Artista inquieto, Robson Catalunha faz parcerias no Brasil, EUA e Europa
O ator Robson Catalunha vive um ano de encontros múltiplos e repleto de novidades artísticas em sua carreira. Sorocabano radicado em São Paulo há dez anos, ele se prepara para uma grande viagem internacional para Estados Unidos e Europa. O artista que trabalhou com diretores como Rodolfo García Vázquez, Maria Alice Vergueiro e o norte-americano Bob Wilson foi visto no primeiro semestre no espetáculo “Mississipi”, que celebrou os 30 anos do grupo Os Satyros. Depois, dirigiu o espetáculo “Entrevista com Phedra”, ainda em cartaz, ao lado do argentino Juan Manuel Tellategui, e participou do elenco do experimento cênico “O Aquário”. Assim que retornar ao Brasil, já tem novos projetos engatados com nomes como Ney Latorraca e Jane di Castro. Catalunha conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo nesta Entrevista de Quinta, com ensaio do fotógrafo Bob Sousa. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Esse ano está sendo muito movimentado na sua carreira, não?
Robson Catalunha — Em todos os âmbitos, Miguel. Profissionalmente, comecei o ano ensaiando “Mississipi”, que fez pré-estreia no Festival de Teatro de Curitiba, e, logo depois, estreou em São Paulo no Sesc Consolação, um dos teatros mais desejados da cidade. Depois disso, fui convidado para dirigir “Entrevista com Phedra”, a convite de um jornalista e dramaturgo de primeira viagem que você conhece mais do que ninguém [risos]; também fui convidado como ator para um projeto super interessante, “O Aquário”; e em alguns dias viajo para os Estados Unidos, Holanda e Croácia; e ainda fui convidado para dirigir duas outras peças.
Miguel Arcanjo Prado — Estados Unidos, Holanda e Croácia? O que você vai fazer nesses lugares?
Robson Catalunha — Fui convidado por uma performer croata que desenvolve uma pesquisa muito autoral, chamada Vesna Mačković, para criarmos um trabalho em Zagreb subvencionado pelo Ministério da Cultura da Croácia.
Miguel Arcanjo Prado — Do que se trata o trabalho?
Robson Catalunha — A Vesna Mačković é economista, dramaturga e suas criações transitam entre a dança contemporânea, as artes visuais e o teatro multimídia, além de ter uma pesquisa muito singular com a voz e o som. E, há alguns meses, começamos uma pesquisa individual, cada um em seu país. Estamos pesquisando discursos polêmicos de políticos polêmicos, mas ainda não sei o que irá acontecer quando nos encontrarmos. E isso é o mais instigante, pra mim, desse projeto.
Miguel Arcanjo Prado — E vocês irão estrear na Croácia?
Robson Catalunha — Sim. Ficarei um mês na Croácia, ensaiando diariamente e vamos estrear em Zagreb.
Miguel Arcanjo Prado — E em qual idioma esse trabalho será apresentado?
Robson Catalunha — Eu não sei nem como se fala bom dia em croata [risos]. A proposta é que o trabalho seja falado em inglês, português, croata e também em fonemol, uma língua inventada. Um dramaturgo alemão escreveu que “uma história com começo, meio e fim já não dá mais conta da realidade”. E eu concordo. A única coisa que sei é que não queremos e não iremos contar uma história. Há alguns anos, comecei a me interessar por trabalhos menos textuais e mais visuais. Então, o idioma, pra mim, nesse momento, é o que menos importa. Estamos interessados em discutir as diferenças: de identidade, sexualidade, gênero, religião, cultura…
Miguel Arcanjo Prado — Você é um artista que gosta de trabalhar com pessoas diferentes?
Robson Catalunha — Ultimamente, eu tenho pensado muito em como nós nos tornamos aquilo que somos a partir das experiências, das histórias, da nossa família, dos amigos, da geografia e do clima de onde vivemos… Nos últimos dez anos, trabalhando em São Paulo, eu vivi experiências com artistas e pessoas muito diferentes. No Satyros, por exemplo, convivi com pessoas de gêneros, sexualidades, credos e etnias completamente diferentes. Essa é uma característica do grupo e de seus fundadores, o Rodolfo García Vázquez e o Ivam Cabral, que além de grandes artistas e amigos são pessoas muito agregadoras. Mas, também vivi uma experiência artística e pessoal ímpar com a Maria Alice Vergueiro, em “Why The Horse”, e com o Bob Wilson, no musical “Garrincha” e em Nova York; com a Bete Coelho e o Cassio Brasil em “O Aquário”. E isso me move, me instiga e inspira, enquanto artista e pessoa.
