. Os festivais têm uma importância social, cultural e econômica muito grande. Vejo políticos falando de economia criativa. Se o Festival de Teatro de Curitiba não é exemplo de uma economia criativa, então o que é? Veja quantos empregos são gerados, pelo menos 800 empregos diretos, movimenta 200 mil ingressos. E mais: turistas que vem para a cidade, hospedam nos hotéis, comem nos restaurantes e vão beber nos bares. A cidade ganha uma movimentação. Gostaria que um dia a Secretaria de Segurança Pública fizesse um levantamento, porque tenho certeza que a criminalidade diminui na época do Festival, porque as ruas ficam cheias.
Miguel Arcanjo Prado – O que achou de a Prefeitura de Curitiba não apoiar o Festival esse ano?
João Luiz Fiani — Eu não entendi. Tentei falar com o prefeito Rafael Greca, porque tenho uma amizade com ele, mas ele foi realmente muito duro na resposta e não quis saber. Disse que quando quer fazer um evento, ele faz ele mesmo.
Miguel Arcanjo Prado – O balanço seu no Festival foi bom?
João Luiz Fiani — Fiz 11 direções neste Festival de Curitiba. E fiz três como ator: “A Casa do Terror”, que é sucesso há 23 anos, o suspense “A Morte Pede Passagem”, que é um fenômeno, e “Encurralados”, uma comédia com quatro atores na qual falo sobre o radicalismo do machismo e da homofobia. “A Casa do Terror” e “Encurralados” continuam agora em cartaz no Teatro Lala Schneider.
Miguel Arcanjo Prado – Você voltaria à vida pública como vereador ou deputado?
João Luiz Fiani — Se for importante pela cultura, eu vou brigar por ela. Eu fico triste de ter acabado o Ministério da Cultura e a Secretaria de Cultura do Paraná. Se sentir que a Cultura precisa de mim nesse lugar, não descarto.
Miguel Arcanjo Prado – Tanto ataque aos artistas atualmente é reflexo de se partidarizar a Cultura no Brasil?
João Luiz Fiani — É claro que eu fico indignado com tudo isso, mas também um pouco do que acontece nós somos culpados em parte, e digo como classe artística, pela maneira agressiva que muitos se posicionaram ao longo dos últimos anos. E eu me coloco nesse mesmo balaio. Mas a gente tem de ter equilíbrio, a cultura tem de ser esperta e buscar equilíbrio entre as partes para continuar sobrevivendo. Dou o exemplo da Idade Média: quando se proibiu fazer teatro e ele levava as pessoas à fogueira e à forca, o teatro entrou para dentro da Igreja, como os autos do Gil Vicente, que a gente estuda até hoje. O teatro precisa ser mais estratégico. Saber jogar politicamente para não perder seu espaço.
Miguel Arcanjo Prado – Falta os artistas voltarem a ter o espírito empreendedor, como falou o Leandro Knopfholz, fundador do Festival de Teatro de Curitiba?
João Luiz Fiani — Sim, concordo plenamente com o Leandro. Com os Fomentos e Leis de Incentivo, muitos artistas pararam de se preocupar com o público e até afugentaram as pessoas. Não sou contra as Leis, elas viabilizam as pesquisas de linguagem, o que é importante para a Cultura, pesquisas aprofundadas e de novas tendências que precisam existir. Mas, se as leis acabarem agora, morre a cultura? Vai ter um colapso? No Lala Schneider, não. Todas minhas peças vivem de bilheteria, não temos patrocínio, Leis ou outras fontes de renda. A gente faz comédia para o público. Se as marcas quiserem patrocinar, estamos aí, porque temos muito público.
Miguel Arcanjo Prado – Que tipo de ator você é?
João Luiz Fiani — Eu sou um homem de teatro, é minha profissão que eu amo. Eu vivo disso e ajudo quem eu possa ajudar nessa minha profissão. Mesmo, ajudo também quem faz teatro de pesquisa e nem gosta do meu trabalho, mas eu respeito muito o trabalho deles. Eu sou isso: um amante do teatro. Eu vivo isso. Mesmo sendo secretário, eu nunca deixei de fazer teatro. Se Deus quiser, quero morrer no palco.
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