Crítica: Chaves – Um Tributo Musical ressalta lado triste do personagem
Quem vai assistir a “Chaves – Um Tributo Musical” no Teatro Opus, em São Paulo, pode ter uma sensação de estranhamento logo de cara. Afinal, o que vemos a princípio não é a tal vila que povoa a memória afetiva, mas palhaços em polvorosa na entrada do céu. Lá, acaba de chegar o mexicano Roberto Bolaños (1929-2014) — interpretado por Fabiano Augusto —, o criador e protagonista da série exibida com sucesso no Brasil há mais de três décadas pelo SBT.
Tal premissa é o mote que vai acompanhar toda a montagem com dramaturgia e direção musical de Fernanda Maia e direção geral de Zé Henrique de Paula: apresentar o protagonista, sua turma e até mesmo seu criador, todos amados por diversas gerações de brasileiros, a partir de um novo ponto de vista, bem mais questionador e melancólico do que estamos acostumados.
Leia reportagem especial do UOL sobre Chaves – Um Tributo Musical, por Paulo Pacheco
Tal mirada ressalta as características dramáticas — e tristes — do personagem-título, realçando sua pobreza, fome, orfandade e abandono, o que dá um nó na garganta do público e faz chorar copiosamente muitos espectadores, com direito a soluços nas cenas finais.
É como se a dramaturgia e direção quisessem fazer o público enxergar uma dura realidade, bem diferente do envelope fantástico e leve proposto originalmente por Bolaños e que foi, justamente, a razão de seu sucesso.
A releitura é dicotômica em seu próprio tributo, já que não pretende sedimentar e aplaudir o já feito, mas também colocá-lo sob ótica questionadora, como chega a fazer o próprio Bolaños da peça, quando se pergunta como fez humor com um menino naquela situação. É realmente um belo soco no estômago.
A superprodução usa Bolaños de veículo para reverenciar o circo brasileiro, muitas vezes esquecido pela grande indústria cultural do país sem memória, sobretudo aqueles palhaços que ajudaram a construir a cena artística nacional, a começar de Benjamin de Oliveira (1870-1954), palhaço negro que no musical é o líder daquele macambúzio céu, interpretado com lisura pelo ator-palhaço Milton Filho.
Apesar da boa intenção, em certos momentos, a interferência brechtiana dos palhaços na história de Chaves parece insistir em roubar a cena do que todos esperavam realmente ver em uma montagem que se chama “Chaves – Um Tributo Musical”. Por vezes, faz com que o musical perca ritmo, o que provoca certo enfadonho no espectador.
É claro que o público sente certo alívio ao poder voltar sem culpa ao riso alienado da infância quando o afinado elenco reproduz no palco episódios do “Chaves” com suas típicas situações simples e divertidas, tanto na vila onde moram quanto na escola frequentada pelas crianças sob comando do Professor Girafales, ambas reconstruídas no palco na cenografia de Eron Reigota e Bruno Anselmo. É preciso ainda destacar o minucioso figurino e visagismo de Fábio Namatame.
Mesmo atuando em um conjunto coeso, a atriz Carol Costa se destaca pela verossimilhança e carisma de sua Chiquinha, bem como Mateus Ribeiro impressiona com seu melancólico Chaves, com trabalho de corpo impecável. O Quico de Diego Velloso também demonstra farto estudo de personagem, em uma hábil construção que diverte o público. O trio é, certamente, o melhor de se ver em cena. Por sua vez, Andressa Massei demonstra técnica econômica e precisa na construção de Dona Clotilde, a Bruxa do 71, sendo o destaque entre os personagens adultos.
“Chaves – Um Tributo Musical” é um espetáculo ousado, que faz o teatro se impor sobre a TV, o drama sobre o humor, o épico de Brecht sobre o musical da Broadway. Tal atrevimento artístico é um mérito e leva o público a pensar sobre si mesmo.
Chaves, Um Tributo Musical
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: Bom ✪✪✪
Teatro Opus (av. das Nações Unidas, 4777, Alto de Pinheiros, São Paulo, SP). Sexta, 21h, sábado, 16h e 20h, domingo, 15h e 19h. R$ 37,50 a R$ 140. 120 min. Livre. Até 20/10/2019.