Miguel Arcanjo Prado — É a primeira vez que você vai para o leste europeu?
Robson Catalunha — Sim. O teatro tem me levado a lugares do mundo que eu jamais imaginaria ir. Fui para Estocolmo com Os Satyros apresentar o espetáculo “Cabaret Stravaganza”, em 2013, em intercâmbio com o grupo sueco Darling Desperados. Fui para a China, em 2018, também com o Satyros, para apresentar o espetáculo “Caberet Fucô”, no Festival de Wuzhen. Já fui para Cabo Verde, na África, no Festival Mindelact. Mas não conheço nada sobre a Croácia e não tenho a menor ideia da cultura e da realidade de lá. Então, vai ser uma experiência interessante nesse sentido, pois vou viver um processo de criação artística num lugar completamente desconhecido. Como artista estrangeiro, vou investigar questões dessa artista croata a partir da realidade dela, mas com o intuito de provocar, com esse trabalho, uma reflexão que não seja restrita a um lugar. E, além da Croácia, também irei para Amsterdã e para Washington.
Miguel Arcanjo Prado — Washington?
Robson Catalunha — Sim. A Vesna Mačković está em turnê com um trabalho nos Estados Unidos e marcamos o primeiro encontro do nosso projeto em frente à Casa Branca, o epicentro da política mundial, para iniciar o nosso trabalho. Um brasileiro e uma croata em frente à Casa Branca. De lá, enquanto ela termina sua turnê, irei para Amsterdã, para começar outro projeto e também irei apresentar “The Hybrid”, a performance que criei em Nova York no ano passado. Só depois disso nos encontraremos na Croácia.
Miguel Arcanjo Prado — Como você e a Vesna se conheceram?
Robson Catalunha — Nos conhecemos em Nova York, em 2017, no The Watermill Center, o laboratório de inspiração e performance do Bob Wilson em Nova York, que recebe anualmente artistas de mais de 30 países. E a Vesna foi uma dessas pessoas. O Watermill é uma espécie de Torre de Babel da arte. Lá, todos fazem de tudo: cozinham, plantam, limpam o banheiro e também criam. Conheci e iniciei relações com muitos artistas, porque somos estimulados a desenvolver projetos juntos, que são selecionados pelo Bob Wilson, para serem apresentados em dois grandes festivais de artes que ele produz. Em um desses eventos, em 2017, eu apresentei a performance “Cocoon”, mas também auxiliei a construir o ambiente cenográfico em que a Vesna fez a performance dela. Então, acabamos ficando próximos e nasceu uma amizade e também um diálogo artístico. Já de volta ao Brasil, eu a convidei para participar do Festival Satyrianas, em 2017 e 2018.
Miguel Arcanjo Prado — Mas está com outros projetos paralelos?
Robson Catalunha — Sim, como eu disse, logo depois do “Mississipi” dirigi o espetáculo “Entrevista com Phedra”, que me fez revisitar as minhas memórias da Phedra D. Córdoba em um encontro com artistas muito especiais, como a Márcia Dailyn, que foi a primeira bailarina transexual da Escola de Dança do Theatro Municipal de São Paulo, o Raphael Garcia, do Coletivo Negro, e o ator argentino radicado em São Paulo, Juan Manuel Tellategui, com quem dividi a direção.
Miguel Arcanjo Prado — E é verdade que a Jane di Castro, figura lendária da noite carioca, lhe convidou para dirigir um trabalho dela?
Robson Catalunha — Sim. Há algumas semanas, a Jane veio do Rio especialmente para assistir ao espetáculo “Entrevista com Phedra”. Ela foi amiga da Phedra D. Córdoba, gostou muito do trabalho e me convidou para dirigir um projeto dela. Vamos começar essa criação assim que eu voltar de viagem. Será uma honra e um grande desafio dirigir Jane Di Castro, uma atriz com mais de cinco décadas de carreira, que já foi dirigida por Bibi Ferreira, Ney Latorraca, se apresentou no Lincoln Center e que, recentemente, foi dirigida pela Leandra Leal no filme “Divinas Divas”. E, além do convite como diretor, ela também me convidou para produzir um show dela chamado “As Canções de uma Divina Diva”, dirigido pelo Ney Latorraca, que irá estrear no Satyros, em outubro.
