A quinta edição do Festival Sarará reuniu mais de 30 mil pessoas na Esplanada do Mineirão, em Belo Horizonte, neste sábado (31). Foram 12 horas de festa com uma música brasileira de altíssima qualidade e repleta de uma energia contagiante que emanou tanto do palco quanto das diferentes pistas do meio-dia à meia-noite.
O ponto forte do evento foram as atrações musicais em uma curadoria que merece os parabéns deste crítico, ao reunir novos e antigos nomes do nosso showbiz, sozinhos ou em encontros potentes.
No palco, a proposta foi de integração em shows como os que uniram Duda Beat e Pabllo Vittar ou Djonga e Mano Brown — com seu canto de guerra “fogo nos racistas”. Também animaram os mineiros a leveza de Silva, o transe do BaianaSystem, o rapper ancestral do Baco Exu do Blues — que subiu ao palco mesmo após Diogo Moncorvo passar mal —, o pop doce do Lagum ou a irreverência contagiante do Lá da Favelinha, entre outros.
Gilberto Gil, um dos nomes mais aguardados pelo público, levantou já no fim da noite os mineiros, que com ele cantaram em um só som seu hit “Aquele Abraço”, um dos momentos memoráveis da festa.
Mas foi a carioca Letrux, que convidou a veterana Marina Lima para seu show, quem resumiu o sentimento do dia. “Por um mundo sem fronteiras. Todos no mesmo espaço”, deu o recado.
‘Apartheid social’ gera crítica ao Festival Sarará
A fala de Letrux combinou e muito com o Sarará neste ano. Afinal, foi justamente a falta de integração na plateia o ponto mais criticado do evento, já que o Festival Sarará optou neste ano por fazer separação do público por diferentes castas sociais, criando uma espécie de “apartheid social”.
Houve divisão dos espectadores entre pista comum, mais longe do palco e com som em alguns momentos inaudível, e pista premium, mais próxima, com preços de ingressos diferenciados, além de uma espécie de camarote-ostentação com open bar.
Além disso, o Blog do Arcanjo apurou que pessoas que estavam trabalhando no evento, vestidas de preto sob sol de mais de 35 graus, passaram mal e precisaram ser atendidas pelos Bombeiros.
Não foi só Letrux quem criticou a divisão do público. Muita gente em ambas as pistas também achou que uma coisa assim não cabe em um festival que leva a palavra sarará no nome — que significa aquele que é fruto da mistura entre negros e brancos —, nem combina com sua proposta inicial, apresentado como um festival musical democrático e integrador. Tanto que na página de vendas dos ingressos aparece a frase “sentir junto”, como um de seus slogans. O mesmo tipo de reclamação surgiu também nas redes sociais do evento.
Este crítico concorda que houve, neste ano, inadequação entre discurso e prática no Festival Sarará, que deve ser observada com cuidado nas próximas edições por seus organizadores, A Macaco, composta por gente do mais alto gabarito quando o assunto é produção cultural, como demonstrou a organização estrutural do evento.
Afinal, lembrando Caetano Veloso, a força da grana não deve destruir coisas belas.
É preciso reiterar que a separação do público é comum em festivais ao ar livre de outros gêneros musicais, mas não combina com o perfil de artistas convidados do Sarará— artistas brasileiros de discursos progressistas engajados e que propõem justamente a integração, a diversidade e a mútua convivência a partir de suas canções.
Tampouco o “apartheid social” combina com os respectivos admiradores de tais artistas do line do Sarará, ao que todos acompanhamos, pessoas que prezam por uma noção coletiva de espaço público, onde todos possam conviver em harmonia e sem a necessidade de barreiras e diferenciações, seja por classes sociais ou de outros gêneros.
Infelizmente, na prática, o Festival Sarará 2019 ficou longe de um pensamento integrador. Não à toa, a gigante barreira que separou a “pista pobre” da “pista premium”, como era chamada pelos presentes, acabou por ser apelidada por alguns frequentadores do evento de “muro de Trump”. Melhor analogia, impossível.
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Nota do colunista: Em uma sequência de postagens no Twitter, o Festival Sarará deu sua posição sobre optar este ano em dividir o público em pistas diferentes e com ingressos de valores diferenciados:
“Este é um ano difícil pra Cultura. Ao contrário da edição passada, não temos o apoio de Lei de Incentivo à Cultura […] Pra realizar o evento que idealizamos, sem incentivos e sem setorizar, a pista seria entre $100 e $150, chegando a R$ 200 no final. Neste ano, mais da metade do público pagou $50 ou menos. Um valor beeeem [sic] menor do que o praticado por outros festivais nacionais do mesmo porte. Duas coisas tornaram possível esse preço abaixo da média nacional: a setorização e a recepção do público (vcs são demais!)”, postou o Festival Sarará.