Crítica: Em Vocifera, Teatro do Kaos expõe dor da cultura sob ataque
Com 22 anos de atuação, o Teatro do Kaos de Cubatão é um dos mais importantes e atuantes grupos cênicos e fundamental agente de formação cultural na Baixada Santista.
Sob liderança do aguerrido e inquieto Lourimar Vieira, sua obra mais recente, a peça “Vocifera”, é uma excelente metáfora da atual situação da cultura e dos artistas brasileiros, atacados constantemente pelo poder público instaurado nas últimas eleições.
Na obra submersa na cartilha do pós-dramático pelos diretores Marcos Felipe e Lucas Beda, o próprio Lourimar Vieira surge em cena acompanhado dos atores Fabiano Di Melo e Levi Tavares.
Intenso no palco, o trio de atores dá vida à concreta dramaturgia criada por Victor Nóvoa com leve inspiração em “O Inimigo do Povo”, de Ibsen. Esta gira em torno das intermináveis obras do Teatro Municipal de Cubatão e da frustração dos artistas com manobras políticas que não permitem que se concluam; por outro lado, a obra ainda acaba por revelar as fragilidades — e delírios — da própria classe artística.
Os constantes ataques baixos por parte de gente com poder aos profissionais da arte são encarnados de forma sórdida pela atuação bem construída de Fabiano Di Melo.
O personagem de Lourimar Vieira, que condensa a figura do agente cultural posto em xeque, oferece-se em sacrifício na peça, reforçando o ato heroico e hercúleo que é fazer teatro no Brasil contemporâneo.
Apesar da crueza discursiva do texto, a encenação consegue criar belas imagens, como quando Levi Tavares, na pele de um jovem que busca a leveza da arte em meio ao peso da hipocrisia social vigente, dança vestido de Elvis Presley.
A cena traz um frescor de poesia cênica diante de tanta dureza ao redor e nos lembra que o teatro, mesmo ao tocar temas dolorosos, não precisa abrir mão de sua beleza.
Vocifera
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
16º Festac – Festival de Teatro de Cubatão – Sábado, 19/10/2019, às 20h no CEU das Artes (r. Januário Cândido Pontes, s/nº, Jd. N. República), grátis, 16 anos. Única apresentação.