Miguel Arcanjo Prado — E você gosta de dirigir?
Robson Catalunha — Eu gosto muito de dirigir atores. E é um processo de sofrimento pra mim dirigir uma peça, porque eu sou muito detalhista. O diretor tem que se preocupar com todos os outros elementos da cena: luz, cenário, música. Ser ator é mais fácil. Mas eu gosto de dirigir atores. Minha primeira experiência foi em Sorocaba, ainda adolescente, quando ganhei um concurso literário com um texto que escrevi e tive que dirigir o texto, que estreou no Sesc Sorocaba e depois fez uma temporada na cidade. Era um monólogo e eu quase enlouqueci a atriz, que, aliás, é uma grande atriz de Sorocaba, a Matilde Santos, porque eu mudava tudo todos os dias [risos]. Mais recentemente, depois dessa passagem pelo Watermill Center comecei uma pesquisa solo, “Casulo”, a partir de uma performance que fiz em Nova York. Estreei uma primeira versão desse trabalho no Festival Internacional de Teatro do Mindelo, em Cabo Verde, na África, mas ainda não tenho previsão de estrear em São Paulo. É um projeto que não está acabado e não pretendo acabar, é um work-in-progress, a partir de uma forte experiência que tive em Nova York. Mas eu também tive outras experiências como diretor, com a própria Phedra D. Córdoba, tanto no seu solo-biográfico “Phedra por Phedra”, de 2015, quanto no show-homenagem, “Phedras por Phedra”, feito às vésperas da morte dela em uma noite inesquecível de 2016 no Teat(r)o Oficina, no qual assinei direção ao lado do Gero Camilo. E, agora, com “Entrevista com Phedra”, com o meu solo “Casulo”, com o convite da Jane Di Castro e um outro convite que surgiu, eu voltei a me interessar pela direção.
Miguel Arcanjo Prado — Você comentou sobre o espetáculo “O Aquário”, que você atuou recentemente na Oficina Cultural Oswald de Andrade, que eu fui assistir. Como foi esse trabalho?
Robson Catalunha — Foi uma das experiências mais loucas da minha vida, porque iniciamos um projeto que era pra ser um ensaio e virou um espetáculo. Em 2016, eu fiz uma leitura encenada do texto dirigida pela Bete Coelho. E então, o Cássio Brasil resolveu dar continuidade ao trabalho. A Bete Coelho estava em “Mãe Coragem”, e ele assumiu a direção. O projeto partiu do romance “O Aquário”, da suíça Cornélia de Preux, que foi escrito a partir de fatos reais: uma família que não tem dinheiro para viajar, diz que irá viajar e resolve se trancar no porão da casa. A proposta inicial era um ensaio aberto, pra discutirmos o texto. Mas não foi. Nos reunimos durante uma semana para conversar sobre o projeto, e, na semana seguinte, entramos no teatro, sem texto decorado ou marcações, sem termos lido o romance juntos, sem termos feito leitura de mesa, mas com cenário, iluminação, adereços, trilha sonora executada ao vivo e, pro nosso desespero, com plateia. E foi uma das experiências mais interessantes e angustiantes da minha vida. Durante duas semanas, todos os dias, ao lado de três parceiras incríveis (Fabiana Gugli, Luiza Micheletti e Luiza Curvo) entramos em cena pra contar-encenar-ensaiar-improvisar essa história. Cada dia foi uma peça e uma experiência completamente diferente, pra nós e para o público. E a autora veio da Suíça, assistiu quatro apresentações e adorou [risos].
Miguel Arcanjo Prado — E vocês querem montar “O Aquário”?
Robson Catalunha — Sim, muito. A ideia é montar em 2020 em São Paulo.
Miguel Arcanjo Prado — Você tem vontade de fazer cinema e televisão?
Robson Catalunha — Por que não? O cinema e a televisão me interessam muito por serem linguagens completamente diferentes de atuação, em comparação ao teatro. Aliás, também quero dublar, fazer musical, ópera, comercial… Tenho tido um pouco de preguiça de preconceito com essa ou aquela linguagem artística. Mais do que nunca, nós, artistas, precisamos nos unir.
Miguel Arcanjo Prado — Você é um ator de que tipo?
Robson Catalunha — Do tipo que está sempre inquieto [risos].